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"Chegámos", anunciou Guido.

Tomás saltou para o pequeno cais, onde as filas de gôndolas negras aguardavam clientes, e o guia veio no seu encalço. "Onde é a reunião?"

Guido apontou para a grande estrutura gótica coberta por mármore rosa mesmo ali ao lado.

"E aqui, signore. No Palazzo Ducale."

"Aqui?", admirou-se Tomás. "Vocês organizam reuniões no palácio dos doges?"

"Claro. Haverá melhor local em Veneza?"

"Mas eu pensei que isto era para turistas..."

O italiano encolheu os ombros e riu-se.

"Inventámos uns trabalhos de restauração para fechar o palazzo ao público. Fique descansado que ninguém nos incomodará."

Dirigiram-se directamente às arcadas da fachada voltada para o mar e, a ladear a porta de entrada, deram com dois carabinieri com armas automáticas.

Identificaram-se e entraram no palácio. Estava escuro. O guia conduziu o historiador pela escadaria até ao segundo piso, onde se viam mais carabinieri armados. Depois de se identificarem de novo, passaram pelas estátuas da Sala dei Guariento e Guido parou diante da porta seguinte, fazendo sinal a Tomás de que avançasse sozinho.

"Faça o favor", disse. "A reunião é aqui, na Sala dei Maggior Consiglio."

A porta abriu-se e revelou um enorme salão ricamente decorado nas paredes e no tecto alto.

Tomás sabia que, no tempo dos doges, era justamente ali que se realizavam as reuniões do grande conselho, o que, como é evidente, requeria um espaço amplo, de modo a albergar os cerca de dois mil conselheiros da cidade. Tal como nesse tempo, uma enorme mesa ocupava agora toda a extensão central da Sala dei Maggior Consiglio e várias dezenas de pessoas fervilhavam em torno dela, algumas sentadas, outras a deambular nervosamente para um lado e para outro, papéis a saltarem de mão em mão.

Na cabeceira, diante do descomunal Paraíso de Tintoretto, como se ele próprio fosse o doge que governava Veneza, sentava-se a figura austera e dominadora de Frank Bellamy.

Um martelo de madeira bateu na mesa.

Toe. Toe. Toe.

"Minhas senhoras e meus senhores", chamou a voz rouca e baixa de Bellamy, "peço a vossa atenção, por favor."

As cadeiras arrastaram-se uma última vez, suspenderam-se as conversas cruzadas, as derradeiras tosses ecoaram pelo salão e o silêncio acabou enfim por se impor. Lá fora o mar rumorejava com suavidade e apenas as gaivotas não se calaram.

"Bem-vindos à reunião anual da NEST na Europa", retomou o homem da CIA. "A maior parte dos presentes tem estado connosco nos últimos anos, mas, como é hábito, juntaram-se a nós alguns elementos novos. Desta feita, em vez de militares, engenheiros e físicos, trouxemos para a NEST pessoas com diferentes perfis e competências.

Acreditamos que elas nos poderão ser úteis a identificar ameaças concretas. Até aqui temos deixado essa parte sobretudo aos serviços secretos, como a CIA, o MI5, a Mossad e outros do género, concentran-do-nos mais na missão de lidar com qualquer ameaça concreta que esses serviços nos indiquem. Mas, após o 11 de Setembro, optámos por fazer um upgrade às nossas capacidades, pelo que aí estão as novas aquisições." Fez um sinal para a mesa.

"Peço aos estreantes na NEST que se ponham de pé."

O pedido deixou Tomás desconcertado. Ele era um estreante, mas a verdade é que não aceitara integrar a NEST, apenas concordara ir àquela reunião. Em resposta ao pedido do orador, umas dez pessoas ergueram-se e Tomás sentiu o olhar frio de Bellamy pousar em si. Relutantemente, empurrou a cadeira para trás e levantou-se também.

"Por favor, dêem um acolhimento caloroso a estes novos membros da nossa equipa."

Uma vaga de aplausos irrompeu na Sala del Maggior Consiglio. Tomás teve ganas de contestar estas palavras e dizer que não era membro da equipa, mas calou-se diante da aclamação. Apercebendo-se da atenção que recaía sobre ele, sorriu com embaraço e, ardendo por se tornar invisível, sentou-se o mais depressa que pôde.

"Vamos fazer uma breve reunião introdutória, com informação geral sobretudo relevante para estes novos elementos da equipa, mas que servirá também para nos lembrar a todos por que razão estamos aqui e por que motivo a nossa missão é tão importante", retomou Bellamy. "Depois teremos reuniões separadas mais especializadas, para discutir a evolução em cada teatro de operações e analisar respostas aos novos desafios. Parece-vos bem?"

Um coro de assentimento correu pela mesa. "O

Ocidente vai ser atacado por armas nucleares", começou por dizer.

Gerou-se um burburinho na sala, com os presentes a trocarem olhares inquisitivos.

"Não vos estou a contar nada de novo, pois não? O

Ocidente vai de facto ser atacado por armas nucleares. A única dúvida é saber quando. E por isso que nós existimos." O burburinho acalmou. "A NEST, como sabem, foi instituída nos Estados Unidos na década de 1970, mas é bom não nos esquecermos de que tudo isto começou em 1945, quando os cientistas do Projecto Manhattan fizeram explodir a primeira bomba atómica em Alamogordo, no Novo México, e depois em Hiroxima e Nagasáqui." Bellamy suspirou.

"Eu naquele tempo trabalhava em Los Alamos, no Projecto Manhattan, e lembro-me do choque que senti quando me apercebi de que a América pensava estar na posse de um grande segredo."

Ouviram-se risos na mesa.

"A sério", insistiu ele, reagindo às gargalhadas.

"Hoje pode parecer anedota, mas os nossos políticos achavam mesmo que a bomba atómica era um grande segredo da América. Não percebiam que nos tínhamos limitado a resolver um problema de engenharia e que, no momento em que fizemos explodir a bomba, provámos que era possível resolver esse problema. A partir daí, qualquer outro cientista poderia fazer o mesmo. O conhecimento ficou ao alcance do mundo inteiro. Pensar que quem inventa a bomba atómica pode ficar com o segredo da sua construção é o mesmo que pensar que quem inventou a roda podia ficar com o segredo da sua concepção. Na verdade, a caixa de Pandora fora aberta. A era nuclear havia começado e já não era possível desfazê-la. Um grupo de físicos, incluindo Einstein, Oppenheimer e Bohr, veio então a público alertar para o facto de que não havia segredo nenhum a proteger e de que em breve todo o mundo estaria armado com engenhos nucleares."

"Essa previsão não se concretizou", observou um homem fardado que se encontrava na outra ponta da mesa.

"Não imediatamente", concordou o orador. "Mas o facto é que a produção de uma arma nuclear não jtem grande segredo, pois não? Existem já pelo menos dez países que as possuem e mais uns vinte com a possibilidade de as fabricar. O Tratado de Não Proliferação Nuclear conseguiu estancar o problema, mas, como sabem, a situação ameaça ficar em breve fora de controlo. Não nos podemos esquecer de que a bomba atómica é a arma mais barata alguma vez inventada na relação entre poder de destruição e custo. Com uma arma nuclear, a destruição de uma cidade é muito mais barata do que com outras armas."

"Não se esqueçam de que a Líbia pagou apenas cem milhões de dólares para que o senhor Khan lhe construísse armas nucleares", atalhou um homem sentado ao lado de Bellamy. "Estas bombas são tão baratas quanto isso."

"Exacto", retomou Bellamy. "Lembrem-se também que, com a evolução tecnológica, a tecnologia nuclear está a tornar--se cada vez mais barata e eficiente.

O que a torna acessível aos países subdesenvolvidos.