Mikhail fixou o ecrã e arregalou os olhos de horror.
"lulia!"
O ecrã mostrava o rosto choroso da mulher, com o bebé ao colo e os canos de duas Kalashnikov apontados às cabeças.
"Oh, que bonitos que eles estão!", exclamou Ruslan num tom carregado de ironia. "A linda Iulia e o pequeno Sasha!" Guardou a câmara no bolso. "Se por acaso aparecer por aqui algum rapaz do 3445 depois de vocês abrirem o cofre, juro-te por Deus que os meus homens que estão no teu apartamento, em Ozersk, de imediato enviarão a tua família para o Inferno. Está claro?"
"Não lhes façam mal, por favor."
"A segurança das vossas famílias depende de vós, não de nós. Se vocês se portarem bem, irá correr tudo às mil maravilhas. Se se portarem mal, isto vai acabar num banho de sangue. Entendido?"
Mikhail e Vitaly assentiram com as cabeças, a capacidade de resistência reduzida a nada.
Satisfeito, Ruslan deu um passo atrás e fez sinal aos seus homens de que largassem Mikhail.
"Juizinho, hem?"
Nesse instante chegaram à antecâmara os dois homens que haviam ficado para trás, a "limpar" a sala de monitorização vídeo. Um deles acenou com uma cassete, como se exibisse um troféu.
"Tudo tratado."
"Bom trabalho", disse Ruslan num registo monocórdico. Dirigiu-se para a porta do cofre e olhou para os dois prisioneiros. "Metam o código."
Trémulos, em estado de choque, os dois aproximaram-se, inclinaram-se sobre a caixa que controlava o ferrolho da porta de aço e, à vez, digitaram os números que lhes competiam. A grande porta emitiu um clac, fez o barulho expirado de descompressão e destrancou.
Com cuidado, Ruslan rodou o manípulo e a porta do cofre soltou-se.
"Abre-te sésamo!", exclamou com um sorriso.
Chamar cofre ao que os intrusos viram abrir-se diante deles depressa lhes pareceu demasiado redutor. A porta de aço deu-lhes acesso a um enorme armazém ch#io de contentores com símbolos de radioactividade expostos em cada um dos lados. Os contentores estavam amontoados uns em cima dos outros, mas com corredores entre eles, como ruas a separar blocos de apartamentos.
Ruslan virou-se para Vitaly.
"Como está isto organizado?"
O russo barrigudo apontou para o interior do grande armazém.
"O plutónio encontra-se ali à esquerda. O urânio do outro lado."
Ruslan fez um sinal e os homens desceram as escadas e mergulharam no labirinto de contentores.
Movimentavam-se com rapidez; ninguém queria permanecer naquele lugar mais tempo que o necessário. Era verdade que os contentores se encontravam todos selados, mas a radioactividade tinha o condão de os deixar nervosos.
O comando palmilhou o labirinto e só parou quando Ruslan ergueu a mão.
"E aqui!", exclamou ao ler as inscrições em caracteres cirílicos no novo grupo de contentores.
Olhou para um dos seus homens. "Beslan, mostra o que vales."
Um homem que transportava uma das arcas provenientes do camião pousou-a no chão e extraiu instrumentos do interior, que usou no acesso a um contentor. O contentor foi aberto em alguns segundos e o homem ligou uma lanterna e acedeu ao interior. Encontravam-se lá dentro várias caixas com caracteres cirílicos e o símbolo do nuclear. Beslan pegou numa delas e meteu-a na arca que trouxera consigo. Instantes depois repetiu a operação com a outra arca.
"O que estão vocês a fazer?", perguntou Vitaly, já suficientemente alarmado para perder a prudência.
"Isto é urânio enriquecido a mais de noventa por cento!"
"Cala-te."
"Mas você não está a perceber", insistiu, quase num tom de súplica. "Cada uma destas caixas contém uma quantidade subcrítica de urânio. Se vocês as juntarem, as duas massas ultrapassam o valor crítico e pode haver uma explosão nuclear. Isto é uma coisa muito..."
Paf.
"Cala-te, já disse!"
A estalada ressoou com fragor pelo armazém e Vitaly, a face incendiada pela bofetada, nem se atreveu a emitir um gemido.
Ruslan voltou a atenção para os seus homens.
"Malik e Aslan, mantenham as arcas sempre a mais de dois metros uma da outra." Apontou para o homem que abrira o contentor. "Beslan, sela-me isto.
Quero que deixes o contentor exactamente como o encontrámos."
Beslan fechou o contentor e iniciou o trabalho de selagem, enquanto os companheiros se afastavam com as duas pequenas arcas. Reuniram-se minutos mais tarde na antecámara e fecharam a porta de aço do cofre.
"Vocês vêm connosco", ordenou Ruslan, apontando para os prisioneiros russos.
O grupo percorreu o caminho de volta em fila indiana, Ruslan sempre a liderar, Malik atrás dele com uma arca, Aslan a fechar a fila com a segunda arca, os outros dois homens e os dois prisioneiros no meio. Passaram pela sala de monitorização vídeo e o chefe do comando inspeccionou rapidamente o interior. Estava arrumada e limpa, não se vislum-bravam quaisquer sinais do tiroteio. "Muito bem."
Retomaram a marcha pelos corredores e, duas esquinas à
frente, depararam-se com o coronel Pryakhin. *
"Então? Correu tudo bem?" "Sim, net problema
O ar gelado acolheu-os quando saíram do edifício.
Calçaram as luvas e dirigiram-se ao camião. O veículo mantinha ainda o motor a trabalhar e o homem que o vigiava aguardava ao volante. Ao ver os companheiros regressarem, saltou para fora e foi abrir a porta traseira.
Pularam para a carga e arrumaram as duas arcas em contentores especiais, separados um do outro.
Uma vez o material radioactivo em segurança, Ruslan apontou para os três cadáveres estendidos num canto, um da sentinela que havia sido eliminada no portão de entrada, os outros dois dos homens abatidos na sala de monitorização vídeo e transportados para ali.
"Cubram-me estes corpos e mandem entrar os presos."
Os homens atiraram uma tela para cima dos três cadáveres, enquanto Ruslan e Aslan preparavam as respectivas pistolas. Uma vez concluídos os preparativos, Malik fez um sinal lá para fora e os dois prisioneiros russos subiram para a carga do camião. Ruslan e Aslan deixaram-nos passar, apontaram--lhes o cano das armas às nucas e dispararam quase em simultâneo.
Ploc.
Ploc.
Enquanto os seus homens limpavam o sangue espalhado pela carga e arrumavam estes novos cadáveres em cima dos outros, Ruslan saltou para fora e foi instalar-se no lugar do condutor. Ao lado acomodava-se já o coronel Pryakhin. O camião arrancou e cruzou o portão, abandonando o perímetro do complexo químico.
"O senhor coronel tem a certeza de que quer sair connosco?", perguntou o chefe do comando ao oficial russo.
"Você deve estar a brincar", retorquiu Pryakhin com uma gargalhada nervosa. "Claro que tenho.
Oficialmente não estou em Mayak. Não se esqueça de que entrei com uma credencial anónima e não há nenhum registo da minha presença aqui. Não posso ser agora visto cá dentro. Se não sair convosco, saio com quem?"
Ruslan indicou com o polegar a casa da guarda que ia ficando lá para trás, o portão já fechado.
"Podemos mesmo estar tranquilos com os tipos da casa da guarda?"
"Já lhe disse que são homens da minha confiança.