"Sierra One em movimento", comunicou pelo microfone.
"Roger, Sierra One", confirmou a viatura que até ali mantinha o contacto com o suspeito. "Sierra Five a passar o Fireball para o esperar na 30th West."
Mal acabou esta comunicação, o outro carro meteu-se pela faixa exclusiva para transportes públicos e ultrapassou em velocidade a lenta fila de trânsito no sentido de Manhattan. Tomás quase teve inveja de o ver acelerar daquela maneira, uma vez que o tráfego estava completamente embatucado no acesso ao túnel. A progressão revelou-se ainda mais vagarosa do que havia calculado, com as viaturas a avançarem num pára-arranca interminável.
Por fim, conquistando caminho metro a metro, os automóveis de Ahmed e de Ted percorreram todo o Lincoln Tunnel e desembocaram em Manhattan. O
português consultou o relógio; só aquele curto troço entre New Jersey e a ilha tinha levado trinta minutos.
"Está um engarrafamento incrível", constatou Tomás. "É sempre assim?"
"O tráfego em Manhattan nunca foi simples", respondeu Ted. "Mas hoje o trânsito na cidade encontra-se muito condicionado pelas medidas de segurança, o que tem dificultado as coisas."
O pisca direito do Pontiac verde acendeu-se de repente e o carro virou no sentido que indicara. Ted invadiu de imediato a linha exclusiva para os transportes públicos e ultrapassou a viatura diante dele, pondo-se no encalço de Ahmed. O Pontiac meteu pelo emaranhado de ruelas, fugindo assim ao trânsito, e internou-se por Manhattan em direcção a leste, com os homens do Bureau sempre atrás.
Quatro quarteirões adiante, a viatura verde virou para o
que parecia ser um túnel e desapareceu no interior.
Os tripu-
lantes do carro do FBI identificaram uma tabuleta azul com o
P de Parking.
*
"Stop, stop!", ordenou Ted ao microfone. "Near side."
Era uma ordem para os automóveis do FBI que seguiam lá atrás pararem. Mas o próprio Ted nem sequer abrandou, optando antes por seguir em frente, não fosse o suspeito estar a vigiar o trânsito para verificar se alguém o seguira.
Crrrrrr.
"Sierra One, o que se passa?"
"O
Fireball
meteu-se
no
parque
de
estacionamento", explicou Ted, parando mais adiante. "Sierra Two e Sierra Three, fiquem onde estão. Sierra Four e Sierra Five, identifiquem outras saídas deste parque. Atenção que Sierra One vai ficar com um só homem porque eu e os nossos dois convidados vamos tornar-nos Foxtrot One."
"Porquê, Sierra One}"
"O Fireball pode colocar-se foxtrot."
"Roger that."
A um sinal de Ted, Rebecca e Tomás saltaram do carro e caminharam pelo passeio em direcção ao parque de estacionamento.
"O que é isso de o Fireball colocar-se foxtrot}", quis saber Tomás, a curiosidade sempre atiçada pelos códigos, quaisquer que eles fossem. "Que significa foxtrot}"
"Há uma forte probabilidade de o Fireball sair do carro", retorquiu o homem do FBI. "Foxtrot significa peão. Não se esqueça de que o nosso homem entrou num parking. Só costuma fazer isso quem quer estacionar um carro, não é verdade?"
Penetraram no parque de estacionamento com fingida descontracção, os olhos atentos a qualquer movimento. Vasculharam o primeiro piso e não detectaram nada de anormal. Meteram pela escada para ascender ao segundo piso, mas ouviram o som dos passos de alguém a descer e recuaram, ocultando-se atrás de um pilar.
Um homem de jeans e camisa verde emergiu da sombra das escadas e seguiu na direcção da saída.
"É ele!", identificou Tomás.
Assim que Ahmed cruzou a porta do parking e saiu para a rua, os três apressaram-se a abandonar o parque de estacionamento e a segui-lo à distância, conversando entre si da maneira mais insuspeita que conseguiram simular. O muçulmano caminhava cinquenta metros adiante de uma forma algo hirta, como se estivesse tenso.
"Estamos ao pé da Port Authority", constatou Ted, observando o grande terminal ali próximo.
Tomás ignorou a referência; preferia manter a atenção concentrada no seu antigo aluno.
"Já viram a cor da camisa dele?", perguntou.
Rebecca fez um trejeito indiferente com a boca.
"E verde", constatou. "O que tem isso de especial?
Que eu saiba, o verde é a cor do islão. Sendo ele muçulmano..."
"E verdade", confirmou o português. "Mas, para os muçulmanos, o verde é também a cor do Paraíso.
Claramente o nosso homem acredita que está a caminhar para o Paraíso."
Ted soltou uma gargalhada.
"Nova Iorque? O Paraíso? Essa é boa!"
Dobraram a esquina e Tomás viu cinco polícias a cavalo à sua esquerda e mais três à direita, todos de capacete. Ao fundo da rua identificou dois carros com o logótipo do NYPD estampado nas portas e ouviu várias sirenes a soar à distância. Olhou para cima e viu helicópteros a percorrer o céu de Manhattan. Enquanto observava os aparelhos a zunir, o seu olhar prendeu-se quase por acidente »um vfllto posicionado num terraço com o que parecia ser uma espingarda de mira telescópica. Era um atirador especial da polícia.
"Oiçam lá, vocês não estarão a exagerar um bocadinho?", perguntou o português, quase chocado com tanto aparato. "Porquê?", admirou-se Ted.
"Ainda pergunta porquê?" Fez um gesto na direcção dos polícias a cavalo. "Já viu o número de guardas que colocaram ostensivamente na rua? Acha isto normal? Pensa que o nosso homem é parvo e não vai desconfiar?"
O agente do FBI deitou um olhar desinteressado ao dispositivo policial.
"Claro que isto é normal."
"Está a gozar comigo?", perguntou Tomás. "Acha normal toda esta... esta catrefada de polícias? Acha que o nosso suspeito não vai topar que o estão a vigiar?"
Ted riu-se.
"O quê? Você julga que isto é tudo por causa do Fireball} Não, man, é a Assembleia Geral da ONU.
Todos os anos é a mesma cowboyada aqui em Manhattan. Vêm chefes de Estado e de governo de todo o mundo discursar na Assembleia Geral e espalham o pandemônio na cidade. A vida aqui é um inferno nestas duas semanas."
"Quando há Assembleia Geral, isto é todos os dias assim?"
"Bem, hoje está pior, é verdade. No fim de contas, vem cá
o presidente, não é verdade? Quando ele aparece, o aparato de segurança é sempre um pouco mais espectacular." "Qual presidente?"
"Qual haveria de ser? O dos Estados Unidos, claro."
"O presidente dos Estados Unidos vai discursar diante da Assembleia Geral da ONU?"
Ted assentiu.
"Esta tarde."
"Ele... ele já cá está?"
O homem do FBI consultou o relógio.
"Deve estar, deve. O discurso está previsto para daqui a quinze minutos."
A notícia deixou Tomás embasbacado. Estancou a meio do passeio, os olhos fixos na camisa verde que se movimentava cinquenta metros adiante, a luz da compreensão iluminando-o enfim. Lera nos jornais a notícia do discurso na Assembleia Geral e, grande burro!, nunca fizera a relação entre as coisas.
Mas era tudo tão claro!
"É isso!", quase gritou, esmurrando a palma da mão.
"É isso!"
"O quê?", assustou-se Rebecca. "O que aconteceu?"
O historiador apontou num frenesim para o vulto distante de Ahmed, os olhos arregalados no horror da compreensão. "Ele está à espera do discurso! Ele está à espera do discurso! "O quê?"
"A Al-Qaeda vai fazer explodir a bomba atómica quando o presidente estiver a falar na ONU!"
LIX
"Foxtrot One para Big Mother."
Considerando as circunstâncias, Ted nem sequer fez um esforço para disfarçar quando efectuou a chamada pelo intercomunicador rádio portátil que trazia no cinto.