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Daí que os fundamentalistas não hesitem em recorrer a armas sofisticadas e a computadores, incluindo esses sites pornográficos. Em tempo de guerra vale tudo, é a filosofia desses tipos. Presumo até que vocês tenham detectado muita actividade na Internet..."

"Muita mesmo", confirmou Rebecca. "A Internet é hoje em dia um elemento-chave da Al-Qaeda numa série de coisas: propaganda, treino, planificação, logística... Tudo! Eles usam-na para comunicar entre si, para mostrar vídeos de atentados, para transmitir informações, ordens e planos secretos e para atacar os computadores ocidentais. Já contámos uns cinco mil sites fundamentalistas, alguns deles com instruções pormenorizadas sobre como fabricar bombas simples. Há outros com cbat-rooms onde as pessoas fazem as perguntas que quiserem e têm do outro lado um especialista em lei islâmica a dar as respostas. Uma vez vi num desses chat-rooms um internauta fundamentalista dizer que pertencia a um grupo que estava na posse de um refém e queria saber se, à luz do islão, era permissível decapitá-lo com um serrote ou se teriam de usar uma faca ou uma espada, conforme o exemplo do Profeta..."

"E o que respondeu o especialista?"

"Disse que o exemplo do Profeta devia ser seguido, como ordena o Alcorão, e aconselhou-os a usarem a faca ou a espada."

Sem conseguir deixar de visualizar a cena, Tomás fez uma careta de repulsa e respirou fundo. "O que fazem vocês a esses sites}"

"Encerramos uns e vigiamos outros. Temos ainda uma táctica, que é abrir sites fundamentalistas para ver quem vem ter connosco. Apanha-se assim muito peixe..."

"Miúdo, suponho."

"Claro. Os tubarões têm os seus próprios sites e só frequentam aqueles nos quais têm confiança." "Como Bin Laden?" "Esse já nem usa a Internet." "Tem medo de ser apanhado?"

"Sim. Actualmente todo o núcleo duro da Al-Qaeda evita a Internet. Eles sabem que o risco é demasiado grande; a nossa tecnologia de intercepção é de tal modo sofisticada que os pode localizar a qualquer momento. Ao que sabemos, Bin Laden recorre a mensageiros para transmitir as suas ordens. Quando usa um computador, só vê informação que outros carregam para um CD ou um DVD. Nem pensar em fazer ligações à Internet."

La note xe bela, Fa presto

Nineta, Andemo in barcbeta

l frescbi a chiapar. "

A voz, entoando uma melodia melancólica, rompeu do estreito canal em frente. Atraídos pela promessa de romantismo que aquele som encerrava, Tomás e Rebecca calaram-se e subiram a uma ponte que ligava os dois quarteirões separados pelo canal; a ponte era pequena e pitoresca, curvando-se em arco sobre as águas escuras.

Da penumbra líquida emergiu então uma gôndola furtiva, o gondoleiro de pé a empurrar suavemente o remo, a voz embalando os turistas que o ouviam.

Parados no topo da curvatura da ponte, o português e a americana- tinhffm os olhos colados à pequena embarcação, fruindo o instante. A gôndola passou por baixo da ponte, deslizando suavemente pelo canal, e a melodia ecoou pelo canal.

E Toni el so remo L'è atento a

menar. Nol varda, nol sente

L'è un orno de stuco.

O vulto negro desapareceu numa curva, a voz do gondoleiro a sumir-se na distância, tão irreal que a sua passagem parecia agora não ter passado de ilusão.

"Sabe uma coisa?", perguntou Tomás, a mente voltando ao problema que o preocupava mais. "Ainda me custa acreditar que haja fundamentalistas em Portugal."

Rebecca demorou um instante a libertar-se dos efeitos inebriantes da barcarolle, a canção dos gondoleiros venezianos, e a regressar ao presente.

"Não sei porquê", disse por fim.

"Porque eu conheço a nossa comunidade islâmica.

Encontro-me com eles muitas vezes, temos discussões, falamos muito. É tudo boa gente, já lhe disse."

"E eu já lhe disse que todas as comunidades têm as suas ovelhas tresmalhadas!"

"Mas neste caso não há precedentes. Nunca se viu um muçulmano português envolvido em actos de... de terrorismo islâmico. Isso é coisa impensável!"

Rebecca recomeçou a caminhar, descendo da ponte e pisando o quarteirão.

"Está enganado."

A curiosidade espevitada, Tomás lançou-lhe um olhar inquisitivo do topo da ponte curvada. "Que quer dizer com isso?"

"Já houve fundamentalistas islâmicos oriundos de Portugal envolvidos em atentados."

O historiador desceu por fim a ponte, indo no encalço da americana.

"Está a falar a sério?"

"Claro."

"Diga-me quem!"

Rebecca continuou a andar, imperturbável, mas voltou a cabeça para trás.

"Sabe qual foi o primeiro atentado feito pela Al-Qaeda em solo europeu?"

Tomás apressou o passo e posicionou-se ao lado dela.

"Não foi o de Madrid?"

"Deve estar a gozar..."

"A Al-Qaeda atacou na Europa antes dos atentados de 2004?"

"E evidente que sim."

"Quando?"

"O primeiro ataque da organização de Bin Laden em solo europeu ocorreu em 1991. Foi em Roma. O

antigo rei do Afeganistão, Mohammad Zahir Shah, na altura planeava regressar ao seu país, o que constituía uma óbvia ameaça aos mudjahedin fundamentalistas e, por arrastamento, à Al-Qaeda.

Foi nessa altura que um elemento da Al-Qaeda se fez passar por jornalista e conseguiu aproximar-se do rei. Uma vez diante dele, o terrorista sacou de uma faca e desferiu-a contra o coração do ex-monarca. O que salvou o rei foi uma caixa de prata para cigarrilhas que tinha no bolso e que impediu que a lâmina penetrasse no coração."

"Não sabia disso."

*

"Sabe como se chamava esse elemento da Al-Qaeda?"

A americana parou, tirou uma fotografia da pasta e voltou-a na direcção de Tomás. A imagem mostrava um homem barbudo e bem nutrido, de aspecto europeu mediterrânico, sentado numa cela. Uma legenda em baixo indicava Cárcere di Rebibbia, Roma.

O historiador encolheu os ombros.

"Ignoro."

"Paul Almida Santous."

Rebecca pronunciou o nome com um sotaque fortemente americano; da sua boca saiu um nome tão estranho que Tomás levou um instante a converter estes sons bizarros num nome português.

"Ah!...", exclamou. "Paulo Almeida Santos."

"Isso."

O historiador levou um outro longo momento a fazer a ligação entre este nome, aquela fotografia e a história do atentado em Roma.

"Está a dizer-me que... que esse terrorista da Al-Qaeda era português?"

"You bet", confirmou ela. "Os italianos prenderam-no, claro. Ele primeiro fechou-se em copas e só anos mais tarde é que aceitou falar, mas limitou-se a dizer coisas que já eram do nosso conhecimento. Mesmo assim ficámos a saber que o senhor Santos tinha treinado nos campos da organização existentes no Afeganistão e que teve três reuniões com o próprio Bin Laden para preparar o atentado."

"Desconhecia esse caso em absoluto."

"Estou a contar-lhe isto para que tenha a noção de que o trabalho que esperamos de si não é necessariamente um piquenique", acrescentou Rebecca, voltando a guardar a fotografia na pasta.

"E um facto que a comunidade islâmica em Portugal é tranquila e constituída por gente boa. Mas, tal como entre os portugueses cristãos, também é possível encontrar entre os portugueses muçulmanos quem opte por caminhos diferentes. Ou pode pôr as mãos no fogo por toda a gente no seu país?"