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Um dos reclusos que seguia no carro celular olhou para os seus companheiros um a um e o olhar iluminou-se-lhe.

"Vocês já repararam numa coisa?"

"O quê?"

"Somos todos da Irmandade Muçulmana." Olharam uns para os outros, reconhecendo a sua filiação no grupo radical islâmico. "Pelo Profeta, tens razão!"

Ahmed afinou a voz. "Eu não."

Olharam-no com curiosidade. "O

que fizeste para ser preso?"

"Bati num kafir", disse, com orgulho. "E o tribunal, em vez de me proteger a mim, um crente, protegeu o kafir, que Alá o amaldiçoe para sempre!"

Um coro de aprovação percorreu o carro celular.

"Falas e comportas-te como um verdadeiro crente, meu irmão", declarou um dos seus companheiros de viagem com uma certa solenidade respeitosa. "Podes não ser da Irmandade Muçulmana, mas é como se fosses."

A descoberta de que os que ali seguiam pertenciam à mesma organização islâmica ou partilhavam as mesmas ideias deixou-os algo apreensivos.

Tornara-se evidente que o facto de todos respeitarem o Alcorão e a sunnab do Profeta tinha sido um critério para serem seleccionados e retirados de Abu Zaabal. Isso levantava importantes questões. Que se passava? O que lhes iriam fazer?

Para onde seguiam?

Com crescente ansiedade, puseram-se a espreitar lá para fora, tentando descortinar o caminho.

Perceberam que desciam pela província de Qaliubiya na direcção do Cairo.

Duas horas depois já a grande cidade havia ficado para trás e acercavam-se de Maadi, a sudeste da capital. Foi então que repararam numa tabuleta com a inscrição.

Tora.

"Que Alá Ar-Rabim, o Misericordioso, se apiede de nós", murmurou um dos reclusos ao ver a inscrição.

"Porquê?", alarmou-se Ahmed, interrogando-o com o «lhar. "Conheces este lugar?"

"Sim."

"E então? Para onde vamos?"

O homem que falara afastou-se da janela do carro celular e sentou-se no seu lugar com um suspiro prolongado, os olhos baixos e conformados, o ânimo pesado.

"Para o inferno."

XXIII

Optou de início por manter secreta a informação.

Rebecca voltou a ligar de Madrid, mas Tomás nada lhe disse sobre a conversa com Norberto. Queria primeiro apurar algumas coisas e certificar-se dos factos antes de revelar o que quer que fosse.

A primeira prioridade foi localizar a família de Zacarias. Norberto não tinha o contacto do seu antigo colega, que lhe ligara de um número não identificado, pelo que o professor precisava de encontrar outro caminho. Procurou as fichas dos alunos do ano anterior e folheou-as até chegar ao registo do estudante desaparecido. A pequena folha rectangular com o logótipo da faculdade identificava Zacarias Ali Silva e tinha colada ao canto uma fotografia tipo passe colorida, mostrando um rosto coberto por uma barba negra encaracolada que o envelhecia prematuramente.

Tomás pegou no telemóvel e ligou para o número de telefone registado na ficha.

"Está lá?", respondeu uma voz feminina do outro lado da linha.

"Bom dia, minha senhora. Será que posso falar com o Zacarias?"

"O Zacarias não está."

"Daqui fala o professor Noronha, da Universidade Nova de Lisboa. Tenho muita urgência em chegar à

«fala ocm o Zacarias. Será que me pode dizer onde o posso localizar?"

"O meu filho não se encontra no país."

"A senhora é a mãe?"

"Sou, sim."

"Muito prazer, minha senhora. Eu dei aulas ao Zacarias no ano passado e a senhora está de parabéns, tem um filho muito esperto."

A voz do outro lado quase ronronou de prazer.

"Obrigada."

"Quando é que o Zacarias volta?" "Só daqui a uns meses."

"Ah, que maçada! Tenho tanta urgência em falar com ele... Não haverá nenhuma maneira de o contactar?"

"Bem... o meu filho foi estudar para o Paquistão.

Agora é um pouco difícil chegar até ele."

"Mas o Zacarias não deixou nenhum contacto?"

"Deixou, claro."

"E será que... que mo poderia dar?" A mãe fez uma pausa de hesitação antes de responder. "Antes de partir, o meu filho pediu-nos que não lhe ligássemos."

"Ai sim? Porquê?"

"Oh, manias dele! Sabe como é, esta rapaziada hoje em dia quer é fazer o que lhe apetece..."

"Então como fala a senhora com o seu filho?"

"O Zacarias às vezes telefona-nos."

"E o contacto que ele lhe deui? Não o usa?"

"Este número é só para coisas muito urgentes. Ele foi muito insistente. Só deveríamos ligar-lhe em caso de uma grande emergência."

"Bem... este caso é uma granide emergência. Será que mo pode dar?"

A voz feminina voltou a fazeir uma pausa.

"Isso não sei."

Tomás respirou fundo. Percebeu que teria de ser persuasivo se queria chegar a algum ladio.

"Oiça, minha senhora", dissie, a mente freneticamente à procura da mentira mais convimcente e sedutora que conseguisse imaginar.

"Eu preciso mesmo de chegar à fala com o Zacarias.

Abriu-se agora uma..,, uma grande oportunidade profissional para ele e temos de actuar com enorme rapidez."

A senhora adoptou um tom distante, desconfiado até.

"Será que me pode explicar dlo que se trata?"

A mentira teria mesmo de ser boa, percebeu Tomás.

"Bem, passa-se o seguinte. Eu dou aulas na faculdade, mas também trabalho na Gulbenkian. A fundação está ligada ao negócio do petróleo, não sei se sabe..."

"Toda a gente sabe."

"Acontece que eles estão à pnocura de uma pessoa versada em estudos islâmicos para chetfiar o seu departamento de relações com o mundo islâmico., Sabe como é, a Gulbenkian acha que nada melhor do que urm muçulmano para falar com outro muçulmano, parece que issso facilita os negócios lá no Médio Oriente. A pessoa que deísempenhava essa função, um muçulmano muito respeitado, mtorreu subitamente e eles precisam de um substituto com girande urgência. Está a ver, trata-se de um trabalho que lidai com muitos milhões, não é verdade? Como calcula, a responsabilidade é enorme e... e estamos a falar de um trabalho principescamente pago." Disse estas últimas palavras num tom de confidência, como se estivesse a partilhar com ela um grande segredo. "Ora eles vieram falar comigo e eu sugeri-lhes o Zacarias.

Agora, se eu não o encontrar... lá se vai a oportunidade..."

O silêncio voltou ao outro lado da linha, desta feifa um pouco mais prolongado do que as pausas anteriores.

"Eu vou ali buscar o número do Zacarias."

Os algarismos já estavam registados no bloco de notas e Tomás ficou um instante a contemplá-los.

Depois levantou-se e foi buscar a lista telefónica.

Localizou as páginas das ligações internacionais e só parou quando chegou ao Paquistão. Olhou de novo para o número que a mãe de Zacarias lhe havia dado.

00-92-42-973...

O indicativo nacional, 92, era mesmo do Paquistão.

Fixou o indicativo de área e percorreu a lista dos indicativos por cidade, obviamente estabelecida por ordem alfabética.

Faisalabad 41

Islamabad 51

Karachi 21

Lahore 42

Reteve o olhar neste último indicativo, 42, e verificou mais uma vez o número que lhe havia sido dado. 00-92-42-973... Lahore.

O número de emergência de Zacarias era de Lahore. Conhecia a cidade de nome e de múltiplas referências históricas, mas percebeu que não era capaz de a situar no mapa. Pegou no atlas e procurou as páginas da Ásia. Encontrou o Paquistão e deslizou o indicador até Lahore. Ficava perto da fronteira com a índia, constatou.