Estaria o seu antigo aluno a explorar o terreno? O
historiador pôs-se a questionar todas as ideias que até ali dava por certas. Como ter a certeza de que o atentado estava iminente? E se, na verdade, tudo aquilo não passasse de...
Caiu.
Sem que ninguém o esperasse, Ahmed pareceu tropeçar de repente e estatelou-se desamparado no chão.
Os três perseguidores cravaram os olhos no corpo do homem que tombara no passeio do outro lado da avenida, tentando perceber o que se passara. O
suspeito caíra e, pelos vistos, não se levantava.
Estaria bem?
Tomás e os dois companheiros mantiveram-se atentos ao vulto tombado, esperando que ele se erguesse, que se mexesse, que fizesse alguma coisa.
Mas o corpo estendido no passeio permanecia quieto e os três chegaram à conclusão inevitável.
Ahmed fora abatido.
LX
"Foxtrot One para Big Mother."
Ted estava de novo agarrado ao intercomunicador portátil, fervendo de irritação e sentindo um nervosismo crescente apossar-se dele.
"O que é, Foxtrot One}"
"O Fireball está down. Quem diabo disparou sobre ele?"
"Já vou verificar, Foxtrot One", foi a resposta.
"Standby."
Ficaram os três na esquina da Lexington Avenue com a 43rd, junto ao edifício da Chrysler, a observar o corpo inerte de Ahmed. Viram alguns polícias a aproximarem-se e um homem de bata branca a sair de uma ambulância ali parada e a ajoelhar-se diante do vulto verde, verificando-lhe os sinais vitais. O homem de bata branca, obviamente um médico, começou a falar com os polícias; parecia evidente que lhes dava instruções sobre como proceder.
Quando terminaram de falar e gesticular, dois guardas pegaram no corpo e levaram-no para a ambulância, uma
carrinha branca com a cruz vermelha e o nome Bellevue Hospital por baixo. Ahmed foi deitado numa maca e introduzido na viatura pelas portas traseiras, que logo se fecharam.
"Se calhar é melhor irmos lá ver o que se passa", disse Tomás, enervado por ter perdido o contacto visual com Ahmed.
"E se o tipo volta a si?", perguntou Rebecca.
"Vê-nos a fazer perguntas ao médico e somos desmascarados. Não, se calhar é melhor ficarmos quietos. Mais vale pôr o FBI a falar com os responsáveis do hospital e eles que questionem o médico pelos canais normais."
Ted assentiu com a cabeça, aceitando a sugestão, e puxou o intercomunicador para a boca.
"Foxtrot One para Big Motber. Será que pode verificar uma coisa, por favor?"
"Diga, Foxtrot One."
"O Fireball foi metido numa ambulância do Bellevue Hospital estacionada junto ao edifício da Chrysler.
Será que o hospital pode indagar discretamente junto do médico da ambulância o que se passa com o seu novo paciente?"
"Roger, Foxtrot One."
O homem do FBI passeou os olhos pelo topo dos prédios. O recorte longínquo de um franco-atirador lembrou-lhe que havia ainda uma resposta para ser dada, pelo que voltou a colar o intercomunicador à boca.
"A propósito, Big Mother. Já se sabe quem foi o idiota que abriu fogo sobre o Fireball?"
"Negativo", foi a resposta. "Ainda estamos a tentar perceber o que se passou, mas até agora ninguém se acusou. Quem quer que tenha disparado está a fechar-se em copas. Provavelmente foi um franco-atirador mais nervoso, sei lá..."
"Não me admirava nada", resmungou Ted entre dentes, baixando devagar o intercomunicador enquanto abanava a cabeça. "Recrutaram uma série de novatos e está-se mesmo a ver que os tipos já fizeram merda." Voltou a colocar o intercomunicador diante da boca e carregou no botão. "Big Motber, já há notícias da inspecção com os geiger?"
"Afirmativo, Foxtrot One. Pusemos várias viaturas com
contadores a percorrer toda a zona e também o resto da
cidade. A busca está quase completa." m
"E então?"
"Negativo. Não foram detectados sinais de radioactividade em parte alguma de Manhattan. Está tudo limpo. Pelos vistos não há nenhuma bomba, Foxtrot One."
Ted, Tomás e Rebecca entreolharam-se, sem saber o que fazer nem dizer. Os eventos pareciam tomar rumos imprevisíveis; o que era certo num momento tornava-se improvável no instante seguinte. Parecia que cavalgavam uma montanha--russa de emoções.
Num gesto que parecia ter-se tornado um tique nervoso, o historiador português espreitou o relógio pela enésima vez.
"Está na hora."
O homem do FBI recuou alguns passos e plantou-se diante da montra de uma loja de electrodomésticos a ver um televisor sintonizado na CNN. Tomás e Rebecca juntaram-se a ele. A estação de notícias transmitia em directo do interior da sede da ONU e mostrava um homem de fato azul-escuro e gravata vermelha subir tranquilamente ao pódio de mármore verde para fazer o seu discurso.
Era o presidente dos Estados Unidos.
Crrrrrr.
"Big Motber para Foxtrot One." "O
que é, Big Motber}"
"Você deve ter-se enganado quanto à ambulância."
"Enganado como?"
"O Bellevue Hospital diz que não tem nenhuma ambulância em Lexington. Aliás, nem sequer dispõe de qualquer ambulância nessa zona. Pode verificar melhor?
Os olhos de Ted fixaram-se no veículo branco de emergência médica, estacionado do outro lado da avenida. As portas da ambulância apresentavam, de facto, a inscrição Bellevue Hospital.
"Desculpe, Big Motber. Mas esta ambulância é mesmo do Bellevue Hospital, não há dúvida nenhuma quanto a isso."
"Negativo, Foxtrot One. O hospital diz que não tem nenhuma ambulância na zona."
Ted não desistiu.
"Eles estão enganados!", insistiu. "Eu estou a ver à minha frente..."
Num gesto impulsivo, Tomás, que seguia a conversa com crescente atenção, arrancou o intercomunicador portátil das mãos do homem do FBI e falou directamente com o comando da operação.
"Big Motber, aqui Tomás Noronha, da NEST", apresentou-se. "Estou a acompanhar o Foxtrot One e precisava de saber uma coisa."
A resposta tardou uns segundos; dava a impressão de que o comandante da operação estava a ponderar se iria falar com um amador estrangeiro que não pertencia ao Bureau. A gravidade das circunstâncias, porém, acabou por ditar a sua decisão.
"Go abead, mister Noronha."
"Vocês já passaram os contadores geiger por toda a cidade?" "Afirmativo."
"E eles não registaram nenhuma radioactividade em parte alguma?"
"Exacto. Não há nada."
"Estão-me a dizer que em momento algum a agulha do contador geiger registou qualquer actividade?
Nada de nada?"
"Sim... quer dizer, há sempre circunstâncias em que o geiger acusa a existência de radioactividade, não é verdade?"
"Que circunstâncias?"
"Olhe, quando passa ao pé de hospitais, por exemplo.*Os hospitais estão cheios de equipamento radioactivo. Sempre que um contador geiger é apontado para algum hospital, a agulha mexe-se. Mas isso é normal e tem de ser descontado."
Tomás começou a sentir o coração bater mais e mais depressa. Os olhos arregalaram-se-lhe de terror e teve tanto medo da pergunta seguinte que esteve quase para não a fazer.
Mas fez.
"E... e as ambulâncias?" "E a mesma coisa."
Tomás olhou para Ted e para Rebecca, e os três caíram em si. As cabeças convergiram para a ambulância estacionada na base do edifício Chrysler e os rostos imobilizaram-se por um longo segundo, interpretando o que viam de um modo totalmente novo, o pavor tombando sobre eles como uma sombra.