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"Portanto, a maioria é secular."

"Sim, acho que se pode dizer isso. E um facto, porém, que, em alguns casos, a maior parte de uma população muçulmana pode ser fundamentalista. Não foi a revolução islâmica que contou com amplo apoio popular no Irão? Não foi o Hamas que ganhou as eleições na Palestina? Não foi a Frente de Salvação Islâmica que venceu a primeira volta das eleições na Argélia - e só não ganhou a segunda volta porque o acto eleitoral foi cancelado? Os fundamentalistas argelinos andavam a cortar o pescoço a milhares de pessoas e, pelos vistos, a maior parte da população aprovava! Isso mostra que os fundamentalistas gozam de uma sustentação popular maior do que gostamos de pensar, embora em geral sejam de facto minoritários."

"Portanto,

se

bem

entendi,

temos

os

fundamentalistas, os conservadores e os seculares."

"Sendo que os seculares são tendencialmente maioritários", insistiu Tomás. "Mas não tenha ilusões: os dois outros grupos são muito perigosos e, pelo menos em alguns países islâmicos, constituem sem dúvida a maioria. Não podemos ser ingénuos ao ponto de acreditar que os muçulmanos são todos muito tolerantes e o conflito que existe se deve a meros problemas sociais e à existência de Israel. A questão é infelizmente muito mais vasta e perigosa do que isso. A maioria pode ser secular, mas, ao mesmo tempo, é também silenciosa. Já a minoria fundamentalista é muito activa e ruidosa."

"Estou a ver."

"O islão está, pois, a viver um grande despertar.

Existe uma vontade muito forte por parte de alguns muçulmanos de passar à ofensiva e estender o islão a todo o planeta, impondo..."

"Está pronto!"

Olharam para a frente e viram Jarogniew com o aparelho na mão, preparado para o reinstalar. Tomás ergueu-se e foi ter com o americano, que pregou o aparelho ao cinto do historiador e começou a fazer as ligações.

"Então? Qual era o problema?"

"Havia uns fios que estavam a fazer mau contacto", explicou Jarogniew. "Este problema é muito frequente e às vezes põe em risco as operações. Eu lembro-me de uma vez em que..."

Mas Tomás já não o ouvia. Tinha os olhos presos num rapaz de shalwar kameez branca e turbante cinzento que viu a passar lá fora. O vulto parecia-lhe familiar, mas não tinha a

certeza; a barba negra era maior e o corpo ligeiramente mais magro. As dúvidas, porém, desfizeram-se no momento em que o rapaz levantou por instantes o rosto.

"Ele está aqui", murmurou.

"O quê?"

"O Cbarlie chegou."

XXXII

A visita da mãe à cadeia de Tora era sempre um acontecimento aguardado com grande expectativa por Ahmed. O pai recusava-se a ir vê-lo, dizia que o filho o envergonhara e trouxera desgraça e desonra à família, mas mãe era mãe. As visitas aos reclusos que não estavam confinados a alas especiais eram autorizadas duas vezes por mês e a mãe jamais faltou a uma. Era dos primeiros visitantes a entrar e levava--lhe habitualmente merendas caseiras que faziam as delícias do filho e o compensavam pelo rancho austero da prisão.

A princípio os guardas inspeccionavam com grande cuidado essas merendas, abrindo-as e mergulhando os dedos sujos na comida. Quando ouviu o seu pupilo queixar-se destas inspecções, Ayman explicou-lhe o que devia fazer para evitar que a comida fosse assim conspurcada.

"Baksheesh."

"O quê?"

"Tens de pagar aos guardas!"

Embora fosse elementar, a ideia parecera-lhe genial. A partir do instante em que os carcereiros começaram a receber um suborno, que podia ser em dinheiro ou em tabaco, tudo se tornou de facto mais fácil.

A mãe trazia sempre a ansiedade desenhada no rosto; no fim de contas não era fácil ter um filho na prisão. Mas, nesse dia, quando a viu, Ahmed apercebeu-se de que, dess» feita havia algo de diferente nela; era a expressão que lhe bailava no rosto, não parecia tão ansiosa e tinha um ar de certo modo feliz, o que o surpreendeu.

"O que se passa?", perguntou-lhe logo que se sentaram juntos na sala das visitas.

Ela fitou-o com um sorriso luminoso.

"Não me digas que não sabes..."

"Eu não."

"A moção que submetemos ao tribunal foi deferida." Ahmed manteve um ar indiferente. "E

então?"

A mãe fez um ar quase escandalizado, chocada com a displicência do rapaz.

"E então?", admirou-se. "Ó filho, o juiz decidiu que deves ser libertado! Achas pouco?"

Ahmed encolheu os ombros.

"Isso é uma mera formalidade", observou sem entusiasmo. "Não vale nada."

"O que queres dizer com isso?"

"Mãe, eu já estou preso há ano e meio.

Cumprindo-se metade da pena, e não havendo queixas em relação ao meu comportamento, é normal que o juiz determine a minha liberdade condicional."

"Mas... e ainda te queixas? Condicional ou não, o que vais ter é a liberdade! O juiz mandou que te libertassem! Achas pouco?"

"Quando será isso?" "Daqui a duas semanas." Ahmed riu-se sem vontade. "O mãe, acredita mesmo nessa conversa?" "Claro que acredito." Olhou-o com ar desconfiado. "Porquê? Não devia acreditar?" "Claro que não." "Porquê?"

Ahmed apontou para o guarda prisional que vigiava a sala.

"Porque eles são uns mentirosos! Porque eles fazem o que querem! Alguma vez me vão libertar?"

"Mas a decisão não foi dos guardas, filho. Nem foi do governo. Foi do juiz."

"E depois? Olhe, já vi aqui quatro casos de irmãos da Al-Jama'a a quem o juiz deu ordem de libertação.

Sabe o que lhes aconteceu? Continuam presos! O

governo não quer saber das decisões dos juízes para nada! Se os juízes nos libertam, o governo invoca as medidas especiais previstas no estado de emergência e mantém-nos aqui fechados. Só sairemos daqui quando o governo decidir, não quando os tribunais decidirem..."

A mãe recuperou o sorriso.

"Olha lá, tu por acaso és da Al-Jama'a?"

"Bem... na verdade, não sou."

"Foi isso o que nos disse o tio Mahmoud, que conhece o pessoal da polícia. Parece que a polícia percebeu que não és da Al-Jama'a, e por isso não vai invocar o estado de emergência para impedir a tua libertação."

Ahmed cravou os olhos na mãe, perscrutando-a com atenção, como se tentasse ver através dela.

"A mãe está a falar a sério?"

"Claro que estou."

"A polícia disse isso ao tio Mahmoud?" Ela ergueu a mão frágil e, meiga e terna, passou-lhe os dedos quentes pelo rosto.

"Meu filho", disse, com doçura. "Vais para casa."

Também Ayman, já habituado às reiteradas práticas do governo em circunstâncias semelhantes, reagiu inicialmente com cepticismo à notícia. Mas os pormenores da conversa do tio Mahmoud com a polícia também acabaram por convencê--lo de que a libertação do seu pupilo estava agora iminente.

"Pois, a tua mãe tem razão", observou Ayman, balançando afirmativamente a cabeça. "Na verdade não estás filiado na Al-Jama'a. Eles devem ter procurado e, como é evidente, não encontraram nenhum documento nem nenhum testemunho que te ligue a nós. Portanto, é perfeitamente natural que te libertem."

Estavam na cantina da cadeia à hora do almoço e a sopa acabara de ser servida. Escutando distraidamente a opinião do seu mestre, Ahmed fez um gesto de abandono.

"E-me indiferente."

Ayman olhou-o com curiosidade.

"Não pareces muito satisfeito..."

"O que vou eu fazer lá para fora? O meu irmão disse, e muito bem, que vivemos numa sociedade jahili que se finge crente. Como acha que me sinto por estar lá fora e não poder fazer nada para impor a vontade de Alá? Como pode um verdadeiro crente viver no meio da jahiliyyar''