Tomás fechou a porta do carro com estrondo e começou a caminhar na direcção do automóvel negro, disposto a tirar aquilo a limpo.
"Espere aí, eu já venho."
"Tomás! Onde vais tu, rapaz? Vem aqui à mãe!
Imediatamente!"
Mas Tomás continuou a caminhar. Ao vê-lo aproximar-se, o homem loiro do carro negro ligou a viatura e fez marcha atrás, repondo a distância.
Tomás parou, embasbacado com este comportamento ostensivo.
"Ora essa!", murmurou, atónito. "O gajo está mesmo a seguir-me! Querem lá ver isto?"
Recomeçou a caminhar na direcção do automóvel negro, desta vez um pouco mais depressa, e o homem loiro, mais uma vez, fez marcha atrás; pareciam ambos envolvidos no jogo do gato e do rato, embora não se percebesse bem quem era quem. Tomando consciência de que o desconhecido não queria ser interpelado, embora pelos vistos não se importasse de o seguir sem disfarçar, Tomás deu meia volta e regressou para junto da mãe.
"O que estás a fazer, Tomás? Que história é esta?"
"Se quer que lhe diga, não sei. O homem está a seguir-nos, mas pelos vistos não se quer explicar."
"Está a seguir-nos? A que propósito?"
"Sei lá!", devolveu o filho com um encolher de ombros. "É um maluco qualquer." Resignado, apontou para a fachada alva. "Vamos ver a igreja?"
Seguiram os dois para a igreja das Sete Cidades.
Tomás voltou a cabeça duas vezes para tentar perceber se continuavam a ser seguidos. O
automóvel negro mantinha-se parado lá ao fundo, mas, quando mãe e filho cruzaram a parta e desapareceram no interior do santuário, a viatura voltou a entrar em movimento.
Aproximou-se e estacionou quase ao lado da igreja.
A visita durou uns quinze minutos e, no momento em que Tomás e a mãe se dirigiram à saída para se irem embora, depararam-se com um vulto encostado à porta, o perfil recortado a negro diante do halo de luz matinal. Aproximaram-se e Tomás percebeu que era o homem loiro de cabelo curto do automóvel negro.
"Em que posso ajudá-lo?", perguntou Tomás.
"'Professor Thomas Norona?", perguntou o homem num inglês fortemente nasalado.
Era americano.
"Tomás Norona", corrigiu o português. "How can I help your
O homem tirou os óculos escuros, extraiu um cartão do bolso do casaco e esboçou um sorriso forçado.
"Eu sou o tenente Jack Anderson, da base aérea das Lajes", identificou-se enquanto exibia o cartão.
Tomás pegou no documento e inspeccionou-o. O
cartão anunciava que o seu detentor era o lieutenant Joseph H. Anderson, exibia a cores o seu rosto lácteo com boné de oficial e indicava-o como liaison officer da USAF nas Lajes AFB.
"Por que razão anda atrás de mim?"
"Desculpe os meus modos, sir. Recebi ordens para me assegurar do seu paradeiro, mas sem entrar em contacto consigo."
"Recebeu ordens para me seguir? De quem?" "Dos serviços de informações militares." "Deve estar a brincar comigo..."
"Asseguro-lhe que nada do que faço em serviço é a brincar, s/r", disse o tenente Anderson com ar muito compenetrado. "Há instantes enviaram-me novas instruções. Tenho de o levar o mais depressa possível para as Furnas."
"O quê?"
"O senhor tem um almoço marcado e o seu interlocutor já lá está." "O quê?"
O tenente consultou o relógio.
"Temos uma hora para lá chegar. Vamos agora para Ponta Delgada, onde um helicóptero da USAF nos levará até às Furnas."
"Desculpe, mas é preciso ter lata!", exclamou Tomás num tom incrédulo. "Eu estou aqui de férias com a minha mãe e não tenciono encontrar-me com quem quer que seja!"
"Mas é uma pessoa muito importante de Washington, s/r."
"Nem que seja o presidente! A minha mãe vive num lar, tirei férias para estar com ela e é com ela que vou ficar!"
"Tenho a informação de que o assunto que trouxe essa pessoa até aqui é da mais alta importância.
Seria mesmo muito conveniente que o senhor tirasse umas horas para ir às Furnas."
"Quero lá saber!"
"Oiça apenas o que temos para lhe dizer. Vai ver que não se arrependerá..."
Tomás fez uma careta de estranheza.
"Mas que raio de assunto é esse?" "E
confidencial."
"O senhor está mesmo à espera que eu interrompa as minhas férias e vá ter com não sei quem para falar sobre não sei o quê?"
"Apenas sei que se trata de matéria da mais alta importância."
Tomás olhou para o tenente americano, reflectindo no convite. Viera um big shot de Washington para lhe falar de um assunto muito importante? Em boa verdade não via como poderia tal coisa dizer-lhe respeito, mas era um facto que a sua proverbial curiosidade acabara de ser espicaçada.
"Vai lá, filho", atalhou dona Graça. "Não te apoquentes comigo."
O historiador mordeu o lábio, hesitante.
"Diz que são apenas umas horas?" "Yes, sir." "E a minha mãe?"
"Dada a natureza confidencial do encontro, receio que ela não possa ir, sir. Teremos de a deixar em Ponta Delgada." Tomás olhou para dona Graça. "O
que acha, mãe?"
"Ai filho, eu quero é ir para o hotel. Sinto-me cansada e vou dormir um bocadinho, se não te importas."
Tomás esfregou o queixo e mirou o tenente Anderson.
"Quem é esse sujeito que quer falar comigo?"
O tenente deixou escapar o fio de um sorriso vitorioso, acreditando que a partida estava ganha.
Meteu a mão no bolso das calças e retirou um telemóvel.
"Conversei com ele mas não sei o nome.
Chamamos-lhe Eagle One.'" Exibiu o telemóvel. "No entanto, ele autorizou--me a ligar-lhe para falar consigo, se fosse caso disso. Acha necessário?"
"Claro que sim."
O americano digitou um número e estabeleceu a ligação.
"Bom dia, sir. Tenente Anderson aqui. Estou neste momento com o professor Norona e ele quer falar consigo... yes, sir... right away, sir.n Anderson estendeu o telemóvel ao seu interlocutor. Tomás pegou nele com cautela, como se o aparelho pudesse estar armadilhado.
"Hello?"
Ouviu uma risada do outro lado da linha e um rugido irrompeu pelo telemóvel.
"Fucking génio! Como vai isso?"
Aquela voz baixa e rouca e aqiuela expressão eram inconfundíveis e tinham a assinatura do chefe do Directorate of Science and Technology da CIA, que conhecera anos antes.
Era Frank Bellamy.
"Olá, mister Bellamy", saudou Tomás com uma certa frieza ao reconhecer a voz. "Como vai o senhor?"
"Mas que tom é esse?", perguntou o homem do outro lado da linha com uma nova gargalhada. "Não me diga que não está contente por falar comigo...'"
"Estou de férias, mister Bellamy", suspirou o historiador. "O que deseja a CIA de mim?"
"Precisamos de falar."
"Já lhe disse que estou de férias."
"Fuck para as suas férias! Estce assunto é da mais elevada importância!"
Tomás revirou os olhos, enchendo-se de paciência.
"Diga lá."
Frank Bellamy fez uma pausía, como se avaliasse o que poderia dizer pelo telefone, e baiixou a voz ao responder. "Segurança nacional."
"De quem? Vossa?"
"Dos Estados Unidos e da Europa. Incluindo de Portugal." O português riu-se.
"Você deve estar a gozar", disse. "Portugal não tem problemas de segurança nacional, pode ficar descansado."
"Isso diz você. Mas eu tenho outras informações."
"Que informações?"
^ ,
"Estão a passar-se coisas de grande gravidade."
Tomás cerrou as sobrancelhas, já intrigado. "O
quê?"
O americano fungou e pousou o dedo no botão vermelho para desligar, consciente de que o pássaro já não lhe escapava. "Vemo-nos ao almoço."