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E lembrem-se que a tecnologia para construir uma central nuclear destinada a produzir electricidade é praticamente a mesma que é necessária para construir armas nucleares. O que significa que nos países subdesenvolvidos não existem projectos nucleares pacíficos. A bomba atómica é relativamente fácil e barata de construir, pelo que se tornou especialmente atraente para os países pobres. Com pouco dinheiro, esses países conseguem tornar-se incrivelmente ameaçadores. Basta-lhes produzir armas nucleares. No instante em 7T7

que um país toma a decisão estratégica de se tornar uma potência nuclear, não há sanções internacionais que o travem. O país não precisa de ser rico nem desenvolvido. Basta-lhe querer." Olhou em redor da mesa. "Meus amigos, as armas nucleares são agora as armas dos pobres. Se eu tiver uma, posso ameaçar e intimidar o meu vizinho. E as probabilidades de um país pobre de facto fazer explodir uma bomba atómica são, como sabem, muito maiores do que no caso de um país rico."

A maior parte das pessoas naquela sala já tinha consciência de tudo isto, mas mesmo assim reagiu com um silêncio pesado a estas palavras. Embora quase todos conhecessem a ameaça, relembrá-la não constituía uma experiência agradável. Era como a morte; todos sabem que vão conhecê-la, embora ninguém goste de pensar nela.

"Mas a maior ameaça não é esta, pois não? No fim de contas, se um país subdesenvolvido nos atacar com uma bomba nuclear, sempre podemos responder com dez bombas termonucleares. A maior ameaça é, como sabem, a dos terroristas. E, entre estes, os mais ameaçadores são os jihadistas islâmicos. Se eles fizerem explodir uma bomba nuclear aqui em Veneza, por exemplo, contra quem é que retaliamos?

Os fundamentalistas muçulmanos não têm um quartel-general, não têm uma cidade, não têm um país. Na verdade, não possuem nenhum endereço para o qual possamos responder. Com estes terroristas, a ameaça de retaliação não funciona. E

desde o 11 de Setembro que nós já percebemos que, logo que possam, eles vão atacar-nos com armas nucleares. Por um lado, não receiam retaliações. Por outro, gostam de actos dramáticos que chamem a atenção. As armas nucleares são por isso perfeitas para os fundamentalistas islâmicos. São eles a maior ameaça existente, e no fundo é por causa deles que nós existimos."

Terminou a sua exposição e consultou o relógio, exasperado.

"Daran/", praguejou.

"Passa-se alguma coisa, mister Bellamy?"

"Era uma pessoa que devia estar aqui a conduzir a reunião e que se atrasou." Apoiou as mãos na mesa e ergueu-se com um suspiro. "Bom, vou ali pedir ajuda a um colaborador nosso que se encontra numa reunião restrita pa Saia dei Consiglio dei Dieci à Armeria. Não se importam de aguardar um bocadinho?"

"Com certeza."

Frank Bellamy dirigiu-se à porta para ir chamar o colaborador, mas deteve-se a meio caminho, como se se tivesse lembrado de alguma coisa.

"Ah!", exclamou. "Respeitinho com ele, hem? É da Mossad."

VI

O grupo de rapazes juntou-se ao longo do canal, os olhares presos às casas brancas perfiladas na outra margem, os punhos cerrados numa fúria de vingança.

Ahmed estava entre eles e fitava as casas com o mesmo sentimento a ruminar-lhe no espírito.

"Temos de dar uma lição aos kafirun", comentou Abdullah entre dentes, os cabelos lisos desfraldados ao vento. "Não ouviram o professor? Os kafirun odeiam-nos e fazem tudo o que podem para humilhar a umma. Temos de vingar o fim do califado!"

A declaração funcionou como a chama que se cola ao rastilho: incendiou-lhes a vontade.

"Por Alá, vai ser hoje mesmo", exclamou Ahmed, dando um murro na palma da mão. Girou a cabeça em redor com uma expressão de desafio no rosto.

"Quem vem comigo?"

"Eu!", responderam os restantes num tropel.

Olharam uns para os outros, a decisão tomada mas sem saberem bem como proceder a seguir. Uma coisa era decidir, outra era actuar. Voltaram-se para Ahmed.

"O que fazemos?"

O rapaz reflectiu um instante.

"Vamos todos a casa vestir uma jalabiyya."

Apontou para a ponte sobre o canal.

"Encontramo-nos aqui dentro cje meia hora. Quem não aparecer é um apóstata!"

O grupo separou-se à pressa, todos a correr.

Ahmed entrou furtivamente em casa, o olhar dançando de um lado para outro. Não queria que os pais ou os irmãos o vissem, não lhe fossem perguntar alguma coisa. Esgueirou-se para o quarto, abriu o armário e tirou a longa túnica branca que costumava usar nas orações de sexta-feira na mesquita do bairro. Vestiu-a depressa e, quando ia a sair, a irmã mais nova apareceu de repente e quase embateu nele.

"Onde vais assim vestido?", admirou-se ela.

Ahmed ficou um instante especado, sem reagir.

"Eu? Vou... vou... vou à mesquita."

"A esta hora?"

O rapaz afastou-a do caminho e apressou-se a sair de casa com receio de que aparecesse mais alguém.

"Ordens do xeque", ainda lançou da porta antes de desaparecer.

Reencontraram-se junto à ponte do canal. Ahmed foi o terceiro a comparecer, mas em breve surgiram os restantes. Vinham todos de jalabiyya, conforme combinado.

"E agora?", perguntou um deles, quase embaraçado.

Ahmed fez um sinal em direcção às casas brancas do outro lado.

"Agora atravessamos a ponte e vamos ter com os kafirun."

"E quando chegarmos lá? O que fazemos?"

Era uma boa pergunta. Ahmed esfregou o queixo, pensativo. Pois, não tinha pensado nisso.

Atravessavam a ponte, entravam no bairro cristão e... e... e depois? Os olhos do rapaz passearam pelo canal e pousaram nos seixos arredondados que estavam espalhados ao longo das margens.

"Apanhem as pedras", exclamou, apontando para os seixos. "Vamos atacar os kafirun com elas!"

"Boa ideia!"

Os rapazes foram a correr para o canal e encheram os bolsos de pedras. Depois, com a jalabiyya anormalmente pesada, subiram até à entrada da ponte e pararam um instante para ganhar coragem. Já haviam chegado àquele ponto. Seriam capazes de dar o passo seguinte?

"Por Alá, vamos!", gritou Ahmed, mais para se encher de bravura do que para encorajar os outros.

"Allah u akbar!", berraram os restantes, esforçando-se também por ganhar valentia.

O grupo avançou. Eram dez rapazes, todos vestidos com túnicas brancas e os bolsos a abarrotar de pedras. Atravessaram a ponte a tremer de medo, os rostos fechados a exibir uma determinação que não sentiam. Ai se os pais os vissem! Mas eles eram muçulmanos e do outro lado estava o inimigo, os kafirun... os cruzados. Não era o seu dever de bons muçulmanos impor o respeito pelo islão?

Entraram no bairro cristão copta e calaram-se, não fosse a berraria atrair atenções indesejadas. O

ânimo quase se esvaiu. Que lhes aconteceria agora?

Iria algum cruzado aparecer-lhes pela frente a brandir uma espada? O que fariam se isso acontecesse realmente? A imaginação tornara-se subitamente febril e já viam cruzados a espreitar em todas as esquinas.

Talvez seja melhor despachar isto, pensou Ahmed ao chegar à primeira casa do outro lado da ponte, o nervosismo a fazer-lhe tremer as pernas e as mãos.

Tirou uma pedra do bolso e apontou na direcção da casa.

"Esta já serve", disse. "Vamos atacá-la."

Os outros elementos do grupo, também ansiosos por saírem dali o mais depressa possível, pegaram igqalmenjte nas pedras que traziam nos bolsos das jalabiyya.

"Allab u akbarl", gritaram em coro para ganhar coragem.

Uma chuva de pedras cruzou o ar e foi cair sobre a casa sem consequências aparentes. Tiraram mais pedras dos bolsos e fizeram novo lançamento, mas agora com mais convicção. Esta segunda vaga culminou no som de vidros a partirem-se.