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"Daí a importância do raide desta madrugada." A americana assentiu e virou os olhos na direcção da casa que todos vigiavam.

"Temos de encontrar a maldita bomba."

LVII

Três dias.

Tomás começava já a sentir-se farto da inacção. O

raide feito três dias antes não dera em nada e o FBI limitava-se agora a vigiar Ahmed. Isso significava que havia três dias que passava quase todo o tempo fechado naquela amaldiçoada carrinha, estacionada num passeio a dois quarteirões da casa onde o seu antigo aluno se alojara.

A carrinha era enorme, com monitores e câmaras e tudo o que se pudesse imaginar; afinal, era ela a Big Mother, o centro de controlo daquela operação. Os três homens do FBI que a tripulavam, incluindo o chefe da operação, conversavam descontraidamente entre si e Rebecca, mesmo ao lado, tinha a cabeça encostada ao vidro opaco e parecia ter adormecido.

O tédio da espera estava a dar cabo de Tomás. O

português sentia o corpo dorido por causa das más posições em que se sentava e buscava constantemente uma postura mais confor tável, mas sem grande sucesso. Olhou para o The New York Times estendido no chão e pegou nele pela terceira vez; já o tinha lido de uma ponta à outra, mas alimentava a esperança de encontrar ali qualquer coisa nova que o entretivesse.

Ajeitou o jornal com grande fragor e passou os olhos pelos títulos. A notícia do dia centrava-se em suspeitas de irregularidades financeiras envolvendo um senador qualquer. Folheou o jornal e deteve-se numa outra notícia dando conta de mais um escândalo de insider trading em Wall Street, com a detenção de um qualquer investidor famoso de que Tomás nunca tinha ouvido falar. Seguiu em frente.

Um título especulava sobre o teor do discurso do presidente dos Estados Unidos na Assembleia Geral da ONU, essa tarde. Já tinha lido tudo aquilo. Saltou para o desporto e quase gemeu por não encontrar mais uma vez referências ao futebol europeu. O

jornal parecia antes mais excitado com um jogo qualquer entre os Cardinais e os Philadelphia Eagles para o campeonato do American Football Conference.

"Que seca!", grunhiu com frustração, atirando o jornal para o chão.

Suspirou e recostou-se no assento, preparando-se para mais umas horas de espera entediante. Olhou para o lado e constatou que Rebecca ainda dormitava.

Os

cabelos

cor

de

trigo

espalhavam-se-lhe pelo rosto lácteo, dando-lhe um certo ar selvagem. Era bonita. Sentiu ganas de a acordar e conversar com ela, mas dominou o impulso.

A americana andava cansada e precisava de recuperar forças. Estendeu o braço e acariciou-lhe o rosto com carinho, os dedos a deslizarem pelo veludo quente da pele.

"Hmm", ronronou ela, sentindo o afago meigo.

Agora a vontade de Tomás não era apenas de conversar com Rebecca, mas de lhe beijar os lábios húmidos e entreabertos. Inclinou a face em direcção ao rosto sereno, mas no derradeiro instante dominou o impulso de se colar à boca dela e, em vez disso, deslizou para junto da orelha.

"Shhhh", soprou-lhe Tomás ao ouvido, a voz infinitamente suave. "Dorme."

Tut-tut.

Os três agentes do FBI no interior da carrinha deram»um salto, como se tivessem apanhado um choque eléctrico, e assumiram de imediato as suas posições.

"O telefone!", exclamou o chefe da operação, gesticulando para os subordinados. "Bob, localiza-me a chamada. Carl, põe-me o gravador a funcionar."

A

súbita

agitação

despertou

Rebecca.

Estremunhada, a americana girou a cabeça em redor e, sem perceber o que estava a acontecer, voltou-se para o português.

"Tom, o que se passa?"

Tomás pôs o indicador diante da boca.

"Chiu!", disse. "Alguém está a ligar para o Ahmed.

Deixa ouvir."

Tut-tut.

"Hélio?"

Era a voz de Ahmed a atender.

"Ibn Taymiyyab?"

"Nam."

"Surat-an-Nisaa, ayah arba'a wa sabim." Ao ouvir estas palavras, Ahmed fez uma pausa, como se digerisse o seu significado, e clamou. "Allah u akbarr Click.

Na carrinha, os agentes do FBI e os dois elementos da NEST pareciam congelados, os ouvidos atentos aos sons do telefonema que haviam interceptado.

"Fuck!", vociferou o chefe da equipa operacional do Bureau. "Os motberfuckers já desligaram." Virou a cabeça para o lado. "Bob, conseguiste localizar a chamada?"

Bob abanou a cabeça, os olhos presos em desânimo ao monitor.

"Nope", disse. "Foi demasiado curta. A única coisa que consegui determinar é que se tratou de uma ligação doméstica."

O chefe da equipa revirou os olhos.

"Já calculava." Virou-se para o segundo subordinado.

"Está tudo gravado, Carl?" "Sim."

"Ao menos isso. Manda-me a gravação imediatamente para a Federal Plaza. Quero o tradutor de árabe em cima desse material o mais depressa possível."

Tomás pegou na pasta de Rebecca, levantou-se e aproximou-se do chefe de equipa, a mão mergulhada na pasta à procura do livro que sabia estar ali guardado.

"Desculpe."

O americano girou a cabeça para trás. "O que é?", perguntou com irritação. "Não vê que estamos a trabalhar, goddam it!?" "Eu sei árabe."

O chefe da equipa encarou-o com súbito interesse.

"Porque

não

disse

logo?",

perguntou,

evidentemente sem esperar resposta. "O que disseram aqueles motberfuckers ao telefone?

Alguma coisa importante?"

"Foi uma chamada estranha. O tipo que telefonou comunicou ao Fireball um versículo do Alcorão. O

Fireball disse que Deus é grande e a chamada terminou."

O responsável do FBI afagou o queixo.

"Um versículo do Alcorão, eh?" Girou no banco rotativo e voltou-se para os seus homens. "Algum de vocês tem aí um exemplar do Alcorão?"

Como um aluno bem comportado, Tomás estendeu o braço e pôs diante do rosto do americano o livro que acabara de retirar da pasta de Rebecca.

"Está aqui", disse. "Será que podem passar a gravação da conversa, para eu tomar nota da referência corânica?"

Carl colocou nos altifalantes da carrinha a breve troca de palavras entre Ahmed e o desconhecido que lhe ligara. Quando o desconhecido disse

"surat-an-Nisaa, ayab arbaa wa sabiin", o historiador registou a referência no seu bloco de notas e pôs-se de imediato a folhear o livro sagrado do islão.

"Surat-an-Nisaa... surat-an-Nisaa... é a sura 4", identificou. Localizou o capítulo corânico e foi à procura do versículo referenciado na gravação.

"Ayah arba'a wa sabiin é versículo 74." A ponta do dedo deslizou pelos sucessivos versículos daquela sura. "Deixa cá ver... deixa cá ver... aqui está, versí-

culo 74!" Afinou a voz e leu. "«Combatam na causa de Deus os que trocam a vida mundana pela outra! A esses, que combatam na senda de Deus e sejam mortos ou vencedores, dar--lhes-emos uma enorme recompensa.»"

Ficaram todos um instante a amadurecer estas palavras.

"Uma enorme recompensa?", perguntou Carl. "Não me digam que o tipo ganhou a lotaria!?"

Os homens do FBI desataram às gargalhadas no interior da carrinha, mas a dupla da NEST não os acompanhou. Ignorando a galhofa em redor, Tomás releu em silêncio o versículo, buscando o seu verdadeiro sentido.