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Quantas matanças não se fizeram em nome de Cristo?"

"Ordenadas por Cristo?"

"Não, claro que não. Mas em nome dele..."

"Não confunda coisas", rectificou Tomás. "Quando um cristão faz a guerra, é importante que perceba que ele está a desobedecer a Cristo. Não foi Jesus que disse que, quando nos batem numa face, devemos dar a outra? Ao recusar-se a dar a outra face e ao optar pela guerra, o cristão está a desobedecer ao seu Profeta, ou não está?"

"Claro que sim."

"Pois essa é uma importante diferença entre o cristianismo e o islão. É que, no islão, quando um muçulmano faz a guerra e mata gente pode estar simplesmente a obedecer ao Profeta. Não se esqueça de que Maomé era um chefe militar! No islão pode acontecer que o muçulmano que se recuse a fazer a guerra seja precisamente aquele que desobedece ao seu Profeta!"

Rebecca franziu o sobrolho, numa expressão de absoluta incredulidade.

"Está a falar a sério?"

"Registe isto que eu lhe vou dizer", acrescentou o historiador, quase a soletrar as palavras. "A maior parte do Alcorão é constituída por versículos relacionados com a guerra."

O rosto da americana manteve desenhada a incredulidade.

"Isso não pode ser!", exclamou. "Sempre ouvi dizer que o islão é totalmente pacífico e tolerante."

"E é, se formos todos muçulmanos. O islão impõe regras de paz e concórdia entre os crentes. O

problema é se não formos muçulmanos. Está escrito no Alcorão, creio que no capítulo 48: «Muhammad é o Enviado de Deus. Os que estão com ele são duros com os incrédulos, compassivos entre si.» O

compassivos entre si é lido como uma ordem de tolerância entre os crentes e o duros com os incrédulos de intolerância para com os infiéis. No nosso caso, os não muçulmanos, as

ordens inscritas no Alcorão ou no exemplo de Maomé são

que temos de pagar aos muçulmanos uma taxa humilhante.

Se não o fizermos, seremos mortos. Ou seja, se levarmos à

letra as regras do islão, a escolha é muito simples: ou nos

convertemos em muçulmanos, ou nos humilhamos, ou somos

assassinados." *

"Mas eu nunca ouvi falar nisso..."

"Nunca ouviu porque no Ocidente estes factos são ocultados. A versão do islão que nos é apresentada é uma versão expurgada destes pormenores perturbadores. Dão-nos uma versão cristianizada do islão. É até frequente ouvir líderes islâmicos no Ocidente a citarem textos sufis para mostrar que o islão é só paz e amor. Acontece que o sufismo é um movimento místico islâmico muito minoritário e com forte influência cristã, coisa que não nos é explicada. A ideia que fica é que o islão é muito próximo do cristianismo, o que não é bem verdade.

Maomé fazia coisas que, sendo naturais naquele tempo, são hoje inaceitáveis para uma mente ocidental. Essas coisas são-nos cuidadosamente escondidas."

"Hmm... isso é novidade para mim", disse Rebecca com um esgar céptico. "Dê-me exemplos de coisas que não nos são contadas."

"Olhe, a primeira grande batalha em que Maomé esteve envolvido foi a batalha de Badr, contra a sua própria tribo de Meca. Os muçulmanos venceram e os líderes inimigos foram mortos ou capturados. Um deles, chamado Uqba, implorou pela sua vida e perguntou a Maomé quem olharia pelos seus filhos no caso de ele ser executado. Sabe o que o Profeta lhe respondeu? «O Inferno», disse, e mandou matá-lo.

Um outro líder inimigo, chamado Abu Jahl, foi morto e o muçulmano que o decapitou exibiu a cabeça decepada diante de Maomé.

Ao ver a cabeça, e depois de se certificar de que se tratava realmente de Abu Jahl, o Profeta deu graças a Deus pela morte do seu inimigo."

"Jesus!", exclamou Rebecca. "Isso aconteceu mesmo?"

"Está amplamente documentado", assegurou Tomás. "Daí que o antigo líder da Al-Qaeda no Iraque, Al-Zarkawi, tenha invocado este incidente quando decapitou um refém americano em 2004. Se bem me lembro, Al-Zarkawi disse: «O Profeta, o mais misericordioso, ordenou que se cortassem os pescoços de alguns prisioneiros em Badr. Ele estabeleceu um bom exemplo para nós.»"

Rebecca mordeu o lábio.

"Daí que estes fundamentalistas andem a decapitar reféns..." "Estão simplesmente a seguir o exemplo do Profeta, coisa que o Alcorão lhes ordena que façam."

"E há mais situações dessas?"

"Quer mais?", admirou-se Tomás. "Então vou contar-lhe a história de uma tribo judaica que se recusou a converter-se ao islão. Eram os Qurayzah.

Maomé cercou a tribo durante quase um mês e os Qurayzah acabaram por se render. Maomé pediu--lhes que escolhessem alguém que decidisse o seu destino. Os judeus escolheram um muçulmano chamado Mu'adh, que já conheciam e de quem esperavam clemência. Mas Mu'adh optou por executar os homens e escravizar as mulheres e as crianças. Ao tomar conhecimento desta decisão, Maomé disse: «Decidiste em conformidade com o julgamento de Alá lá em cima nos sete céus.» Maomé foi então ao mercado de Medina e ordenou a abertura de uma trincheira no chão. Depois mandou buscar os prisioneiros e, à medida que eles lhe eram apresentados, decapitava-os nas trincheiras. As mulheres e crianças cativas foram depois entregues aos muçulmanos, com excepção daquelas que se converteram ao islão."

"Que horror! Tem a certeza de que isso aconteceu?"

"Claro que sim. Aliás, há até um versículo do Alcorão que se refere a este episódio." Rebecca abanou a cabeça. "Não fazia ideia nenhuma disso."

"E o que eu lhe estava a tentar explicar há pouco", insistiu o historiador. "No Ocidente é apenas apresentada^uma jíersão cristianizada do islão, havendo sempre o cuidado de eliminar todos estes pormenores que nos poderão chocar e alienar. Está a ver Jesus a mandar cortar cabeças de pessoas e a dizer a condenados que quem vai tratar dos seus filhos será o Inferno e a vangloriar-se perante a cabeça decepada de um inimigo? Isto é chocante para nós e é por isso que estes pormenores não nos são revelados! Mas é importante que os conheçamos para percebermos melhor a Al-Qaeda, o Hamas e toda essa gente."

"Claro, tem razão."

"Lembre-se de que os fundamentalistas não estão a inventar nada. Limitam-se a executar à letra as ordens do Alcorão e a seguir o exemplo do Profeta.

Eles citam profusamente os textos sagrados do islão e o grande problema é que, quando vamos às fontes verificar o que está lá de facto escrito, descobrimos que os fundamentalistas têm razão. Está lá mesmo escrito o que eles dizem que está escrito."

"Mas isso é muito grave!", exclamou Rebecca. "Se as coisas são realmente assim, então..."

"Pessoal."

"... não estou a ver como poderemos nós..."

"Pessoal!"

A segunda vez, o tom de voz tornou-se mais peremptório e conseguiu sobrepor-se àquele diálogo empolgado. Rebecca e Tomás pararam de falar, voltaram a cabeça para os bancos da frente e viram Sam inclinado para trás, a olhá-los.

"O que é, Sam?"

"Odeio interromper a vossa conversa. Vocês parecem tão entusiasmados que até me custa."

"Está bem, mas o que é? Passa-se alguma coisa?"

O operacional voltou o braço para eles, exibiu o relógio e bateu com o dedo no mostrador.

"Está a chegar a hora."

XXX

Sempre que Ahmed se aproximava do grupo de presos da Al-Jama'a al-Islamiyya que rodeava Ayman, ficava atento e escutava as conversas que se cruzavam no ar. Os temas eram variados, da teologia à política e à filosofia, mas nessas múltiplas conversas, umas serenas e outras apaixonadas, destacava-se sempre uma palavra por todos repetida a qualquer instante.