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Jihad.

Como conhecedor de árabe e bom muçulmano, Ahmed sabia muito bem o que ela significava. A origem do termo estava em juhd, uma palavra que queria dizer esforço, luta, tentativa, acto de batalhar. O seu sentido correcto emergia naturalmente do contexto. Mas, ainda como conhecedor da língua árabe e bom muçulmano, Ahmed não ignorava que, no âmbito daquelas discussões, ela significava sobretudo guerra santa, o combate pelo caminho de Alá.

Nessa manhã, enquanto aguardava que Ayman estivesse disponível para lhe explicar mais uma questão teológica,

Ahmed sentiu o olhar de um dos elementos da Al-Jama'a pousar sobre ele. Era um homem com uma cicatriz a cortar--lhe a cara e de olhos negros penetrantes como adagas; dizia--se que já matara dois polícias.

"Meu irmão, porque não te juntas à jibad?", perguntou o homem, o tom entre a provocação e o desafio. "Porventura não queres agradar a Alá?"

"Claro que quero."

"Então a jihad é o caminho."

"Há muitas maneiras de fazer a jibad", argumentou Ahmed, papagueando o que o xeque Saad lhe ensinara anos antes.

O homem da Al-Jama'a riu-se, trocista, e abanou a cabeça com uma ponta de desprezo.

"Essa é a desculpa de quem não quer fazer a jibad e prestar serviço a Alá. Assim não vais pelo bom caminho, meu irmão."

A interpelação deixou Ahmed perturbado. Isto é uma desculpa? O que queria ele dizer com isso? Era ou não verdade que havia várias maneiras de fazer a jibad? O tom trocista implícito na observação do recluso da Al-Jama'a incomodou-o, não apenas pelo mérito da questão em si, mas também porque admirava aqueles homens. Por Alá, eles tinham enfrentado o governo e morto o faraó! Fizeram-no sabendo que iriam ser perseguidos, torturados e executados, mas fizeram-no! Que coragem!

Fizeram-no porque estavam ao serviço de Alá e puseram Alá acima das suas próprias vidas! Que fé!

Eram realmente dignos de admiração! E um destes homens, um destes bravos, um destes heróis que tanto admirava... troçara dele por causa da sua resposta!

Por Alá, teria de tirar tudo aquilo a limpo!

Quando Ayman ficou finalmente livre para o elucidar sobre a questão que o levara até ele, Ahmed mudou de ideias e preferiu questioná-lo sobre a guerra santa.

"O que sabes tu sobre a jihad?", perguntou Ayman quando o seu pupilo mencionou o assunto.

"Sei o que o xeque Saad me ensinou nas lições privadas e o

que ele dizia na mesquita."

*

"Ah, o sufi!", exclamou Ayman com um tom de desprezo a colorir-lhe as palavras. "E o que te ensinou ele, meu irmão?"

"Disse-me que a jihad se refere a vários tipos de luta, não apenas à luta militar, e que pode ser a batalha moral que uma pessoa leva a cabo para resistir ao pecado e à tentação."

"E que versículo do Santo Alcorão citou ele para sustentar tão interessante observação?"

A pergunta, feita com inconfundível ironia, deixou Ahmed um pouco atrapalhado.

"Bem, quer dizer... ele não citou o Livro Sagrado..."

"Então? Citou o quê?"

"Um haditb."

"Que haditb é esse? Conta-me lá."

"É um haditb que relata que, quando Maomé veio de uma batalha, disse aos amigos que regressava da pequena jihad e que ia agora para a grande jihad.

Quando os amigos lhe perguntaram o que queria ele dizer com isso, o apóstolo de Alá respondeu que a pequena jihad era a batalha da qual tinha vindo para lutar contra os inimigos do islão e que a grande jihad é a luta espiritual da vida muçulmana."

Ayman passou os dedos deformados pela barba grisalha, uma expressão sibilina a cintilar-lhe nos olhos.

"Diz-me, meu irmão, onde está relatado esse haditb?"

"Enfim... isso não sei."

"Mas sei eu!", atalhou o mestre, de repente peremptório, a voz a ganhar vigor. "Esse episódio é mencionado por Al-Ghazali, que viveu cinco séculos depois do Profeta, que a paz esteja com ele. Sabes quem foi Al-Ghazali, presumo..."

Ahmed baixou a cabeça, quase envergonhado.

"O fundador do sufismo."

"Não admira que o teu mullab te tivesse enchido a cabeça com esses disparates cristãos! A batalha em nome de Alá é pequena jihad? Hmpf! E preciso não ter vergonha!" Apontou o dedo ao pupilo. "Para tua informação, Al-Ghazali menciona esse badith sem citar a sua fonte. Esse hadith não consta da lista de ahadith compilada no Sabib Bukbari ou no Sabib Muslim. E, pois, um hadith falso, inventado pelos sufis para, aos olhos dos crentes, enfraquecer a importância da espada. Aliás, basta ler o Santo Alcorão e todos os ahadith credíveis para perceber que essa história disparatada é incoerente com a palavra de Alá ou a sunnah do Profeta, que a paz esteja com ele. Em ponto algum do Livro Sagrado Alá descreve a jihad nesses termos, nem Maomé, que a paz esteja com ele, o fez em qualquer hadith citado por Al-Bukhari ou Al-Muslim, os mais fiáveis de todos os ahadith jamais compilados. Esquece, pois, essa história disparatada que te contaram."

Ahmed manteve a cabeça baixa, quase como se estivesse arrependido e se quisesse penitenciar.

"Sim, meu irmão."

"Que mais disparates te contou o teu mullah sobre a jihad?"

"Contou-me que existem três categorias de jihad: a jihad da alma, a jihad contra Satanás e a jihad contra kafirun e hipócritas. Disse-me que tem de se completar a primeira para passar à seguinte."

"Hmm!", murmurou Ayman, ponderando a exposição que acabara de ouvir. "O teu mullah é manhoso, usou a verdade para te enganar. Sabes, é verdade que essas três jibads existem e é verdade que são categorias. Mas o problema é que o teu mullah, embora reconheça explicitamente que elas são categorias, se finge despercebido e as trata como se fossem etapas. Não são etapas! Se fossem etapas, eu teria de deixar de lutar contra Satanás enquanto estivesse a lutar pela minha alma. Ora isso não faz sentido nenhum, pois não? A ve-rdade»é que essas três categorias caminham lado a lado, de mão dada!

Eu faço a jibad da alma ao mesmo tempo que faço a jihad contra Satanás e ao mesmo tempo que faço a jibad contra kafirun e hipócritas. Uma jihad não exclui as outras, antes as complementa e as ajuda!

Percebeste?" "Sim, meu irmão."

"Para entenderes a jibad e a ordem de Alá para a fazer tens de começar por compreender uma coisa", disse o mestre. "A revelação da sbaria foi gradual. O

Profeta, que a paz esteja com ele, não recebeu todas as revelações de uma só vez. Alá preferiu desvendar a Lei Divina por etapas e ao longo de muitos anos.

Primeiro nomeou o Seu mensageiro, que a paz esteja com ele, e mandou-o converter a sua família e as tribos, sem combater nem impor o pagamento de jizyab, o imposto que os kafirun têm de pagar para poderem viver com os crentes. Por ordem de Alá, os treze anos do Profeta em Meca, que a paz esteja com ele, foram assim passados apenas em pregação.

Depois Alá mandou-o emigrar para Medina e pregar para as tribos que aí viviam. Mais tarde, Deus deu-lhe autorização para combater, mas apenas aqueles que o combatiam. O Profeta, que a paz esteja com ele, não foi autorizado a fazer guerra contra aqueles que não lhe faziam guerra. A seguir, Alá mandou-o combater os politeístas até que a Lei Divina fosse inteiramente instituída. Quando esta ordem de jihad foi dada, os kafirun foram divididos em três categorias: os que estavam em paz com os crentes, os que estavam em guerra com os crentes e os dbimmies, aqueles que viviam connosco e pagavam a jizyab, recebendo assim a nossa protecção.