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O português manteve o olhar preso na careca do motorista.

"E se ele identificar uma anomalia? O que acontece?"

"Nesse caso terá de a comunicar", disse ela. "Tudo dependerá então de mim e do Sam."

Os olhos de Tomás deslizaram para o homem sentado ao lado do motorista. Sam era um indivíduo corpulento, de cabelo curto e barba rala, e totalmente vestido de negro.

"O Sam é o vosso músculo?"

"Acho que lhe pode chamar assim."

"Parece uma versão mais feia do Van Damme", observou. "Será que ele também sabe karate?"

O comentário tinha sido feito a brincar, mas Rebecca pareceu considerá-lo pertinente.

"Sam!", chamou.

O homem de negro voltou a cabeça. "O

que é, Maggie?"

"Antes de vir aqui para Islamabade, o que fazia você?" "Receio que isso seja informação confidencial..." Rebecca fez beicinho e pestanejou exageradamente. "Oh, vá lá!" O homem riu-se.

"Navy SEALS", disse. "Fazia operações especiais no Afe ganistão, como muito bem sabe. Não se lembra de tomarmos um chá em Kandahar?"

"Então não me lembro? Eles andavam aos tiros lá fora e nós a saborear aquela zurrapa..."

"Então se se lembra, porque pergunta?"

"Por nada", devolveu ela. "Queria apenas que o nosso amigo percebesse melhor em que mãos está entregue."

"Rigkt."

O operacional voltou a atenção para a frente, retomando a conversa com o motorista, e Rebecca inclinou-se na direcção do português.

"Está a ver? O Sam é o responsável pela sua segurança. Se o Jerry detectar algum problema, o Sam e eu teremos de actuar. A sua vida poderá depender da nossa capacidade de reacção."

Tomás endireitou-se no assento.

"Caramba, já me está a assustar. Acha mesmo que isto pode dar para o torto?"

O olhar de Rebecca regressou ao caos urbano de Lahore, por onde a carrinha ziguezagueava.

"Oiça, Tom. Tem alguma ideia do tipo de muçulmanos que vivem nesta cidade?"

"Sufis", retorquiu Tomás. "Aliás, os sufis de Lahore são famosos. Quem não conhece as noites sufis no santuário de Baba Shah Jamal? Parece que dançam até entrarem em transe, entregando-se assim a Deus. Dizem que é interessante. E muito místico."

Ela fitou-o de novo, uma cintilação incrédula nos olhos. "Sufis, diz você?"

"Sim. E a corrente mais pacífica do islão, juntamente com a dos ismaelitas. Os sufis vivem em paz e harmonia. Para eles a jihad é um conceito de luta do espírito para atingir a perfeição, não é necessariamente guerra nem matança."

Rebecca balançou afirmativamente a cabeça, mas sem a convicção de quem concordava.

"Sim, é verdade que há sufis em Lahore", reconheceu. "É verdade que esta cidade é um centro de misticismo islâmico." O tom da voz da americana ensombrou-se. "Mas também é verdade que vivem aqui muçulmanos de outro tipo. Já ouviu falar na Lashkar-e-Taiba?"

O historiador assentiu.

"O Exército dos Puros", traduziu ele. "Foram eles que levaram a cabo os atentados de 2008 em Mumbai. Porquê?" "A Lashkar-e-Taiba é de Lahore."

"Está a brincar..."

"E mais uma mão-cheia de outras organizações fundamentalistas islâmicas. Lahore, Peshawar, Rawalpindi e Carachi são autênticos viveiros de radicais." Indicou as ruas lá fora. "Esta pode ser a cidade da noite sufi de Baba Shah Jamal, mas não se esqueça de que Lahore é também a cidade das manhãs sangrentas da Lashkar-e-Taiba."

A carrinha saiu do tráfego denso e meteu por um caminho desimpedido que desembocou junto a umas grandes

muralhas.

Havia

dois

autocarros

estacionados em frente e alguns peões com máquinas fotográficas penduradas ao peito. A carrinha aproximou-se devagar e estacionou ao lado de um dos autocarros.

"Chegámos!", anunciou Jarogniew. "E aqui o forte."

O silêncio instalou-se dentro da viatura. Com um misto de curiosidade e preocupação, Tomás esticou a cabeça e observou a movimentada entrada do forte.

"Lahore é a cidade dos fundamentalistas islâmicos", repetiu Rebecca. "Não se esqueça de que é com esse tipo de gente que você se vai encontrar aqui."

As pessoas lá fora tinham um ar absolutamente normal. A maior parte das que entravam no forte eram turistas, pelo que a atenção de Tomás se centrou nos poucos paquistaneses

que ali se encontravam. Havia os motoristas dos autocarros, alguns taxistas, três ou quatro condutores de auto-riquexós, mais um punhado de vendedores de bebidas ou de panfletos turísticos e ainda alguns transeuntes. O historiador procurou uma ameaça em cada um destes rostos, mas todos tinham um ar inofensivo.

"Que horas são?", perguntou.

Rebecca espreitou o relógio.

"Onze", disse. "Falta uma hora."

XXVIII

O reencontro com o antigo professor reacendeu uma chama de esperança em Ahmed. Aproveitava todas as horas em que podia sair da cela e ir para o pátio para se juntar a Ayman e beber um pouco mais da sua sabedoria. Nem sempre o mestre estava disponível para ele, uma vez que se encontrava rodeado de outros elementos da Al-Jama'a alTslamiyya e passavam todos muito tempo juntos em animadas discussões políticas e teológicas.

Mas Ahmed gostava da companhia daqueles homens com quem partilhava tantas ideias e a quem admirava pela coragem de terem morto o faraó. Aprendeu com eles a comportar--se como um verdadeiro crente: a maneira de falar, a forma de rezar, o modo de vestir, em tudo isso se foi gradualmente educando.

Passou a caminhar com os olhos baixos, como se exigia entre os crentes mais pios, de modo a evitar os olhos dos outros. Ensinaram-lhe também a não olhar uma mulher acima do queixo. Como não havia nenhuma ali na cadeia, exercitou esse olhar respeitoso com os outros reclusos.

Aprendeu a cobrir sempre a cabeça, de modo a afugentar o Diabo, e sobretudo a rezar correctamente; não devia olhar para os pés no momento em que se ajoelhava, mas sim para o ponto onde iria pousar a testa quando se inclinasse diante de Deus. Além do mais, na cantina passou a comer como os outros elementos da Irmandade Muçulmana ou da Al-Jama'a, isto é, com os dedos; era esse o modo como Maomé se alimentava, conforme descrito pelos ahaditb, pelo que seria assim que os verdadeiros crentes teriam de comer.

Constatou que os outros reclusos, mais instruídos religiosamente, moviam os lábios sem cessar, mas só ao fim de algum tempo reuniu coragem para perguntar porque o faziam.

"Estou a rezar", explicou Ayman. "Devemos rezar constantemente, devemos arrepender-nos a todo o momento, devemos purificar-nos em permanência.

Não te esqueças de que fazer o salat cinco vezes ao dia é o mínimo exigido aos crentes e que Alá até queria que o fizéssemos mais vezes."

Ahmed passou a ter as orações nos lábios murmurantes, embora por vezes se esquecesse e só a imagem de um outro irmão a rezar o lembrasse do seu dever de bom muçulmano. Vendo-o sempre tão devoto, Ayman vinha ter com ele com frequência para lhe revelar mais facetas do verdadeiro islão.

O antigo aluno já tinha todo o Alcorão decorado, o que fazia dele um hafiz, "aquele que preservou", mas o facto é que, tal como a maioria dos crentes, não compreendia bem o seu conteúdo; as implicações filosóficas, políticas e teológicas escapavam-lhe. O

árabe do século vil em que o Livro Sagrado estava escrito era de difícil compreensão. Para agravar as coisas, os versículos só podiam ser entendidos quando integrados nos abadith que explicavam as circunstâncias que os originaram. Ahmed suspeitava por esta altura que o xeque Saad tinha propositadamente evitado revelar-lhe o contexto de muitos dos versículos, pelo que buscava em Ayman a explicação que tudo esclareceria.