"Claro que sim."
"E, no entanto, é eterna. O mesmo se passa com a ordem da matança dos idólatras. Como todos os versículos do Alcorão, esse versículo tem igualmente um contexto. Porém, é tão eterno quanto os outros."
Apontou para o seu mestre. "O senhor mesmo disse várias vezes que o Livro Sagrado é atem-poral. Se assim é, este versículo também o é."
Saad respirou fundo, subitamente cansado.
"Não sei quem te anda a ensinar essas coisas", exclamou com um gesto impotente, contornando o problema que o pupilo lhe apresentava. Em jeito de que a conversa estava concluída, pegou carinhosamente no Alcorão e ergueu-se da cadeira.
"Mas deves ter cuidado."
Ahmed ergueu as sobrancelhas, surpreendido com o inesperado aviso.
"Porquê, xeque?"
O mestre lançou um derradeiro olhar ao pupilo antes de lhe voltar as costas e abandonar a salinha.
"Porque o que andas a dizer é perigoso."
IX
"Fuck! Já passa da hora!"
Frank Bellamy levantou os olhos do relógio e espreitou a porta, ardendo de impaciência.
"O que se passa?", quis saber Tomás.
"E uma das nossas chefes de equipa. Está atrasada."
"Esperamos mais um pouco."
"Não pode ser", insistiu, consultando mais uma vez o relógio. "Tenho outra reunião marcada a seguir e depois um jantar."
O salão já se havia esvaziado e Bellamy olhou em redor para a dezena de figuras que ali permaneciam, todas especadas à espera de instruções sobre o que fazer. A hora do crepúsculo aproximava-se e a iluminação da Sala del Maggior Consiglio fora ligada instantes antes. Verificou se o ecrã de plasma e o DVD se encontravam instalados, lançou uma derradeira miradela esperançosa na direcção da porta e, tomando a decisão inadiável, fez sinal para as cadeiras vazias.
"Meus senhores, façam o favor de tomar os vossos lugares", disse. "Vamos então começar a reunião."
A cacofonia de cadeiras a arrastarem-se e das pessoas a sentarem-se foi agora bem mais breve e tranquila do que quinze minutos antes, quando a reunião preliminar acabara. Desta vez os presentes não se conheciam uns aos outros, pelo que as conversas trocadas não passaram de amabilidades de circunstância.
"Como expliquei há pouco, todos os presentes vieram de áreas de recrutamento pouco tradicionais na NEST. O que esperamos é sobretudo ajuda vossa no processo de detecção de qualquer ameaça potencial aqui na Europa. Cada um tem, por um motivo ou por outro, conhecimentos aprofundados sobre o islão e relações com as comunidades muçulmanas que vivem nos seus países. Mas, que eu saiba, ninguém aqui possui uma noção aprofundada do tipo de ameaça que enfrentamos, razão pela qual achei importante falarmos um pouco." Ajeitou os papéis e deixou respirar uma pausa antes de lançar a pergunta provocatória que marcaria o tom da reunião. "Se eu fosse um terrorista e quisesse efectuar um atentado nuclear, o que acham que teria de fazer?"
A pergunta ficou no ar, insidiosa, até os presentes perceberem que Bellamy esperava de facto uma resposta.
"Arranjar uma bomba, suponho eu", arriscou Tomás.
"Muito bem", disse, parecendo aprovar a ideia.
"Mas onde a iria eu encontrar?"
"Sei lá. Comprava-a esse tal Khan, por exemplo."
O homem da CIA considerou a resposta.
"Seria uma boa opção. O problema é que o senhor Abdul Khan já foi neutralizado, mas isso, admito, não constitui necessariamente um grande obstáculo. O
senhor Khan pode estar fora do circuito, mas há por aí outros Khan à solta. E
no
bom lembrarmo-nos de que ele acabou por confessar em 2008 ser apenas o testa-de-ferro dos militares paquistaneses e esses, receio bem, continuam a operar com relativa impunidade. Muitos deles são fundamentalistas muçulmanos e, se eu fosse um terrorista islâmico, poderia de facto pensar em pedir-lhes ajuda. Mas se assim é, pergunto eu, por que razão os jihadistas ainda não fizeram explodir uma dessas bombas?". »
O grupo permaneceu calado. Era uma boa questão.
"A resposta é simples", adiantou Bellamy, respondendo à sua própria pergunta. "Porque uma bomba dessas teria a morada do remetente."
"Não estou a perceber", confessou a professora Cosworth do outro lado da mesa.
"O que eu quero dizer é que as bombas atómicas têm uma assinatura individual que pode ser lida. A NEST possui uma base de dados muito completa sobre tudo o que diz respeito à concepção de armas nucleares, de textos publicados em revistas científicas a passagens de romances de espionagem.
Está tudo lá. No caso de uma bomba nuclear ser detonada, a NEST tem por obrigação analisar as características da explosão, incluindo a sua força destrutiva e a composição dos isótopos da chuva radioactiva que inevitavelmente se seguirá. Essas características serão comparadas com a informação de que dispomos sobre os arsenais nucleares já existentes. Na nossa base de dados possuímos elementos muito concretos relativos às bombas que estão na posse do Paquistão, da índia, da Coreia do Norte... de toda a gente. Comparando as características da explosão com esses dados poderemos saber qual foi o país que construiu a bomba detonada e a entregou aos terroristas. Ou seja, as características da explosão dão--nos a morada do remetente. Sabendo onde os terroristas foram buscar a bomba poderemos retaliar, destruindo o país
lll
que a entregou aos terroristas. Estão a perceber? É
isso que tem impedido os militares paquistaneses de entregarem armas nucleares aos jihadistas muçulmanos. Eles sabem que nós podemos localizar a origem da bomba."
Todas as cabeças assentiram ao mesmo tempo, num movimento sincronizado de compreensão.
"A hipótese mais verosímil para os terroristas obterem uma arma nuclear intacta é, por isso, o roubo", retomou Bellamy. "Aqui, receio que o principal suspeito seja a Rússia. Desde o fim da União Soviética que os sistemas de controlo e segurança atómicos entraram em colapso na Rússia.
O país tem entre quarenta mil e oitenta mil ogivas nucleares, mas a forma como essas armas são guardadas deixa qualquer pessoa arrepiada. Basta pensarmos que a inflação na Rússia chegou a atingir os dois mil por cento para percebermos como se tornou fácil subornar um cientista ou um militar em situação mais vulnerável. Aliás, eles alienaram armas ao desbarato logo que o sistema comunista acabou.
Houve até um almirante que foi condenado por ter vendido sessenta e quatro navios da frota russa do Pacífico, incluindo dois porta-aviões, à índia e à Coreia do Sul! Quem nos garante a nós que os Russos não venderam também armas nucleares?"
"Se o tivessem feito", argumentou a professora Cosworth, "presumo que já se saberia."
O homem da CIA levantou-se do seu lugar e ligou o ecrã de plasma e o aparelho de DVD.
"Acha que sim? Então veja esta entrevista dada em 1997 pelo general Alexander Lebed, na altura conselheiro do presidente Bóris Yeltsin, ao programa 60 Minutes, da CBS."
Bellamy carregou num botão do aparelho de DVD, o ecrã iluminou-se e apareceu a figura do general russo sentado numa cadeira. Diante de Lebed encontrava-se o entrevistador