"Mas fazem coisas loucas..."
"Do nosso ponto de vista, sim. Mas não do ponto de vista deles. Se percebermos a forma como eles raciocinam ficamos até surpreendidos com a maneira absolutamente lógica como tudo bate certo. Basta que demos por bons alguns pressupostos, como, por exemplo, que as ordens do Alcorão e de Maomé são mesmo para ser seguidas à letra. O resto é apenas consequência disso..."
"Tem de haver uma explicação para esses comportamentos", insistiu o homem dos malares salientes, sempre combativo. "Se não são malucos, são necessariamente pessoas mcultas e pobres, uma vez que..."
"Está mais uma vez enganado!", cortou Manheimer.
"Todos os estudos mostram que os terroristas em geral são pessoas com uma educação acima da média, a maior parte das vezes de nível universitário. O
perfil do terrorista islâmico não é excepção. E
verdade que alguns são pobres e incultos, mas a maioria frequentou ou tirou cursos superiores e há até vários casos de pessoas ricas. Bin Laden, por exemplo, é milionário!" Abanou a cabeça e esboçou um sorriso condescendente. "Eu sei que os políticos e os académicos ocidentais gostam de arranjar causas socioeconómicas que expliquem tudo. Isso de certo modo conforta-vos, faz-vos pensar que, se resolverem os problemas socioeconómicos desses povos, resolvem o problema do terrorismo. Consigo perceber esse modo de raciocinar. Mas já repararam que uma percentagem anormalmente elevada de terroristas é saudita? Ora que eu saiba a Arábia Saudita está a nadar em petrodólares e não existem praticamente sauditas pobres! Isso deita por terra essa conversa politicamente correcta das causas socioeconómicas!"
O israelita ergueu o dedo, professoral, num esforço para enfatizar o seu ponto de vista.
"E preciso que vocês percebam uma coisa: embora em alguns casos as questões socioeconómicas possam de facto desempenhar um papel, os terroristas muçulmanos são sobretudo motivados por questões religiosas. Eu sei que, para um ocidental, isso é difícil de entender, mas é a pura verdade: os terroristas muçulmanos limitam-se a acatar as ordens do Alcorão e de Maomé, acreditando que, através da obediência cega às palavras divinas, conseguem libertar-se do seu complexo de inferioridade em relação ao Ocidente."
"Não posso aceitar essa explicação" insistiu o homem dos malares salientes.
"E, no entanto, é o que revelam os interrogatórios e exames aos terroristas muçulmanos que capturámos. Como deve calcular, fizemos perfis extensíssimos a muitos e muitos fundamentalistas islâmicos. As conclusões não deixam lugar para dúvidas."
"Acho isso inacreditável. Decerto que..."
O corpo Frank Bellamy, até aí passivo, de repçnte ganhou vida.
"Desculpem, meus senhores, mas não vamos entrar em discussão", interrompeu. "Se o senhor Dahl alimenta dúvidas quanto ao que escutou, estou certo de que o David lhe poderá fazer chegar às mãos os relatórios adequados." Consultou o relógio, como quem dá aquele assunto por encerrado devido a falta de tempo. "David, creio que o seu tempo se esgotou..."
"De facto, assim é", confirmou o homem da Mossad, er-guendo-se. "Peço desculpa, mas aguardam-me noutra reunião. Foi um prazer ter estado aqui convosco."
Apesar do seu porte arredondado, Manheimer abandonou a sala com passo ligeiro, tão depressa como havia chegado. Bellamy voltou a ficar com a reunião nas mãos.
"Estamos já perto do final desta reunião geral e daqui a pouco começam as reuniões especializadas.
Mas não queria terminar sem lembrar as consequências de um eventual fracasso da nossa missão de vigilância." Virou-se para uma senhora de meia-idade sentada à sua esquerda. "Evelyn, por favor. Explique-nos o que acontecerá às nossas sociedades se ocorrer um atentado destes."
Evelyn levantou-se e ajeitou o casaco negro.
"Jolly good, mister Bellamy."
"A professora Evelyn Cosworth é uma das nossas novas aquisições", esclareceu o homem da CIA. "É
catedrática em Sociologia pelo Imperial College, em Londres, e tem uma tese de doutoramento sobre os efeitos das grandes catástrofes na sobrevivência ou morte das civilizações. Faça o favor, Evelyn."
A professora lançou um derradeiro olhar sobre as suas notas.
"O que eu tenho para dizer é muito simples e breve", começou por dizer, falando com um forte sotaque de upper dass britânica. "As únicas bombas atómicas lançadas contra sociedades humanas foram as do Japão, em 1945. Essas explosões provocaram o colapso imediato da sociedade japonesa. Será que o mesmo aconteceria agora? O terrorismo nuclear é uma experiência que ainda não vivemos, pelo que só podemos calcular os efeitos sem ter muitas certezas. Mas há algumas coisas que podemos dar por certas. Se ocorrer um atentado nuclear na América, por exemplo, as ondas de choque serão sentidas com brutalidade por todo o planeta. Claro que as primeiras vítimas serão as pessoas atingidas pela explosão, muitas das quais morrerão ou ficarão feridas. Mas, tal como aconteceu no Japão, as consequências de tal evento irão muito para além disso. Toda a confiança das populações nos governos que as dirigem seria automaticamente destruída.
Com a perda de confiança, a economia americana poderia quase parar. E possível que eclodissem motins, revoltas e insurreição generalizada, tornando os Estados Unidos ingovernáveis. Ora o grande crash financeiro de 2008 serviu para nos recordar que hoje em dia todas as economias do planeta estão ligadas por uma rede invisível, mas bem real. E serviu também para nos lembrar quão importante é existir confiança - confiança na economia, confiança no sistema, confiança na administração. Um colapso da confiança na América poderia suscitar um novo colapso da economia mundial. E possível que a nossa civilização sobreviva a um choque desses. Mas se os terroristas tiverem a intenção de destruir o
Ocidente, é só uma questão de fazerem depois explodir uma segunda bomba atómica e uma terceira e uma quarta. Meus amigos, garanto-vos que a nossa civilização não sobreviveria a uma catástrofe dessas."
O silêncio da Sala dei Maggior Consiglio tornou-se absoluto. Aproveitando o impacto das palavras da professora Cosworth, Frank Bellamy retomou o comando *da reanião.
"Aqueles que pensam que o terrorismo nuclear é apenas um problema americano deveriam pensar melhor", disse à laia de conclusão. "Está terminada esta reunião geral. Nos vossos cadernos poderão encontrar o programa para hoje. Podem dirigir-se às salas onde vão decorrer as reuniões de especialidade. Aqui neste salão está marcada a reunião com os novos membros da NEST, a quem convido para se sentarem mais perto do meu lugar.
Minhas senhoras e meus senhores, bom trabalho!"
Seguiu-se uma cacofonia de cadeiras a serem arrastadas, documentos arrumados e conversas retomadas. Com a barafunda momentaneamente instalada, Tomás ergueu-se e foi ocupar um lugar entretanto deixado vago, a duas cadeiras de distância de Bellamy. O americano estava a endireitar os seus papéis, mas ergueu o olhar na direcção do recém-chegado.
"Então, Tomás? Aprendeu alguma coisa?"
"Sim, claro. Mas olhe que eu não sou um novo membro da NEST. Vim apenas assistir a uma reunião, mais nada."