Dentro do piano-bar, os homens do NYPD não paravam de cantar e beber cerveja, mas Tomás e Rebecca preferiam observar em silêncio a metrópole resplandecente, como se estivessem hipnotizados pelas luzes e cores exuberantes que se estendiam e mexiam por toda a parte numa grandiosa coreografia.
"Estou mortinho por sair daqui", observou o historiador, que já mal conseguia pensar noutra coisa. "Acha que eles ainda estão muito atrasados?
Já passou a meia hora..."
A americana verificou o relógio.
"Tem razão", constatou. "Levam vinte minutos de atraso. Se calhar é melhor eu ligar para..." "Fucking génio!"
O português reconheceu a voz baixa e arrastada e voltou-se. Atrás dele encontrava-se o rosto familiar do responsável da NEST a abrir-se nos vestígios de um sorriso.
"Mister Bellamy!"
"O que ando eu a dizer há anos?", perguntou o americano, sem tirar os olhos de Tomás. "Você é um fucking génio!" "Foi sorte..."
"Qual sorte! Ninguém faz o que vocês fizeram só por sorte! Estão os dois de parabéns!" Apontou para Rebecca. "Você também, babe. Esteve muito bem!"
"Obrigada, mister Bellamy."
"Fui informado de que o presidente vai conceder-vos aos
dois uma Presidential Medal of Freedom, a mais alta conde-coração civil do país, por especial mérito na defesa da segurança nacional dos Estados Unidos. E o tipo do FBI que
morreu, coitado, também vai levar uma medalha a título
póstumo. Foi um herói."
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A referência a Ted ensombrou os rostos de Tomás e Rebecca. Não se tratava propriamente de um amigo, mas ambos haviam passado três dias na companhia do operacional do Bureau enquanto vigiavam a casa onde estava Ahmed e tinham-no visto morrer diante deles. Uma estranha afinidade ligá-los-ia para sempre a Ted.
Tomás sentiu necessidade de desanuviar o ambiente.
"Então, mister Bellamy? Veio sozinho?"
"Claro que não."
Rebecca espreitou com súbita ansiedade para a entrada do bar, em busca dos seus colegas da NEST.
"Onde está o resto do pessoal?"
"Vim à frente num carro com batedor", disse Bellamy. "Eles devem estar a chegar." "A Anne também vem?" "Claro."
Como em obediência a uma deixa de teatro, logo que o responsável da NEST se calou uma pequena multidão invadiu o Rainbow Grill numa grande algazarra. Mal viram Rebecca, os recém-chegados dirigiram-se directamente a ela. À cabeça do grupo vinha uma bonita morena de cabelos longos e encaracolados. Tinha lágrimas nos olhos e caiu nos braços de Rebecca.
"Oh baby!"
"Honey!"
Arregalando os olhos de estupefacção, vendo e recusando-se a acreditar no que os seus olhos lhe diziam, Tomás observou Rebecca e Anne mergulharem na boca uma da outra, viu-as afundarem-se com tal intensidade e paixão e volúpia que o coração se lhe contraiu e, esvaindo-se como oxigénio no vácuo, a esperança foi definhando até se transformar em desilusão completa.
Nota final
Este romance conta uma história ficcional com personagens ficcionais, mas, como acontece em todas as minhas obras, muitas das coisas que o livro revela não constituem qualquer invenção.
São verdadeiras.
E verdade que há documentos da Al-Qaeda e declarações dos seus dirigentes que revelam a intenção do movimento de fazer detonar um dispositivo nuclear. E verdade que, estando na posse de cinquenta quilos de urânio altamente enriquecido, qualquer pessoa com conhecimentos de engenharia pode montar uma bomba nuclear em pouco mais de vinte e quatro horas numa garagem. E verdade que é possível aceder a urânio altamente enriquecido ou plutónio em países com medidas de segurança de eficácia duvidosa. E verdadeiro que já ocorreram vá-
rios roubos de material nuclear em instalações russas, incluindo em Mayak. É verdade que o Paquistão andou a exportar tecnologia nuclear para os outros países islâmicos e os seus
cientistas foram consultados por Bin Laden e por outros dirigentes da Al-Qaeda. E é verdade que mais de cento e cinquenta versículos do Alcorão são dedicados à jihad.
Nenhum dos diálogos das personagens deste romance reflecte a minha opinião sobre o islão; apenas expõe as diferentes perspectivas que se cruzam a propósito desta importante religião, com uma natural atenção à perspectiva dita radical ou fundamentalista. No entanto, as citações do Alcorão ou dos ahadith que estabelecem o exemplo do Profeta são genuínas. Para o efeito, usei a tradução do Alcorão em português feita por Américo de Carvalho
e
editada
pelas
Publicações
Europa-América em 2002; apenas fiz uma pequena alteração de forma, mas não de conteúdo, numa referência que se encontra na sura 8, versículo 16; e ainda na sura 4, versículo 34, a conselho de um clérigo muçulmano para o qual a alteração traduz melhor o original em árabe. Já as citações dos ahaditb são traduções minhas a partir de traduções do árabe em inglês.
Também foram usadas outras fontes. Em primeiro lugar, os textos dos mentores do islamismo dito radical ou fundamentalista, que consultei nas suas traduções do árabe em inglês. Os principais foram jihad, do egípcio Hasan Al-Banna, fundador da Irmandade Muçulmana e assassinado em 1949; e sobretudo Milestones Along the Road, escrito na prisão pelo também egípcio Sayyed Qutb em 1964 e considerado o texto fundamental dos islamitas modernos. Qutb, que sucedeu a Al-Banna na Irmandade Muçulmana, foi executado em 1965
precisamente por ter publicado este livro.
Outras obras que se seguiram na esteira dos textos de Al-Banna e de Qutb, e que também consultei, foram Defense of Muslim Lands e Join the Caravan, do xeque Abdullah Azzam, um dos mentores de Osama Bin Laden; The Virtues of Jihad, do maulana Mohammed Masood Azhar; Ruling by Man-made Law, de Abu Hamza Al-Masri; e Jihad in the Qur'an and Sunnab, do xeque Abdullah Bin Muhammad Bin Humaid.
Para perceber a Al-Qaeda e conhecer o pensamento do seu líder consultei dois opúsculos escritos pelo próprio Osama Bin Laden e intitulados Declaration of War on America e Exposing the New Crusader War, e ainda a entrevista quf ele deu à ABC News em 1998. Importantes neste segmento foram igualmente os livros Al-Qaeda, de Jason Burke; e The Secret History of Al-Qaeda, de Abdel Bari Atwan, que me forneceram pormenores relativos a Bin Laden e ainda aos campos de treino da Al-Qaeda no Afeganistão. Sobre estes campos em particular, contudo, a obra mais importante foi, sem dúvida, Inside the Jihad, de Omar Nasiri.
Outras referências de destaque foram Terror in the Name of God, de Jessica Stern; Who Becomes a Terrorist and Why, um relatório feito em 1999 por Rex Hudson para o governo americano; O Choque das Civilizações e a Mudança na Ordem Mundial, a célebre obra de Samuel Huntington; O Fim da Fé —
Religião, Terrorismo e o Futuro da Razão, de Sam Harris; Sobre o islão, de Ali Kamel; The Crisis of Islam — Holy War and Unholy Terror, de Bernard Lewis; e ainda God's Terrorists — The Wahhabi Cult and the Hidden Roots of Modern Jihad, de Charles Allen.
No que diz respeito a obras gerais sobre o islão, e para além do próprio Alcorão, usei como referência os livros O Islão, de Akbar Ahmed; Islam — Faith, Culture, History, de Paul Lunde; e também ABCedário do islão, de Yves Thoraval.
Recorri igualmente a obras que analisam a faceta belicista do islão. As mais importantes foram Journey Into the Mind of an Islamic Terrorist e Islam and Terrorism, de Mark Gabriel; mas também consultei The Truth About Muhammad, de Robert Spencer. De referir que os nomes destes dois autores são pseudónimos, uma vez eles revelaram recear pela vida caso divulgassem a sua verdadeira identidade — o que me pareceu inquietante e sintomático sobre o estado de intolerância em relação à liberdade de expressão.