Выбрать главу

"O cristão Adi foi ter com o Profeta, que a paz esteja com ele, e ouviu-o recitar o versículo que diz que os Adeptos do Livro, em vez de Deus, escolheram prestar culto aos seus rabinos e aos seus padres. O cristão negou que isso fosse verdade e Maomé, que a paz esteja com ele, para demonstrar que tinha razão, sentenciou: «Tudo o que os seus padres e os seus rabinos consideram permissível, eles aceitam como per-missível; tudo o que eles declaram proibido, eles consideram proibido e, dessa forma, prestam-lhes culto»."

Ahmed meditou por momentos no sentido do baditb que acabara de lhe ser relatado.

"Portanto, o Profeta achava que os kafirun não adoravam Deus, mas os intermediários de Deus", concluiu.

"Claro. Mas este hadith tem especial importância porque estabelece que a obediência a leis e decisões humanas constitui uma forma de prestar culto.

Assim sendo, quem aceite leis cuja fonte não é Alá está a prestar culto a algo diferente de Alá. Como sabes, meu irmão, isso é contra o islão. Quem o fizer torna-se kafir. Não te esqueças de que até o próprio califa Ali foi destituído e morto por não ter respeitado integralmente a sharia. Ninguém está acima da Lei Divina! Nem califas, nem presidentes, nem polícias! Alá é a única autoridade."

"E... e no caso das leis do nosso país? Como se compatibilizam elas com o islão?"

O antigo professor respirou fundo, como se a referência ao assunto o enervasse.

"Alá me dê paciência!", murmurou. "Hoje não a tenho!"

Sem pronunciar mais uma única palavra, levantou-se e foi--se embora.

Foram precisos dois dias para Ayman reunir toda a paciência de que era capaz e voltar a sentar-se com Ahmed para abordar o assunto que o enervava.

Trazia consigo um grosso livro azul que mostrou ao seu pupilo.

"Isto é o Código Penal do Egipto", anunciou, começando a folhear o livro azul à procura das partes que considerava relevantes. "Deixa-me mostrar-te aqui o artigo 274... ora cá está!" Afinou a voz para ler o texto. "«Uma mulher adúltera deve ser presa até dois anos.»" Olhou para o seu interlocutor. "Agora recita-me o que diz Alá na sura 24, versículo 2 do Livro Sagrado."

Ahmed fez um esforço de memória; sabia que o mestre não estava apenas a questioná-lo sobre aquele versículo em particular, mas também a testar os seus conhecimentos do Alcorão.

"«À adúltera e ao adúltero, a cada um deles dai cem açoites»."

"E há também um hadith que relata a ordem do Profeta, que a paz esteja com ele, de lapidar até à morte um casal de adúlteros", acrescentou Ayman.

"Existe ainda um outro baditb que revela que Alá recitou ao Profeta, que a paz esteja com ele, um versículo a ordenar a lapidação até à morte dos adúlteros,

mas

esse

versículo

perdeu-se

inadvertidamente. Para todos os efeitos, o que nos interessa é que Alá manda no Santo Alcorão dar cem açoites aos adúlteros e a sunnah do Profeta, que a paz esteja com ele, ordena que eles sejam executados por lapidação. Mas a nossa lei, pasme-se, appenas prevê até dois anos de prisão às adúlteras e até seis meses de prisão aos adúlteros! É isto o islão?" "Claro que não."

Ayman folheou de novo o Código Penal egípcio.

"Agora o artigo 317", disse, localizando rapidamente a página que procurava. "Ora escuta: «A sentença por roubo é três anos de prisão com trabalhos forçados»." Ergueu os olhos. "Agora recita-me a ordem de Alá na sura 5, versículo 38."

Ahmed precisou de alguns segundos para identificar mentalmente o trecho.

"«Cortai as mãos do ladrão»."

"O que o Profeta, que a paz esteja com ele, também ordenou, conforme contado em ahadith apropriados, explicando que o corte deveria ser da mão direita. Ou seja, Alá mandou cortar as mãos dos ladrões e o Profeta esclareceu que Ele se referia às mãos direitas, mas a nossa lei apenas prevê três anos de prisão com trabalhos forçados. Pergunto eu outra vez: é isto o islão?"

"Não, meu irmão, é evidente que não."

O antigo professor ergueu o Código Penal ao nível dos olhos e fez um esgar de desprezo.

"Já li a lei egípcia de trás para a frente e de cima para baixo e não vejo nada aqui a penalizar a apostasia. À luz da lei egípcia, qualquer pessoa pode deixar de ser crente e tornar-se kafir cristã ou outra coisa qualquer. Agora recita-me o que diz Alá na sura 2, versículo 217."

A sura 2 é o capítulo mais comprido do Alcorão, pelo que Ahmed levou algum tempo a localizá-lo na memória.

"«Aquele de vós que abjure a sua religião e morra é infiel, e para esses serão inúteis as suas boas acções nesta vida e na outra; esses serão entregues ao fogo»."

"O que é completado pela sunnah do Profeta, que a paz esteja com ele", atalhou Ayman. "Um haditb apropriado registou esta ordem do mensageiro de Alá, que a paz esteja com ele: «Matem quem renegar a nossa religião.»" Exibiu o livro azul que mantinha na mão. "Ou seja, Alá envia os apóstatas para o fogo e o Profeta manda matá-los, mas a lei egípcia nem sequer diz que isso é crime! E eu pergunto mais uma vez: é isto o islão?"

"Por Alá, claro que não!"

"Dei apenas três exemplos, mas há inúmeros outros em que se verifica absoluta dissonância entre a Lei Divina e a lei em vigor no Egipto." Fungou e escarrou. "Sabes o que o Egipto me faz lembrar?"

Ahmed abanou a cabeça.

"Antes de o Profeta, que a paz esteja com ele, ter começado a pregar a palavra de Alá, a Arábia estava toda ela mergulhada em jahiliyya, na ignorância de Deus. Uma sociedade jahili é justamente aquela que não se submete exclusiva e totalmente a Alá, vive na ignorância das Suas leis. Ora isso é muito grave porque a Lei Divina é a lei universal." Baixou-se e apanhou uma pequena pedra. "Estás a ver esta pedra? Vou largá-la." Deixou-a tombar. "Caiu, viste?

E porque caiu ela?"

"Por causa da lei da gravidade, meu irmão."

"Que é uma Lei Divina! A lei da gravidade é igual na Terra e na Lua, é igual hoje e há mil anos, é eterna e universal porque foi estabelecida por Alá. O mesmo se passa com a sbaria. A Lei Divina que Alá prescreveu para os homens, tal como a lei da gravidade e todas as leis da natureza, é eterna e universal,

válida

para

todos

os

homens

independentemente da sua raça ou nacionalidade, válida aqui ou na América, válida hoje, amanhã ou no tempo do Profeta, que a paz esteja com ele. A sbaria é a melhor lei porque vem de D&us e, <fue eu saiba, as leis das criaturas não se podem comparar com a lei do Criador."

"Portanto, temos de rejeitar as leis humanas."

"Com todas as nossas forças! A base da mensagem de Alá é essa mesmo: todos têm de aceitar a Lei Divina e rejeitar todas as outras leis. O princípio que tudo funda é a verdade eterna que tu enunciaste há pouco: «La illaha illallab», «não há nenhum Deus senão Alá.» Essa proclamação constitui uma declaração de guerra à possibilidade de os homens proclamarem leis que não são permitidas por Deus.

«La illaba illallab» tornou os homens livres uns dos outros. Um crente já não pode ser escravo de outro, todos somos finalmente livres e ninguém pode exercer autoridade sobre o outro. A única submissão é a Alá e à Sua sbaria. O islão pôs fim à justiça humana e instituiu a Justiça Divina. Alá disse que não se pode consumir álcool e logo os crentes obedeceram. Compara isso com os governos seculares jabilis, com toda a sua legislação, com todas as suas instituições, polícias e militares, e que têm tanta dificuldade em fazer com que uma pessoa obedeça às suas leis. A América também tentou abolir o álcool, ou não tentou? E conseguiu? Não é o fracasso da América em proibir o álcool, comparado com o sucesso do islão na mesma proibição, a prova de que a Lei Divina é muito mais eficiente do que as leis humanas?"