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No dia seguinte, à noite, depois de ter confiado os despojos do seu irmão mais novo ao túmulo familiar na Velha Sacristia de São Lourenço, onde já repousavam o seu pai, Piero, o Gotoso, e o seu avô, Cosimo, o Ancião, Lourenço confirmou essa ideia pessimista. Alguns Pazzi tinham conseguido fugir por entre os dedos dos soldados. Evidentemente, António e Stefano, os dois clérigos que o tinham atacado, estavam mortos depois de terem, torturados, entregado todos os seus cúmplices; fora assim que tinham apanhado Montesecco que, entretanto, recuara no último momento perante o horror do sacrilégio. Tivera a cabeça decepada. Evidentemente, Francesco Pazzi recebera o castigo que merecia, mas Bandini, o homem que se encarniçara sobre o corpo de Giuliano, conseguira fugir. Perseguido na estrada de Veneza, conseguira, miraculosamente, desaparecer na natureza.

Mas eu hei-de encontrá-lo afirmou Lourenço. Vá para onde for, mesmo que se refugie entre os Turcos, hei-de pôr-lhe a mão em cima.

Isso perfaz muitos mortos disse Fiora. Tens a certeza de que foram todos culpados?

É evidente que não, mas não pude conter a fúria popular. Mal consegui impedir que tomassem de assalto o meu próprio palácio para extirparem o cardeal Riario...

Que vais fazer dele? Lourenço encolheu os ombros:

Nada! Quando a cidade acalmar, mando-o para Roma com uma boa escolta... ou para Perúsia, porque foi para lá que ele foi nomeado como núncio. Se o visses: morre de medo e eu estou certo de que, se ele tivesse suspeitado do que se ia passar em Santa Maria del Fiore, nunca teria lá posto os pés. Mas, peço-te, minha doce, minha bela, minha preciosa, paremos de falar desse horror! Junto de ti só quero falar de desejo e de amor...

Nessa noite, os dois amaram-se longamente, ardentemente, como se não conseguissem saciar-se um do outro. Porém, Lourenço acabou por encontrar o sono, vencido pela fadiga esmagadora provocada pela tragédia do Domingo de Páscoa. Fiora, essa, não conseguia dormir. Sentada no leito, com os cotovelos nos joelhos, contemplou durante muito tempo o grande corpo moreno, ao mesmo tempo magro e musculado, que jazia a seu lado, parecido com aqueles corpos hirtos que vira em certos túmulos. O esgotamento fulminara-o e ele repousava, os braços e as pernas afastados na cama em desordem, um dos punhos enrolados numa das longas mechas negras da jovem.

Ela tentou puxar os cabelos, mas Lourenço segurava-os com firmeza e ela renunciou para não o acordar. Então, acabou por se deitar encostada a ele depois de ter, por um instante, pousado

Com efeito, O Sultão enviá-lo-ia acorrentado a Lourenço como prova de amizade.

os seus lábios no pescoço ferido, cuja ligadura se tinha deslocado.

Uma vez mais, perguntou a si própria se o amava, sem que o seu coração lhe fornecesse uma resposta. Desejava-o e, nos seus braços, sentia-se feliz, mas quando o silêncio caía entre eles, Fiora não se conseguira impedir de ouvir, no fundo de si mesma, uma voz dolorosa, que era a voz das suas mágoas. Por mais maravilhosas que fossem as horas passadas com Lourenço, não conseguiam abafar a recordação do seu amor por Philippe... por Philippe perdido para sempre a despeito dos vaticínios obscuros de Demétrios. E, sem mesmo se dar conta, Fiora deixou cair abundantes lágrimas em cima do ombro do seu amante adormecido.

Quando ele acordou, ela ainda não tinha conseguido adormecer. Várias ideias giravam na sua cabeça. E enquanto Lourenço se vestia na frescura de uma madrugada chuvosa, ela deu-lhe parte do seu desejo de ir rezar no túmulo do seu pai, na igreja corporativa Ouro de São Miguel.

Neste momento é impossível, meu amor. Não vejo que possas ir à cidade enquanto o povo não acalmar. O espectáculo é abominável. O odor também e eu não gostaria de estar na pele de Sandro Botticelli...

Porquê?

A Senhoria encomendou-lhe uma pintura nas suas paredes, uma imagem dos corpos supliciados que penduraram do balcão. O infeliz passa horas, mal abrigado por um toldo, a fazer esboços.

Pobre Sandro! Ele, que só ama a beleza... Bem, contentar-me-ei em passear em redor da casa. Mas, já agora, podes dizer-me o que aconteceu à nossa propriedade?

Aquela que possuíeis perto de Montughi? Creio que continua a ser tua, ninguém se quer lá instalar e a propriedade está ao abandono.

Por que razão?

A morte de Marino Betti, o assassino do teu pai, fez fugir toda a gente. Os nossos camponeses são supersticiosos, como sabes, e têm um medo terrível dos fantasmas. Mas vai ser preciso tentar fazer qualquer coisa. Talvez, se queimarmos a árvore onde ele foi enforcado e se arrasarmos a casa onde ele morava?

Falaremos disso mais tarde. Não há pressa, de facto...

Temos muito tempo pela frente disse ele ternamente, inclinando-se para a boca da jovem.

Quando ele ia a sair, ela chamou-o:

É melhor não vires esta noite disse ela.

Porquê? perguntou ele, subitamente com um olhar sombrio. Já estás cansada de mim?

Como podes dizer uma tolice dessas? Não, Lourenço mio, não estou cansada de ti, mas, na vida de uma mulher, há noites que ela deve passar sozinha. Compreendes?

Ele riu-se e tomou-a nos braços para lhe cobrir o rosto e o pescoço de beijos.

Seja, criatura impura! Pelo menos, poderás dormir. E a minha mãe também. Por causa do que se passou, ela preocupa-se com as minhas saídas nocturnas. Mas não penses que me manténs à distância durante muito tempo!

Uma hora após a sua partida, Fiora foi ter com Demétrios para lhe dar parte da ideia que lhe viera à mente. Ele escutou-a sem dizer uma palavra e quando ela acabou, perguntou:

Sabes que dia é hoje?

28 de Abril, creio... oh meu Deus! É o mesmo dia!

Sim. Há três anos, saímos daqui para punir um assassino. Crês que Hieronyma se foi esconder na velha propriedade?

É claro! Não há melhor esconderijo do que a casa do seu cúmplice. Sobretudo uma casa defendida pelo terror. Esse demónio nunca teve medo de nada e ainda menos de fantasmas.

Pode ser que tenhas razão, Fiora!... Sim, acho que sim. Em todo o caso, não custa muito ir lá ver.

Se o dia era o mesmo, a noite era bem diferente. Não havia estrelas no céu e a terra não cheirava a perfume! Um céu negro, que deixava cair trombas de água, caminhos alagados, perigosos para quem não os conhecia. Mas Fiora teria reconhecido o caminho de olhos fechados e debaixo de um tremor de terra, de tal modo ele lhe era familiar. A passo na sua mula, cavalgava bota com bota com Demétrios, curvando o dorso sob a grande manta negra com capuz que a protegia do dilúvio, mas a jovem não sentia a chuva e teria atravessado um mar de chamas para atingir o seu objectivo, tal era a certeza de que aquele caminho a levaria, enfim, à sua vingança.

A seguir a ela cavalgavam Esteban e Rocco, armados até aos dentes. O antigo salteador de estradas quisera participar na expedição depois de saber de quem se tratava:

Fico a dever-te dissera ele a Fiora. Graças a ti, vou voltar a ser um verdadeiro soldado e vou servir um patrão que me agrada.

No dia seguinte partira para a sua gruta de San Quirico d’Orcia para ali recuperar os seus homens, que Lourenço incluiria no seu serviço e sob as suas ordens. Era mais do que certo, de facto, que a guerra com o Papa estalaria em breve e o Magnífico dava o justo valor a um grupo de homens bem treinado. Além disso, Rocco recebera dele uma bela soma por se ter batido a seu lado na catedral. Assim, o homem sentia o coração pleno de alegria e, de tempos a tempos, Fiora podia ouvi-lo a assobiar uma ária.

Chegada ao seu destino, encontrou sem dificuldade a vereda bordejada de hera, mais longe a massa sombria dos edifícios da propriedade e o grande pinheiro cuja copa imensa cobria os pilares de pedra à entrada do pátio. O grande pinheiro onde o corpo martirizado de Marino Betti fora enforcado...