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Ainda hesitou em relação ao que deveria fazer de seguida. A hipótese mais simples era entregar já o assunto a Rebecca e ao seu pessoal da NEST. Mas, se calhar, o melhor seria mesmo certificar-se de que estava numa pista correcta, não se fosse dar o caso de lançar um falso alarme. Poderia ser embaraçoso.

Além do mais, Zacarias conhecia-o a ele, não a uns americanos que lhe aparecessem pela frente.

Vencendo as derradeiras reticências, pegou no telemóvel e digitou o número. Da linha vieram os sons das ligações a serem estabelecidas e finalmente do aparelho a chamar.

Trrrr-trrrr... trrrr-trrrr...

"Salaam", soltou uma voz masculina do outro lado.

"Hello?", perguntou Tomás em inglês. "Será possível falar com Zacarias Silva, por favor?" "Muje angrezee naheeng aateel"

O homem não falava inglês, percebeu. Tentou por isso em árabe, mas a resposta veio novamente em urdu. "Kyaap aap ko urdu atee hay?"

O português suspirou, impaciente com aquela conversa de surdos. Assim não iria lá.

"Zacarias Silva", disse, repetindo a seguir o nome próprio sílaba a sílaba. "Za-ca-ri-as!"

"Zacareya? Zacareya?"

"Isso! Isso!", entusiasmou-se. "Ele está?"

O paquistanês retorquiu com uma algaraviada em urdu tão longa que deixou Tomás sem saber como responder.

"Zacarias!", foi tudo o que conseguiu dizer mal o outro lhe deu oportunidade. "Vá chamá-lo, por favor!

Zacarias!"

Uma nova barreira cerrada em urdu encheu o telefone. Quando Tomás já desesperava, porém, o homem deixou de falar e a linha permaneceu em suspenso.

"Está lá?", chamou o historiador, sem perceber bem o que se passava. "Está lá? Alô!"

O silêncio prolongou-se e o português ficou na dúvida sobre o que fazer. Deveria aguardar? Seria melhor desligar e tentar outra vez? A chamada teria caído? Na verdade, não tinha a menor ideia de qual o melhor procedimento.

"Está sim?"

»

A linha parecia morta. A medida que o silêncio se prolongava, Tomás ia-se inclinando para a possibilidade de desligar e ligar de novo. Quando o ia a fazer, todavia, a ligação animou-se.

"Salaam'", disse uma nova voz do outro lado, mais suave do que a anterior.

Talvez este falasse inglês, pensou Tomás, esperançado.

"Hello? Queria falar com Zacarias Silva, por favor."

Detectando o Zacarias Silva pronunciado à maneira portuguesa, a voz mudou inesperadamente para português.

"Sou eu. Quem fala?"

"Zacarias Silva?"

"Sim, sou eu."

"Daqui Tomás Noronha, o teu professor em Lisboa.

Estás--me a ouvir bem?"

"Sim, sim. Estou a ouvir. O que se passa?"

"Zacarias, o Norberto falou comigo e parece que estás a precisar de ajuda. Diz-me o que é preciso fazer e eu farei."

Fez-se um curto silêncio do outro lado.

"Professor, não posso falar agora", disse Zacarias, tão depressa que ia atropelando as palavras. "Depois ligo-lhe."

Click.

A chamada foi desligada.

Manteve o telemóvel por perto durante o resto do dia, sempre preocupado com a possibilidade de receber uma chamada de Zacarias. Nem sequer nas aulas desligou o aparelho. Sentia-se quase como um miúdo apaixonado, tão ansioso pelo prometido telefonema da namorada que chegava a suspirar.

Sempre que o telemóvel tocava, metia a mão no bolso e agarrava-o com uma rapidez expectante, para se sentir desapontado logo a seguir, ao constatar que a chamada afinal não era do antigo aluno.

"Você anda estranho", constatou Rebecca, a autora de uma das chamadas que Tomás recebeu entretanto. "Passa-se alguma coisa?"

"Por acaso, passa."

"Ai sim? O quê?"

"Tenha calma", riu-se ele. "Logo que tenha alguma informação mais concreta digo-lhe, está bem?"

Rebecca soltou um grito de excitação. "Não me diga que descobriu alguma coisa!" "Tenha calma..."

Calma era, porém, um bem de que o próprio Tomás não dispunha em abundância por aqueles dias.

Permaneceu atento ao telemóvel durante dois dias sem que nada acontecesse, o que o deixou ainda mais enervado. Que se passaria? Que segredos eram aqueles que Zacarias escondia? Do que tinha ele medo? Porque falara ele em terroristas quando tinha ligado a Norberto?

Com o ex-aluno teimosamente silencioso, o historiador começou a recear ser ultrapassado pelos acontecimentos. Nessa noite, quando se foi deitar, decidiu abrir o jogo com Rebecca logo na manhã seguinte. No fim de contas, raciocinou, ela e a NEST

é que tinham os meios para chegar a Zacarias.

Crrrrrrr Crrrrrrr Crrrrrrr

O telemóvel acordou-o a meio da noite. Olhou estremunhado para o enorme mostrador digital do despertador pousado na mesinha de cabeceira e viu as horas exibidas a âmbar fluorescente. 04:27

Esticou o braço e agarrou o aparelho.

"Está sim?", atendeu, sonolento.

"Professor Noronha?"

A voz distante despertou-o como se naquele jnomanto o tivessem encharcado de água gelada.

Endireitou-se de imediato na cama, de repente muito alerta.

"Sim, sou eu", confirmou. "Es tu, Zacarias?"

"Não tenho muito tempo para falar", disse a voz.

"O professor estava a falar a sério quando disse que me ajudava?"

"Sim, absolutamente. O que precisas que eu faça?"

"Preciso que me tire daqui!"

"Queres dinheiro para comprar uma passagem de avião?"

"Eu tenho dinheiro", respondeu Zacarias. "O

problema é que eles desconfiam de mim e têm-me debaixo de olho. Se eu for à estação de comboios ou ao aeroporto, eles descobrem."

Tomás teve vontade de perguntar quem eram eles, mas conteve-se. O tom de urgência que sentia na voz do antigo aluno mostrava-lhe que Zacarias não dispunha de muito tempo para falar, pelo que teria de se limitar à informação útil.

"Então que queres que eu faça?"

"Não sei bem. Preciso de protecção para sair."

"Queres que vá aí?"

"E perigoso, professor..."

"Não te preocupes comigo. Estás em Lahore, não estás?" "Sim."

"Então encontramo-nos exactamente de hoje a oito dias ao meio-dia, aí em Lahore." Abriu a gaveta da mesa-de--cabeceira e tirou um lápis. "Diz-me em que sítio."

Zacarias fez uma pausa, claramente a tentar escolher um ponto de encontro.

"O forte da cidade velha", decidiu. "Sabe onde é?"

Tomás tomou nota da referência.

"Não sei, mas vou descobrir. Encontramo-nos então no forte da cidade velha de Lahore, ao meio-dia, precisamente daqui a uma semana."

"Combinado." Fez-se um súbito silêncio na linha, como se o ex-aluno quisesse acrescentar mais alguma coisa. "E... professor?"

"O que é, Zacarias?"

"Tenha muito cuidado."

XXIV

Os portões abriram-se em dois e revelaram um complexo prisional absolutamente gigantesco. Tora incluía quatro prisões e Ahmed e os seus companheiros de viagem foram levados para uma delas. O elemento da Irmandade Muçulmana que vira o nome de Tora inscrito na tabuleta contemplou lugubremente o edifício, identificando-o.

"Mazra Tora."

O nome foi instantaneamente assimilado por todos os outros presos, mas extraiu de Ahmed uma expressão vazia. "Conheces?"

"E a cadeia para onde vão os nossos irmãos."

A vida em Abu Zaabal havia sido um completo inferno e Ahmed estava convencido de que, dissessem o que dissessem, nada poderia ser pior.

Mas enganava-se. Os primeiros dias em Tora revelaram-lhe que o inferno tinha diversos níveis e que Mazra estava talvez situada no patamar mais profundo.

Os recém-chegados foram levados para uma das alas da prisão e depressa perceberam que se tratava de um sector especial. O grupo proveniente de Abu Zaabal foi atirado para uma cela imunda e, horas depois, os guardas foram buscar um deles.