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"Além disso, somos mais livres."

"Mais livres? Somos totalmente livres! O islão liberta o homem das imperfeitas leis e tradições humanas e submete-o unicamente a Deus. O universo inteiro fica assim sob a autoridade de Alá, e o homem, sendo uma ínfima parte desse universo, passa a obedecer às leis universais. A Lei Divina regula todas as matérias e põe o homem em harmonia com o resto do universo. O ser humano liberta-se. No islão não interessa a raça, a língua, a nacionalidade, a classe social, somos todos gotas de água que se juntam num ribeiro e todos os ribeiros convergem para um grande rio que desagua no oceano imenso. Compara, por exemplo, o império de Deus com os impérios humanos do passado. Olha para o Império Romano! Já viste o que se passava aí?"

Ahmed ficou na dúvida sobre o sentido da pergunta.

"Acabou?"

"Claro que o Império Romano acabou, isso era inevitável. O que eu quero dizer, no entanto, é que se juntavam aí pessoas de todas as raças, mas a relação entre elas não era livre. Uns eram nobres e outros eram escravos, e os Romanos mandavam mais do que as pessoas de outras regiões. Olha para os grandes impérios europeus, como o britânico, o espanhol, o português ou o francês! Todos eles eram fundados na ganância e no orgulho, na opressão e na exploração de povos. Olha para o império comunista!

Em vez de mandarem os nobres, ali quem manda é o proletariado, ou, para ser mais verdadeiro, uma elite privilegiada que usurpou o poder em nome do proletariado. Todo o comunismo é fundado na luta de classes, não na harmonia. Compara tudo isso com o islão, que liberta o ser humano destes grilhões e o submete universalmente à Lei Divina. No seu sentido mais profundo, «la illaha illallab» significa que todos os aspectos da vida humana devem ser regulados pela sharia, mas isso, meu irmão, tem uma importante consequência. Sabes qual é?"

A pergunta era retórica e Ahmed permaneceu calado.

"Aqueles que se revoltam contra a soberania de Alá e decidem proclamar leis humanas têm de ser enfrentados! Deus quis que o Profeta, que a paz esteja com ele, pusesse fim à jabiliyya e impusesse a Lei Divina entre os homens. Impusesse, repito. O

problema é que, com o tempo, a sharia foi suspensa e a vontade de Alá já não está a ser respeitada>entre os homens."

"O meu irmão acha que o Egipto vive agora em jabiliyya}" "Então não vive?", perguntou Ayman, o corpo inteiro de súbito a tremer, o tom de voz a inflamar-se. "Então não vive? Alá instituiu o islão justamente para pôr fim ao culto das imperfeitas leis humanas. Todas as pessoas da Terra devem obediência a Deus e a Deus apenas. Ninguém tem o direito de fazer leis. Aceitar a autoridade pessoal de um ser humano é aceitar que esse ser humano partilha a autoridade de Alá. Isso é heresia! Isso é a fonte de todos os males do universo!"

Incapaz de permanecer sentado, ergueu-se num gesto de exaltação, o braço erguido a sublinhar as sentenças empolgadas.

"Só há um Deus: Alá! Só há uma autoridade na Terra: Alá! Só há uma lei: a sharia! Mas aqui, no Egipto e nos países que se dizem do islão, a autoridade é do governo e a lei que vigora é a lei desse governo. E eu pergunto: é isso o islão? Claro que não! Claro que não! Estes governos que se dizem do islão são, na verdade, jahili, uma vez que estabelecem limites à sharia, não punindo os adúlteros com a lapidação até à morte nem ordenando a amputação da mão direita dos ladrões, nem sequer considerando que a apostasia é crime, conforme está previsto na Lei Divina. Uma pessoa pode ser adúltera, bêbeda ou até kafir, mas desde que obedeça à lei humana é classificada como boa cidadã! Isto faz algum sentido? E um crente que mate urna adúltera à pedrada, respeitando assim a sbaria, é, imagine-se!, classificado como criminoso e fanático e até vai para a prisão! E este um país islâmico? Como já te expliquei, Alá ordena no Santo Alcorão que se respeitem todos os Seus preceitos, não apenas alguns. Quem respeitar uns preceitos e ignorar outros é, em bom rigor, kafir. Isso significa que estes governos jahili que mandam em nós não passam, aos olhos de Deus, de governos kafirun."

Ahmed tentou digerir as implicações do que acabara de escutar. Os governos que não aplicam a sharia são kafirun, repetiu mentalmente. Isso significava que o seu governo era também kafir.

"Mas... mas... como podemos nós viver num país kafir}" "E isso justamente o que eu e os meus companheiros perguntamos. O Egipto é ou não é um país crente? Se é, tem de respeitar integralmente a Lei Divina. Se não a respeitar na totalidade, torna-se kafir."

"Tens toda a razão, meu irmão!", exclamou Ahmed.

"O que podemos nós fazer para impor o respeito pela vontade de Alá?"

Ayman, passada a paixão que o arrebatara momentos antes, voltou a sentar-se.

"Temos de derrubar o governo, não há outra possibilidade. Repito o que te disse: Alá quis que o Profeta, que a paz esteja com ele, pusesse fim à jahiliyya e impusesse a Lei Divina entre os homens. A palavra impusesse é aqui crucial, não me canso de o sublinhar. Somos, por isso, obrigados por Deus a reinstituir a comunidade islâmica na sua forma original, de modo a acabar com o estado de jahiliyya em que o mundo mergulhou. A soberania foi retirada a Alá e de novo transferida para o homem, fazendo com que uns homens mandem noutros e façam leis que contradizem a Lei Divina. Como resultado dessa rebelião, voltou a opressão. Olha para o nosso governo: não é ele corrupto? Não vês tu corrupção por toda a parte? Como é possível que os judeus tenham hoje mais força do que toda a umma? Como é possível que os cristãos mandem em nós e usem governos-fantocbes pam nos oprimirem? Como é possível que nos deixemos dividir? Precisamos de iniciar um movimento que una a umma, reinstitua a Lei Divina entre os homens e restabeleça o verdadeiro islão."

"Foi por isso que a Al-Jama'a matou o faraó?"

"Claro. Não foi por causa do acordo com os sionistas em Camp David, como alguns pensam. O

conflito com os sionistas é apenas um sintoma do mal, não o mal em si. O verdadeiro mal é termos leis humanas que se sobrepõem à Lei Divina. Todo o mal que está acontecer à umma é resultado desse erro.

Foi por isso que mandámos o faraó para o grande fogo!"

"Mas a morte dele não resultou", constatou Ahmed. "A jahiliyya continua."

"A matança do faraó foi um primeiro passo, que terá de ser seguido por outros. Não há alternativa.

As ordens de Alá no Livro Sagrado são muito claras e não vale a pena fingirmos que elas não estão lá, como fazem muitos que se dizem crentes e que são, na verdade, jabili."

Ahmed inspirou fundo e balançou-se no seu lugar, como um pêndulo, considerando o problema. Havia algum tempo que pensava no assunto, em particular desde que um turista que guiara pelo souq do Cairo lhe tinha dado uma ideia.

"Se calhar há um outro caminho", murmurou.

"Qual?"

"Houve um kafir que uma vez me falou na possibilidade de se mudar de governo sem grandes problemas", disse, falando devagar. "Ele chamou a isso democracia. Segundo esse kafir, é..."