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"Pois nós estamos a pensar. E os terroristas também. Depois de termos invadido o Afeganistão conseguimos deter um dos cérebros do 11 de Setembro, um tipo chamado Khalid Sheikh Mohammed. Sabe o que ele confessou? Revelou que o primeiro alvo dos aviões eram instalações nucleares, mas acabaram por decidir não as atacar para já. E

repetiu a expressão para já."

"Caramba! Mas não são essas centrais que estão concebidas para aguentar terramotos e outros desastres?"

"E verdade, mas um avião carregado de combustível a cair em cima de uma central nuclear é coisa nunca prevista. Nenhum dos mais de cem reactores nucleares actualmente existentes na América foi concebido para aguentar o impacto de um Boeing. Nenhum. E vinte desses reactores, Tom, estão situados num raio de sete quilómetros em volta de um aeroporto. Além disso, nem é preciso o avião provocar um meltdown dos reactores nucleares. Basta que o aparelho caia no edifício onde é armazenado o combustível nuclear já gasto. O

combustível poderia incendiar-se e espalhar em redor uma quantidade de radioactividade equivalente a três ou quatro Chernobyls. Seria uma catástrofe!"

Tomás bebeu de uma assentada metade do seu bellini.

"O que vale é que agora os cockpits dos aviões estão blindados", observou. "Tomar um aparelho de assalto é hoje em dia muito mais difícil do que em 2001..."

"É verdade", assentiu Rebecca. "Mas você não está a perceber a dimensão do problema. Da mesma maneira que um avião pode colidir com uma central nuclear, um camião

carregado de explosivos também pode! Para os objectivos

que os terroristas pretendem atingir, é a mesma coisa! Não

interessa se usam um avião ou um camião armadilhado. O

que interessa é provocar uma catástrofe nuclear. E

isso está

ao alcance de qualquer organização terrorista suficientemente competente." ^ m

"Como a Al-Qaeda."

"Por exemplo. E o pior é que as ameaças nucleares não se ficam por aqui. Há mais armas atómicas ao dispor dos terroristas."

Tomás abriu a boca, estupefacto.

"Mais ainda?"

"Chamamos-lhes bombas sujas."

O empregado apareceu novamente, desta feita com o carpaccio e os pratos principais. Distribuiu a comida pela mesa e sumiu-se tão depressa como aparecera.

"Os militares preferem uma designação mais sofisticada", disse Rebecca, retomando o fio à meada. "Chamam-lhes aparelhos de dispersão radiológica."

"Até parece que estão a falar de máquinas de raios X."

"E de certo modo estão. A ideia por detrás destas bombas é muito simples. Põe-se dinamite numa pasta cheia de césio e faz-se explodir. Ou enche-se um camião de TNT com cobalto e detona-se. As possibilidades são imensas e resumem-se ao conceito elementar de associar explosivos comuns a material radioactivo. E isso uma bomba suja."

"Está a dizer-me que essas bombas têm capacidade de desencadear explosões nucleares?"

"Não, claro que não. Mas se forem detonadas ao ar livre podem espalhar radioactividade por um raio de centenas de quilómetros quadrados. Já viu o impacto psicológico que isso causaria? O césio, por exemplo, emite raios gama, que podem causar danos nos tecidos biológicos, envenenamento radioactivo e cancro. Um atentado destes desencadearia o pânico generalizado, devido à ameaça invisível da radioactividade. Provavelmente haveria até mais mortes de acidentes de automóvel provocados pela tentativa de fuga desesperada do que pela explosão ou pela radioactividade propriamente ditas. Se fosse usado material radioactivo especialmente forte, as partes da cidade onde ocorresse a explosão teriam de ser evacuadas e descontaminadas ao longo de vários meses. As primeiras camadas de solo e até a vegetação, o asfalto e o cimento teriam de ser retirados e armazenados em locais seguros. Milhares de pessoas seriam forçadas a mudar de casa e muitas nunca mais poderiam voltar. Já viu a confusão que se geraria?"

"Mas onde iriam eles buscar o material radioactivo?"

"Ora, a qualquer parte. Hospitais, por exemplo. Os aparelhos de raios X que mencionou há instantes são radioactivos. Até os detectores de fumo usados nos escritórios têm material radioactivo. Qualquer terrorista pode pegar nesse material, juntar-lhe dinamite e... bum!"

"Se é assim tão fácil, por que razão ainda não pensaram nisso?"

Rebecca recostou-se na cadeira, de repente cansada. "Já pensaram." "O quê?"

"Em 1995, os terroristas chechenos puseram uma bomba no Parque Ismailovsky, em Moscovo. O

engenho era constituído por dinamite e alguns quilos de césio-137, um material altamente radioactivo.

Felizmente, em vez de o detonarem, telefonaram a uma estação de televisão local para indicar a localização da bomba. Dessa feita não quiseram provocar destruição, apenas criar medo. À luz do que aconteceu no 11 de Setembro, não sei se da próxima vez os terroristas serão assim tão escrupulosos..."

O empregado veio com os cappuccinos fumegantes e desapareceu de imediato. Tomás deitou açúcar no café e ficou a remexê-lo distraidamente com a colher, a mente absorvida pelos problemas novos que lhe haviam sido apresentados.

"Com tudo isso, desviámo-nos de Portugal", constatou.

"Pois desviámos."

"Confesso que ainda não percebi por que razão vocês me contactaram."

"Precisamos de si para perceber o que se passa em Portugal, o que estão os fundamentalistas islâmicos a fazer aí, se há alguma coisa anormal... essas coisas."

"Mas para isso tem a secreta portuguesa, o SIS."

"O SIS serve para algumas coisas, mas para outras não. Você tem relações dentro da comunidade islâmica, o SIS não tem."

O rosto de Tomás assumiu uma expressão inquisitiva.

"O que tem a comunidade islâmica em Portugal?

Aquilo é tudo boa gente. Conheço-os bem, são pessoas fantásticas e muito pacíficas, de uma gentileza incrível. A maior parte veio de Moçambique, é gente que ocupa lugares de relevo na sociedade portuguesa e, quando falamos entre nós, a questão da religião nem sequer se põe. Sabe, ponho as mãos no fogo por eles."

"E verdade que as referências que temos dos muçulmanos em Portugal são excelentes. Aliás, isso aplica-se aos muçulmanos de todos os países de língua portuguesa, como o Brasil, a Guiné-Bissau e Moçambique. Ao contrário do que acontece na maior parte dos países ocidentais, os muçulmanos em Portugal não são uma minoria ostracizada, mas cidadãos de primeiro plano, muito bem integrados e com formação superior. Ao que parece, urna importante parte até põe a lusofonia à frente do islamismo, ou pelo menos lado a lado." "Então qual é a dúvida?"

Rebecca ficou um instante a fitar o seu interlocutor. "Em todos os rebanhos há ovelhas ronhosas..." "Que está a querer dizer com isso?"

A americana inclinou-se no seu lugar, pegou na pasta de executivo que pousara aos pés, pousou-a no regaço e abriu-a. Extraiu do interior um computador portátil metálico e, afastando o cappuccino para abrir espaço, instalou-o sobre a mesa.

"A Al-Qaeda gosta muito da Internet", disse, carregando no botão para ligar o portátil. "Desde os atentados de 1998 contra as embaixadas americanas em Nairobi e Dar-es-Salaam, a organização de Bin Laden e Al-Zawahiri tem coordenado todas as suas grandes operações através da Internet." O ecrã do computador acendeu-se. "Usam formas muito sofisticadas de esconder mensagens. Por exemplo, recorrem a programas de encriptação que..."