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O Magnífico salvou-me a vida em Volteira. Eu tinha morto uma rapariga que Vitelli reservava para si e ele quis enforcar-me. Lourenço cortou a corda e devolveu-me a liberdade. São coisas que um homem honrado não esquece. Mas, chega de conversa: teremos muito tempo para isso durante a viagem. Eu vou contigo! Será a melhor maneira de vigiar o meu cavalo.

Os dois em cima dele? Será, certamente, a melhor maneira de fazer com que ele morra e então iremos os dois a pé. Já te disse que devemos apressar-nos!

Ele, ao menos, não nos leva durante uma meia légua? Eu sei onde podemos arranjar um se tivermos ouro acrescentou ele acariciando a bolsa que atara à cintura com uns cordões. Mas, agora, vem comer um bocado de carneiro, que ainda se queima... mas penteia-te. Prefiro que continues a ser um rapaz.

Como Rocco dissera, Fiora devorou um pedaço de carneiro que estava assado no ponto, fazendo-o descer com uma taça de vinho carrascão, ao mesmo tempo que o chefe, sempre a comer, arengava aos seus homens mais ou menos uma dezena:

Eu vou acompanhar este rapaz, porque ele me propôs um negócio interessante, mas regresso em breve. Orlando acrescentou ele apontando para uma espécie de gigante cabeludo que devia possuir a força de dois ursos tu vais comandar na minha ausência, que não deve durar mais de uma semana, mas, entretanto, mantende-vos quietos e não chameis as atenções sobre vós. Deixo-vos uma parte do ouro deste rapaz, mas vou trazer-vos roupas decentes.

Porquê? grunhiu Orlando. Vamos deixar de ser bandidos?

Seremos o que sempre fomos: soldados. Quando eu regressar, iremos a Urbino. Dizem que o duque Frederico de Montefeltro, está a recrutar uma condotta para uma nova guerra e há muito que as nossas espadas enferrujam. De acordo?

Todos estavam de acordo menos Fiora, que se inclinou para Rocco:

Tens a certeza que estás a ser lógico? Montefeltro é um dos condottieri ao serviço do Papa e esse exército pode estar a dirigir-se para Florença.

Eu sei, mas digamos que é... o último recurso! Veremos o que acontece. Se os Médícis ganharem, colocar-nos-emos ao serviço deles. Senão... é preciso viver, que queres?

Não havia mais nada a acrescentar. Fiora acabou tranquilamente a sua refeição enquanto Rocco procedia à repartição equitativa das moedas de ouro. Graças à precaução que tivera de distribuir algumas pelas botas e pelos diversos locais da sua roupa, o facto de ter perdido a bolsa não atormentava Fiora, mas reclamou a escarcela que as contivera. Restavam poucas coisas: um lenço e o pequeno frasco que Anna lhe dera. Rocco olhou para ele por um instante.

O que é que há aí dentro?

A possibilidade de escapar a uma morte penosa no caso de ser... apanhada.

Rocco abanou a cabeça, meteu de novo o objecto na bolsa e estendeu-a a Fiora, que começava a bater os pés de impaciência. Tanto tempo perdido! Além disso, sentia-se um pouco inquieta com o efeito que produziria na estrada de Florença na companhia daquele homem andrajoso que dava a entender demasiado aquilo que era...

Mas quando Rocco, que se afastara por um momento, regressou, ela ficou mais tranquila. O homem trocara o seu gibão sujíssimo por um outro de espesso pano cinzento, não muito limpo, sem dúvida, mas mais apresentável. Umas botas, um cinturão de couro castanho e uma capa da mesma cor rematavam a transformação que a longa espada e a adaga, felizmente, completaram.

Tiveste medo que te envergonhasse, hem? disse ele aplicando uma cotovelada em Fiora. E agora, a caminho.

Saíram da gruta e ele montou o cavalo. Fiora montou na garupa e, saudados pelos votos do bando, dirigiram-se para a estrada no passo medido que a dupla carga exigia para não esgotar o animal.

A noite estava negra, fria e era preciso conhecer o caminho, mas Rocco sabia para onde ia e, um momento depois, Fiora viu-se dotada com uma nova montada comprada da maneira mais regular do mundo a um fazendeiro que parecia conhecer bem o bandido e, até, ter relações mais do que cordiais com ele.

Nós roubamos os viajantes explicou Rocco não os vizinhos! Se assim fosse, a vida não seria possível. Este nunca teve queixa de mim, antes pelo contrário.

O companheiro da jovem não forçara a camaradagem ao ponto de lhe devolver o cavalo. Ficara com ele e Fiora teve de dar-se por satisfeita. A sua nova montada era mais um animal de trabalho do que um cavalo de sela. Além disso, dava provas de uma independência de espírito e de uma originalidade que o levava a contornar o menor montículo de terra ou até a recuar se o obstáculo lhe parecia demasiado fatigante de ultrapassar. Rocco, que se divertia desavergonhadamente com o furor crescente de Fiora, acabou por levar o animal pela brida para poder seguir em frente. Fiora consolou-se ao pensar que em Siena o seu companheiro e ela poderiam arranjar cavalos frescos. Mas estava escrito no grande livro do destino que ainda não chegara ao fim das suas penas.

Na piazza del Campo, o albergue da Fontana acolheu os viajantes com a consideração devida a tão nobres visitantes, mas o seu proprietário, mestre Guido Matteotti, ofereceu-lhes uma imagem de desolação quando lhe pediram cavalos frescos.

Onde quereis que eu os vá arranjar, meus Senhores? Não tenho nenhum! Nem sequer um pequenino. Tudo o que vos poderia oferecer é um burro, mas é muito teimoso. E a minha filha gosta muito dele!

Que queres tu que façamos com um burro? barafustou Rocco. Sabes quem somos? O meu jovem senhor, que pertence à nobre casa do conde Riario, é um mensageiro enviado por Sua Santidade e, acredita-me, a sua mensagem é urgente.

Que eu caia morto aos teus pés, Senhor, se não digo a verdade. Restavam-me quatro cavalos, quatro cavalos soberbos: animais altos, fortes, sólidos como uma rocha, de olhares vivos e crinas maiores do que os cabelos de uma mulher, mas levaram-mos ontem à noite! Levaram-me os quatro...

E quem é que se atreveu a isso? Não estavam reservados para o serviço do Papa e dos seus?

É evidente, mas eu já tinha visto passar uma tropa grande e não imaginava que aparecesse outra. Além disso, tinham argumentos contra os quais eu não podia fazer grande coisa!

Rocco agarrou no homenzinho pelo colarinho da camisa e começou a abaná-lo:

E quem era essa gente? Dizes, ou não?

Uma tropa de homens que vinha de Pisa. Soldados! Beberam, comeram, pilharam-me o celeiro e a cave e maltrataram-me as criadas e os moços-de-cozinha. Um verdadeiro desastre!

Estou a perder a paciência! disse Rocco. Decides-te a dizer quem eram?

E eu sei? Eram soldados, já vos disse! Iam ter com um grupo que se está a formar perto daqui sob as ordens do condottiereSanseveríno. Viram os meus cavalos e levaram-nos, muito simplesmente. Ah! Pobre de mim!

De sobrolho franzido, Fiora reflectia. A situação agravava-se. Rocco falara de um recrutamento em Urbino sob as ordens do duque Frederico e eis que uma outra condotta se formava sob as ordens de Sanseverino. Um a leste, o outro a sudoeste, parecia-se diabolicamente com uma tenaz a fechar-se sobre Florença. Decididamente, Riario preparara tudo muito bem porque, com os Médícis assassinados, poderia largar aquela matilha esfaimada na cidade e estrangulá-la antes mesmo de ela ter tempo de se mexer. Por outro lado, para além do Papa, havia também Ferrante de Nápoles, enquanto os aliados de Florença, Milão e Veneza, nem sequer imaginavam o que se preparava. Sem falar, claro, no Rei de França, cuja distância apresentava pouco perigo para os conjurados.

A jovem não dissera nada, mas Rocco devia ter seguido o seu raciocínio, porque lhe pousou no braço uma mão que pretendia ser tranquilizadora e ela agradeceu-lhe com o olhar.

Bem disse ele Juntamo-nos aos outros em Florença e esperemos que os nossos animais aguentem até lá. Pelo menos, no teu celeiro pilhado e na tua cave arrasada não ficou nada com que possas alimentar dois honestos soldados?

Mestre Guido, que esperava o pior, pareceu renascer como uma flor deixada demasiado tempo ao sol que um jardineiro rega com uma chuva fina e fresca.