"Está a desviar-se do assunto", observou Tomás.
"Não foi isso que lhe perguntei."
"Tenha calma", pediu Rebecca. "Não estou a mudar de assunto, fique descansado. Estou antes a tentar demonstrar--lhe algo." Os vários programas do portátil encheram o ecrã do computador.
"Esteganografía. Já ouviu falar?"
A americana carregou no programa da Internet.
"Claro que sim", retorquiu Tomás, quase ofendido por uma tal pergunta lhe ser feita, a ele, um criptanalista. "E uma ideia de encriptação muito engenhosa, destinada a esconder a existência de mensagens. Como elas estão ocultas em imagens inocentes, ninguém vai lá procurar nada. Porque pergunta?"
A Internet ficou acessível no portátil e a americana procurou o Hotmail.
"Porque é uma técnica muito usada pela Al-Qaeda.
A organização do nosso amigo Bin Laden gosta de ocultar nas imagens instruções destinadas aos seus operacionais ou às células adormecidas. Ora, entre outras coisas, nós estamos sempre a vigiar endereços electrónicos suspeitos e aqueles cujas mensagens são abertas no Sul da Europa vêm-me calhar a mim." Escreveu uma morada electrónica no Hotmail. "Este endereço é usado pela Al-Qaeda para comunicar com as suas células adormecidas." O
endereço foi aberto e o ecrã exibiu a lista de mensagens. "Quer ver agora uma coisa curiosa?"
"Mostre lá..."
Rebecca carregou em spam, exibindo todo o lixo electrónico ali acumulado.
"Você não costuma receber muito lixo de natureza sexual?", perguntou ela.
"UÜ", riu-se Tomás. "Muitas propostas de operações para aumentar o meu pénis! Como se eu precisasse..."
A americana olhou-o de relance.
"Dispenso o marketing.'" Voltou a concentrar-se nas mensagens acumuladas no spam até detectar uma em particular, intitulada naugbty redhaired.
"Repare agora nesta mensagem."
Carregou na linha e a mensagem abriu, exibindo um link para um site designado sexmaniacs. Rebecca carregou no link e o computador fez ligação ao site.
Instantes depois, o ecrã exibiu a imagem de uma ruiva a fazer sexo oral.
Em close up.
"Caramba!", exclamou Tomás, chocado com a fotografia que cobria todo o ecrã. "Você anda a frequentar estes sitesV
Rebecca revirou os olhos.
"Engraçadinho", disse. "Agora vou usar o key-tracker para identificar a password." Ligou o software de intercepção e, em alguns instantes, o programa desvendou a chave que lhe permitia aceder à mensagem oculta. "Boa! Agora repare no que está escondido aqui dentro."
Digitou a password que o key-tracker lhe fornecera. Apareceu a ampulheta do computador a tremer sobre a imagem da ruiva de boca escancarada e, em poucos segundos, a fotografia pornográfica foi substituída por uma linha composta por letras e números.
"Bingo!"
Tomás inclinou a cabeça para a frente e, a mente a funcionar como um criptanalista, leu a mensagem que a Al-Qaeda havia escondido naquela fotografia.
6 A Y H A S 1 H A 8 R U
"Ah, então é este o e-mail da Al-Qaeda de que mister Bellamy me falou!", percebeu o criptanalista.
"Mas o que tem ele assim de tão especial que requeira que seja especificamente eu a decifrá-lo?"
"Tenha calma, já vai perceber", disse Rebecca.
"Seguimos a rota desta mensagem e descobrimos que ela foi aberta por alguém, decerto o destinatário a quem a Al-Qaeda estava a dar instruções. Através da identificação do IP do computador onde a mensagem encriptada foi aberta localizámos o paradeiro da célula adormecida. Era um cibercafé. O operacional obviamente não abriu a mensagem em casa, mas num local público, de modo a evitar qualquer possibilidade de ser identificado."
"De qualquer modo, esse cibercafé dá-vos já uma localização, não é? Em que parte do mundo estava o computador que abriu esta mensagem da Al-Qaeda?
No Paquistão? No Iraque?"
Rebecca manteve os olhos fixos em Tomás, de modo a medir a reacção dele ao ouvir a revelação.
"Em Lisboa."
XVI
A notícia correu célere pela madrassa: o professor de Religião tinha sido preso pela polícia. O colega sufi gordo que Ayman interpelara na sua última aula parecia aliviado e tentava convencer os amigos de que o professor havia sido preso por ter dito que os sufis não eram muçulmanos. Os companheiros de turma fingiram acreditar, mas todos sabiam que não podia ser; o professor demonstrara na aula que o sufismo ia contra o Alcorão e a sunnah. Além do mais, como poderia a polícia ter sabido e reagido tão depressa? Claro que não era por isso! Mas então porque o tinham prendido?
Foi só no dia seguinte à detenção que as coisas se esclareceram. O rumor começou a circular logo pela manhã e fazia todo o sentido.
"Anda cá", disse Abdullah logo que viu Ahmed chegar à madrassa, puxando-o para um canto do corredor. "Já sabes porque prenderam o professor de Religião?"
O recém-chegado pousou a mochila no chão.
"Há novidades?"
O colega olhou para todos os lados, uma expressão conspirativa estampada no rosto, antes de se voltar de novo para Ahmed e murmurar o segredo.
"Ele é da Al-Jama'a."
"O quê?", admirou-se Ahmed, levantando inadvertidamente
a voz. "O professor Ayman?"
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"Chiu!", ordenou Abdullah, olhando de novo em redor, quase alarmado. "Mais baixo."
"Desculpa", pediu Ahmed. "Mas tens a certeza?"
Abdullah fingiu-se ofendido.
"Então não tenho? Estou a dizer-te que ele é membro da Al-Jama'a al-Islamiyya."
"Ah!", exclamou o amigo, pondo a mão na boca de espanto. "Tu achas... tu achas que ele matou o... o presidente?"
Estas últimas palavras foram proferidas num sussurro tão baixo que se tornaram quase inaudíveis.
"Não sejas parvo!", retorquiu Abdullah com uma risada nervosa. "Os que mataram o faraó foram logo presos. Mas parece que o professor é militante da Al-Jama'a e eles andam a prender toda a gente ligada ao movimento."
"Como sabes que ele é da Al-Jama'a?"
"Ouvi há pouco o emir da madrassa falar com o professor de Árabe. O nome do professor Ayman estava nas listas da Al-Jama'a."
A informação provocou grande excitação na escola, não só junto dos alunos, mas também entre professores e funcionários. Por Alá, já viram isto?, interrogava-se toda a gente. Tivemos um conspirador a ensinar aqui na escola!
Ahmed sentia-se em estado de choque. Como era possível que tivessem detido uma pessoa tão conhecedora da palavra de Deus? A história do envolvimento do professor Ayman na conspiração para matar o presidente deixou-o pensativo. Se o professor se metera nisso, raciocinou, lá devia ter os seus motivos. A Al-Jama'a era descrita na televisão como um movimento radical por defender a aplicação da sharia, mas, aos olhos de Ahmed, isso não a diminuía; pelo contrário, enaltecia-a. Afinal, a sharia era a lei de Alá e querer a sua aplicação devia ser um desejo natural de qualquer muçulmano! Como era possível haver muçulmanos que se opusessem à sharia?
A discussão começou à mesa quando a família almoçava.
"Estes koftas estão carbonizados", resmungou o pai, mirando com repulsa os três pastéis de carneiro picado que tinha no prato.
"Por Alá, lá estás tu!", disse a mulher, revirando os olhos de enfado. "Estão como sempre estiveram."
"Estou-te a dizer que estes koftas estão carbonizados!", insistiu o senhor Barakah, erguendo a voz. Pegou num dos pastéis e exibiu-o como prova.