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"Ah, bom! Isso explica que mister Bellamy nos tenha apresentado."

O homem da CIA aproveitou para meter a colher.

"Conto que a vossa colaboração seja profícua!"

O historiador lançou-lhe um olhar de repreensão.

"Mister Bellamy, já lhe disse que não tenho a certeza de vir trabalhar para a NEST..."

"Come on, Tom. Isto é só uma colaboração.

Pagamos-lhe bem e você nem terá grande trabalho, vai ver."

"Não sei, não. Tenho de pensar nisso."

"Não me diga que não quer trabalhar para mim...", disse Rebecca, fazendo beicinho e pestanejando muito.

O português soltou uma gargalhada.

"Caramba, vocês usam todos os argumentos!"

"Vamos lá, Tom", incitou Bellamy. "Precisamos de uma decisão! Como é? Junta-se a nós ou não?"

Os olhos do historiador dançaram entre Bellamy e Rebecca, hesitantes.

"Garante-me que isto não me ocupará muito tempo?"

"Claro que não! O que queremos de si não é quantidade de trabalho, é qualidade. Como já lhe expliquei, há um e-mail da Al-Qaeda que precisa de ser decifrado e estamos convencidos que só você o pode fazer."

Realmente, pensou Tomás, o que tinha a perder?

Iria fazer trabalho de consultoria e ser bem pago.

Qual era a dúvida? A decisão estava tomada.

"Muito bem! Contem comigo."

Os dois americanos sorriram e apertaram-lhe as mãos.

"Atta boy!", exclamou Bellamy. Consultou o relógio pela enésima vez e olhou de seguida para Rebecca.

"Oiça, eu agora tenho de sair para uma outra reunião. Uma vez que vocês vão trabalhar juntos, presumo que tenham muito que falar..."

"Sim, mister Bellamy", assentiu ela. "Preciso mesmo de conversar aqui com o Tom. Vou só ali ao quarto de banho e já volto."

A americana afastou-se, deixando os dois homens atrás dela a apreciarem-lhe as formas femininas.

"Uma pin-up, hem?", observou o homem da CIA.

"Conhe-cendo-o como conheço, aposto que ela foi o argumento crucial na sua decisão de se juntar a nós."

Sem tirar os olhos da mulher que dobrava a esquina, Tomás riu-se.

"O que o faz pensar isso?"

Rebecca saiu da sala e Frank Bellamy suspirou.

Voltou-se para o português, os olhos azuis a chisparem de frieza. "Você é um fucking tarado!"

XII

A salinha era pequena e escura, de tal modo despojada de decoração que quase tinha um aspecto ascético, à semelhança do seu circunspecto ocupante. As paredes sustentavam posters com fotografias de santuários sagrados; num lado via-se uma imensa multidão em torno da Caaba de Meca durante o Hadj, no outro uma imagem da mesquita de Al-Aqsa no topo da colina de Al-Quds.

O professor Ayman trancou a porta à chave e convidou o aluno a sentar-se diante dele.

"Então?", perguntou. "O que se passa? Que dúvidas são essas que te põem a seguir os meus passos como uma sombra?"

Agora que ali estava, Ahmed quase se envergonhou por ter confessado que tinha dúvidas. Como era possível alimentar dúvidas sobre o que Alá dizia? As interrogações varreram-se--lhe por momentos da mente e fez um esforço para se lembrar da conversa que tivera semanas antes com o xeque Saad.

"O mullah da minha mesquita, senhor professor, diz que temos de perdoar e contemporizar com os kafirun Adeptos do Livro, como está na sura 2, e que os cristãos são os mais próximos dos muçulmanos, como está na sura 5."

O rapaz calou-se um instante, à espera da reacção do professor.

"E tu? O que achas?"

"É verdade que Alá diz isso no Livro Sagrado", reconheceu Ahmed. "Mas Alá também diz outras coisas. Estou um pouco confuso."

"Como se chama esse mullah}"

"É o xeque Saad."

O professor Ayman pegou num bloco de notas e escrevinhou o nome. A seguir guardou o bloco e encarou de novo o aluno, desta feita para assumir as rédeas da conversa.

"Diz-me, rapaz, onde está escrita a lei islâmica?"

"No Alcorão, senhor professor."

"E o que fazemos quando aparece uma situação nova que não foi prevista pelo Santo Alcorão?"

O pupilo hesitou; nunca havia pensado em tal possibilidade.

"Há situações que não estão previstas no Livro Sagrado?", admirou-se, uma expressão interrogativa na face.

"Claro que há. Como fazes para as resolver?"

O olhar de Ahmed tornou-se opaco; não tinha resposta para esta pergunta.

"Julguei que estava tudo previsto no Alcorão, senhor professor."

"Pois não está", replicou Ayman.

A questão deixou Ahmed baralhado. A palavra de Alá estava gravada no Alcorão. Seria possível encontrá-la em qualquer outra parte?

"Então... então está onde?"

"Recuemos ao tempo do Profeta para percebermos como nasceu a sbaria", convidou o professor, indicando o poster da Caaba de Meca como se a fotografia os transportasse para aquela época remota. "Sempre que os crentes tinham uma disputa e não sabiam qual a vontade de Deus, a solução era perguntar a Maomé, que a paz esteja com ele. O

apóstolo de Deus recebia então uma revelação de Alá e dava a resposta. Mas às vezes Alá não se pronunciava. Quando isso acontecia, o Profeta decidia por ele próprio. Na sura 3, versículo 32, Alá diz: «Obedecei a Deus e ao Enviado.» A mesma exortação vem noutros pontos do Santo Alcorão, ou não vem?"

"Vem, senhor professor. E preciso obedecer sempre a Deus e ao Profeta."

"Pois é assim que se conhece a lei de Alá: através do Santo Alcorão. E se por acaso aparecer uma situação para a qual o Livro Sagrado não tem resposta, teremos de perguntar ao Profeta."

Ahmed ficou um instante a ponderar o que o professor acabava de lhe dizer. As leis estão no Alcorão ou nas palavras do Profeta. Quando há dúvidas, pergunta-se a Maomé. Remexeu-se, mais por perplexidade do que por desconforto.

"Mas, senhor professor, o Profeta já morreu!", argumentou, abrindo os braços como quem exibe uma evidência. "O que fazemos agora quando aparece alguma coisa que não está esclarecida no Livro Sagrado?"

"Ah!", exclamou Ayman, erguendo o dedo peremptório. "Boa pergunta! Esse foi justamente o problema que os primeiros crentes enfrentaram quando o apóstolo de Deus foi para o Paraíso, que Alá o tenha para sempre consigo."

"O que fizeram eles para o resolver?"

"Como sabes, a autoridade passou para o sucessor do Profeta, não é verdade? Quem ficou a mandar foi o primeiro califa, Abu Bakr. Sempre que havia uma disputa, as pessoas recorriam a Abu Bakr ou a alguns dos outros companheiros de Maomé, todos eles testemunhas de anteriores decisões do apóstolo de Deus, como a sua segunda mulher, Aisha, e ainda Ma'az ibn Jabel, Abu Hurairah, Abu Obayda ou Omar ibn Al-Khattab. Os companheiros do Profeta actuavam como juízes e consultavam o Santo Alcorão. Quando o Livro Sagrado não dava resposta, aplicava-se o que Alá estabelece na sura 33, versículo 21: «No Enviado tendes um formoso exemplo», e na sura 4, versículo 80: «Quem obedece ao Enviado obedece a Deus.» Ou seja, o Profeta, que a paz esteja com ele, é um exemplo para ser seguido.

Daí que procurassem orientação em episódios da vida de Maomé, que a paz esteja com ele."

"São os hadith!", exclamou Ahmed, os olhos iluminando--se. "São os hadith! E por isso que os mullahs nas mesquitas estão sempre a falar nos hadith e na sunnah..."

"Nem mais!", confirmou o professor. "Mas não se diz os hadith. E um hadith e vários ahadith. Plural é ahadith, singular é hadith.'"

"Desculpe."