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Apesar da espectacularidade da mesquita, o que ali o deixava embasbacado era sobretudo o Portão Alamgiri, a porta de acesso ao forte. Tratava-se de uma entrada enorme. Tomás sabia pelos livros de história que era costume no tempo dos moguls passarem por ali elefantes com os membros da família real no dorso. Encarou a porta e esforçou-se por imaginar a cena: elefantes a cruzarem o Portão Alamgiri. Que espectáculo devia ter sido!

Espreitou o relógio. Onze e

quarenta e cinco.

Faltavam quinze minutos para a hora que combinara com Zacarias. Passeou de novo os olhos pela praça, atento aos rostos que por ali circulavam, mas mais uma vez não identificou a face familiar. Teria havido algum problema? Será que o seu antigo aluno iria mesmo aparecer?

Crrrrrr.

"Bluebird."

Desta vez era uma voz feminina ao auricular.

"O que é, Rebec..." Não concluiu o nome, lembrando-se do que Jarogniew lhe dissera minutos antes. Não podia chamar ninguém pelo nome. Mas qual era o código que a identificava? "O que é, Sbopgirl?"

"Estou a..." Crrrrrr "... mesmo em..." Crrrrrr "...

minarete que..."

Crrrrrr.

"Diga lá outra vez?"

Crrrrrr.

"... e não sei..." Crrrrrr.

"Shopgirl?" Crrrrrr.

A comunicação com Rebecca parecia comprometida.

Por

segurança, Tomás chamou Jarogniew pelo nome de código.

"Alpha? Está tudo bem?"

*

Crrrrrr. "Alpha?"

Crrrrrr.

Tornava-se claro que, por qualquer motivo, as comunicações tinham ido abaixo. Com uma interjeição irritada, Tomás deu meia volta e regressou para junto da carrinha.

"Fiquei sem comunicação."

Mal Tomás entrou na viatura, Jarogniew retirou-lhe do cinto o pequeno aparelho de recepção e emissão e pôs-se a fazer testes para localizar o problema. Apercebendo-se de que surgira um imprevisto, Rebecca voltou também para a carrinha para se inteirar do que se passava.

"Tens dez minutos para resolver isso", avisou ela na direcção de Jarogniew.

"Fica descansada", retorquiu o operacional, embrenhado no aparelho.

Tomás e Rebecca instalaram-se nos bancos de trás, numa expectativa nervosa. A hora do encontro estava a chegar e havia problemas nas intercomunicações. Que mais iria correr mal? Muito experiente em situações de tensão, a americana tinha consciência de que nada dependia dela nesse instante e o melhor era mesmo tentar descontrair-se. Precisava de afastar a cabeça daquela dificuldade e a melhor maneira era distraí-la com outro assunto.

"Ainda estou a pensar naquilo que me contou há bocado", murmurou. "Confesso que fiquei chocada."

"Compreendo", devolveu Tomás. "Mas não é caso para tanto."

"Como não é caso para tanto?"

O historiador balançou a cabeça. Explicar história a leigos tinha os seus inconvenientes...

"Você precisa de perceber que Maomé era um homem do século vil", disse. "As coisas que ele fez têm de ser compreendidas no contexto daquele tempo. O facto é que Maomé uniu os Árabes e ergueu uma civilização. Promoveu o monoteísmo, encorajou a caridade, estabeleceu regras de convivência social... fez muita coisa. Foi sem dúvida um grande homem. Não podemos é avaliá-lo à luz da moral vigente hoje em dia no Ocidente. A nossa moral está impregnada de valores cristãos, embora nem sequer nos apercebamos disso, pelo que temos tendência a olhar para as coisas segundo esses valores."

"Está a insinuar que devemos aceitar o que os fundamentalistas fazem?"

"Não, de modo nenhum. Temos de ser tolerantes com os tolerantes e intolerantes com os intolerantes. A Inglaterra e a América foram tolerantes com o nazismo e veja no que isso ia dando!

Não podemos ser ingénuos ao ponto de pensarmos que há espaço de diálogo com os intolerantes. Não há! A Al-Qaeda é intolerante. A Lashkar-e-Taiba é intolerante. O Hamas é intolerante. Eles seguem à risca o Alcorão e ambicionam impor o islão a todo o mundo. Às vezes vejo intelectuais ocidentais a defender que se deve dialogar com a Al-Qaeda ou com o Hamas e isso dá-me vontade de rir. Só pode dizer isso quem não tem a mínima noção do que..."

"Rapaziada, não se querem calar?"

Era Jarogniew que testava o aparelho.

"Nós falamos mais baixo", prometeu Rebecca.

"Estou a tentar concentrar-me, goddam it!"

"Pronto, está bem!", disse ela, baixando de seguida a voz. "O que está a dizer, Tom, é que temos de enfrentar os muçulmanos."

"Errado."

"Desculpe, foi o que depreendi das suas palavras."

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"O que eu disse é que temos de enfrentar o que habitualmente se designa por fundamentalismo."

"Mas os fundamentalistas aplicam os preceitos contidos no Alcorão e no exemplo do Profeta, certo?"

"Sem dúvida."

"Isso não faz deles os verdadeiros muçulmanos?"

Tomás riu-se.

"Você parece o Bin Laden a falar."

Rebecca esperou pelo resto da resposta, mas, como ela não veio, insistiu.

"Faço notar que a minha pergunta não foi respondida..."

"Não sei se posso responder a essa pergunta", confessou o historiador. "Isso é muito sensível.

Quando estive no Cairo apercebi-me de que, bem lá no íntimo, muitos muçulmanos se interrogavam sobre se os fundamentalistas não teriam afinal razão. Tudo o que os fundamentalistas dizem é, no fim de contas, sustentado por versículos do Alcorão e por exemplos reais da vida de Maomé. Nada daquilo é inventado.

Isso deixa muitos muçulmanos desconfortáveis, como deve calcular, sobretudo porque o Alcorão estabelece que, para se ser verdadeiramente um muçulmano, é preciso respeitar todos os preceitos do islão, não apenas alguns. Goste-se ou não, fazer a jihad contra os infiéis é um dos preceitos. Ponto final."

"Se assim é, por que razão os muçulmanos em geral não cumprem à letra esses preceitos?"

"Isso dá uma longa conversa!" Fez uma pausa.

"Quer mesmo que eu lhe explique isto?"

"Enquanto o Jerry não resolver o problema, sim."

Tomás olhou para o americano, que inspeccionava o interior do aparelho de som, e depois espreitou a multidão lá fora. Não havia sinais de Zacarias.

Mesmo que houvesse, Rebecca tinha razão. Não se podia fazer nada enquanto o problema técnico não fosse resolvido.

"Oiça, uma parte importante dos muçulmanos são fundamentalistas no sentido em que acreditam no respeito e na aplicação dos fundamentos da lei islâmica", disse, tentando abstrair-se do problema que os preocupava naquele momento. "O que se passa é que uns acham que é preciso aplicar imediatamente a sharia na íntegra, e são esses que designamos habitualmente por fundamentalistas ou radicais.

Estou a falar dos fanáticos que nos declararam uma guerra até à morte e andam a fazer matanças por toda a parte. Os outros fundamentalistas são os conservadores. Estes também querem exterminar o Ocidente, mas têm noção de que o inimigo é mais forte do que eles e preferem um entendimento temporário, enquanto esperam o momento mais propício para atacar. Os terceiros são os seculares, que percebem que os tempos mudaram e que certos preceitos estabelecidos por Maomé no século vii reflectem a realidade desse século e não podem ser transpostos para a actualidade. Estes são genuinamente pacíficos, mantêm-se muçulmanos mas querem viver em paz e aceitam o Ocidente."