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Esse tipo de oração é dos kafirun cristãos, não de um verdadeiro crente! E ainda por cima os sufis puseram-se a interpelar os santos, exactamente como os infiéis cristãos e xiitas, negando assim que só existe um Deus." Voltou a apontar para o aluno.

"Eles não passam de kafirun a fingir-se crentes! Não se deixem, pois, enganar por esses apóstatas! O islão que os sufis pregam não é o islão que está no Santo Alcorão! Leiam o que se encontra de facto escrito no Livro Sagrado e conhecerão a palavra de Deus. Não deixem que os intermediários façam as interpretações que lhes convêm!"

A aula foi inesperadamente tensa, sobretudo devido à presença dos três alunos que se disseram sufis e da forma como o professor explicara esse movimento. Toda a gente já tinha ouvido falar dos sufis, claro; havia até poemas sufis que se liam na madrassa ou em casa. Mas o que ninguém tinha ainda pensado é que a doutrina sufi constituía um desvio em relação ao Alcorão e à sunnah do Profeta.

Em nenhum aluno teve esta revelação maior impacto do que em Ahmed. À medida que a sala esvaziava, o rapaz ia pensando no que o professor lhe havia dito uma hora antes no corredor. O xeque Saad era sufi. Sufi! A palavra,agora»amal-diçoada ecoava-lhe continuamente na mente. Sufi! O xeque Saad era sufi!

Com tanta novidade a atormentá-lo, Ahmed queria mais alguns esclarecimentos. Foi para junto do professor e aguardou que todos os colegas saíssem.

"Percebeste agora por que motivo tens de te afastar do teu mullah?", perguntou-lhe Ayman com um olhar severo.

"Sim, senhor professor. Mas ainda preciso de perceber mais algumas coisas."

A sala ficara vazia e Ayman dirigiu-se à porta para sair, acompanhado pelo seu último aluno.

"Diz lá."

"Os sufis, senhor professor. Qual a sura e o versículo do Alcorão onde se..." "É ele!"

A voz no corredor e a imagem do grupo de polícias a cercar a saída da sala de aula paralisaram Ayman e emudeceram Ahmed, que vinha atrás e levou um instante a perceber o que se passava.

"É ele!", repetiu a mesma voz, apontando para o vulto de jalabiyya que se detivera junto à porta da sala.

Ahmed olhou para o homem que falara e apontava agora para o professor de Religião e reconheceu o emir da madrassa. Um dos polícias, decerto o chefe, fez um sinal aos seus homens.

"Apanhem-no!"

Os polícias agarraram Ayman de imediato. Um deles torceu-lhe o braço e obrigou-o a dobrar o tronco.

"O que é isto?", perguntou o professor, a voz alterada, o corpo a remexer-se num esforço para se libertar. "Larguem--me! Por Alá, larguem-me! Eu quero..."

Um polícia esmurrou Ayman no estômago e outros dois algemaram-lhe as mãos por trás das costas. Com o professor imobilizado, os polícias puxaram-no à força ao longo do corredor. Foi tudo muito rápido e Ayman acabou por tropeçar e cair com um gemido de dor, mas os polícias não se detiveram e continuaram a

puxá-lo,

arrastando-o

pelo

chão

até

desaparecerem lá ao fundo, ao virar da esquina.

Aterrorizado, Ahmed tudo viu sem conseguir mexer um músculo que fosse.

XV

Uma atmosfera densa acolheu-os no Harry's Bar.

O rés-do--chão formigava de gente e Tomás preferiu levar Rebecca para o primeiro andar, onde o ambiente era mais tranquilo. Sentaram-se num canto, à meia-luz amarelada, e pediram um bellini para começar.

"Não me quero queixar", observou Tomás com uma careta, "mas o Harry's Bar é mais fama que proveito."

Indicou

o

menu.

"A

relação

qualidade-preço deixa um pouco a desejar."

"Não se preocupe, é a NEST que paga."

"Eu sei e foi justamente por isso que fiz o comentário", riu-se. "Se isto saísse do meu bolso, eu pagava e calava!"

Rebecca ajeitou o cabelo loiro e passeou os olhos azuis brilhantes pelo restaurante.

"Mas tem de admitir que isto tem classe..."

"Não nego."

A americana encheu os pulmões de ar, como se quisesse assim inspirar toda a história do Harry's.

"Awesome!", exclamou, extasiada. "Hemingway costumava vir aqui! Já viu?"

Tomás manteve um sorriso desenhado nos lábios.

"Vocês, os Americanos, parece que têm uma fixação pelo Hemingway."

"Foi um dos nossos melhores escritores, o que quer? Mas este também era o poiso de grandes figuras europeias. Maria Callas, Onassis..." Pegou no menu e indicou o prato mais famoso do restaurante.

"Sabia que foi aqui que inventaram o carpaccio?

Fantástico, não é? Que tal pedirmos uma dose para cada um?"

"Se é a NEST a pagar..."

Instantes mais tarde já o empregado estava na posse da ordem para a refeição. Rebecca parecia realmente excitada por se encontrar ali, mas Tomás ainda tinha a mente retida no que a americana lhe dissera antes de entrarem no Harry's.

"Acredita mesmo que os fundamentalistas islâmicos têm os olhos postos em Portugal?"

Ela fitou-o provocadoramente.

"O que acha, Tom?", perguntou em tom de desafio.

"Você é historiador e conhece o islão a fundo. Pensa que, se eles estão interessados em recuperar o Al-Andalus, se vão contentar com Espanha? Acredita mesmo nisso?"

Tomás suspirou, de repente angustiado.

"Tem toda a razão", reconheceu. "À luz do que aprendi na Universidade de Al-Azhar, a ameaça é muito mais séria do que nós pensamos." Tamborilou os dedos na mesa. "Considera que a ameaça sobre a Península Ibérica é nuclear?"

Rebecca curvou os lábios, céptica.

"Hoje em dia ninguém pode ter a certeza de nada", indicou. "Mas eu diria que, quando usarem armas nucleares, os terroristas vão procurar alvos muito mediáticos. O 11 de

Setembro colocou os padrões de terror muito altos.

Depois desses atentados, decerto que procurarão uma coisa ainda mais espectacular ou terrível. O

nuclear é a escolha óbvia, mas podem até nem atacar com uma bomba atómica. Existem outras armas nucleares..."

O rosto do historiador abriu-se numa expressão interrogadora.

„ m

"Que outras armas nucleares? Que eu saiba as armas nucleares que existem são as bombas atómicas."

A americana abanou a cabeça.

"Há outras armas."

"A sério? Quais?"

"Olhe, um avião, por exemplo."

Tomás agitou a cabeça, num esforço para retirar sentido daquela informação.

"Não estou a perceber. De que maneira um avião pode ser uma arma nuclear?"

O empregado reapareceu com dois copos de bellini, que pousou sobre a mesa. A americana deixou-o afastar-se, provou um golo e encarou o português com os seus grandes olhos azuis.

"Imagine, Tom, que os terroristas que assumiram o controlo do voo da American Airlines que embateu na torre norte do World Trade Center, no 11 de Setembro, tinham optado por voar mais uns sessenta quilómetros para norte e atiravam o avião sobre a central nuclear de Indian Point. O que acha que aconteceria?"

Tomás arregalou os olhos, imaginando a cena.

"Eu faço-lhe um desenho", retomou ela. "Se o aparelho atingisse o sistema de arrefecimento do reactor nuclear, teríamos um meltdown que faria Chernobyl parecer um piquenique. Libertar-se-iam centenas de milhões de curies de radioactividade.

Para que tenha uma ideia, estamos a falar de uma quantidade de radioactividade centenas de vezes superior à libertada pelas bombas de Hiroxima e Nagasáqui! E isto com Nova Iorque e New Jersey mesmo ali ao lado!" "Não tinha pensado nisso..."