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Depois deslizou para cima dela e fez força para entrar. A coisa não resultou; devia haver qualquer mecanismo que ambos desconheciam. Teve então a ideia de lhe abrir as pernas e voltou a investir. Ela gemeu de dor no momento em que o marido conseguiu penetrá-la.

Foi uma refrega rápida e atabalhoada. Dois minutos depois, Ahmed levantou-se e foi lavar-se. A seguir foi a ve¿ dela de ir fazer as abluções. O

marido voltou ao quarto, acendeu a luz e constatou, uma centelha de alívio a perpassar-lhe pelos olhos, que uma pequena mancha de sangue sujava o lençol.

O campus universitário da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova situava-se em Monte de Caparica, perto do apartamento onde viviam. Inscreveu-se em Engenharia Electrotécnica e os tempos seguintes foram passados às voltas com as diferentes matérias do curso. Frequentou cadeiras com nomes bizarros como Electrotecnia Teórica, Instrumentação e Medidas Eléctricas, Conversão Electromecânica de Energia e Electrónica de Potência em Accionamentos. Não eram as disciplinas mais galvanizantes do mundo, mas Ahmed completou-as com competência e dedicação.

Se as coisas iam bem nos estudos, a verdade é que em casa não pareciam famosas. Adara andava permanentemente deprimida. Era muito diferente da menina alegre e divertida que ele admirara na loja dos cachimbos de água no Cairo.

Certo dia, quando chegou das aulas, deu com ela sentada no sofá a chorar.

"Que se passa? Que aconteceu?"

A mulher passou a mão pela face, limpando apressadamente as lágrimas, e endireitou-se. "Não é nada."

"Como assim, não é nada? Porque estás a chorar, mulher?"

Adara recusava-se a responder, mas Ahmed não admitiu o silêncio e exigiu que ela lhe explicasse o que se passava; não sairia dali enquanto não tirasse tudo a limpo. Tanto insistiu que a mulher acabou por se abrir.

"Sinto-me infeliz."

"Porquê? Tens saudades da família?" Ela balançou afirmativamente a cabeça. "Mas não é só isso, pois não? Há mais?" Ela não disse nada. "Então? Porque andas tão triste?"

Adara voltou a fechar-se num mutismo teimoso.

Mas a porta tinha sido entreaberta e Ahmed não ia aceitar que as coisas ficassem por ali; queria apurar o que se passava.

Voltou a insistir dias depois, até arrancar por fim uma confissão surpreendente.

"Não gosto do meu casamento." A revelação deixou-o chocado. "O quê?

Que dizes?"

Pela primeira vez desde que se unira àquele homem, Adara levantou o rosto e fixou o marido nos olhos, em desafio, como se dizer aquilo a libertasse.

"Não gosto de estar casada."

Aquela declaração era inaudita e deixou Ahmed atónito. Onde já se vira uma mulher dizer tal coisa ao marido? Teria ela enlouquecido?

"O que queres dizer com isso? Porventura trato-te mal?"

"Não, claro que não."

"Então? Qual é o problema?"

Ela baixou os olhos, deixando uma lágrima solitária escorrer-lhe pela face.

"Não sinto amor por ti."

Ahmed ficou a olhar para ela embasbacado.

Esperava que ela dissesse tudo menos aquilo.

"E desde quando isso é relevante?", perguntou por fim. "O que tem o amor a ver com isto? Es parva ou quê?"

A mulher encolheu-se toda, os olhos a saltitarem para um lado e para o outro, perdidos e desesperados.

"Eu queria um casamento... um casamento espexial, aetás a perceber? Um casamento em que houvesse uma grande paixão, em que me sentisse flutuar..."

"Estás maluca?"

"Eu quero um amor como os dos romances!"

O marido contraiu o rosto numa expressão perplexa.

"Quais romances? Do que estás tu a falar?"

"Estou a falar de uns livros que eu lia lá no Cairo às escondidas dos meus pais, como Barbara Cartland, Daphné du Maurier..."

"Lixo!", cortou Ahmed, subitamente enfurecido.

"Isso é tudo lixo! Isso são tudo ordinarices dos kafirun!"

"São livros belos!", argumentou ela. "Falam de amor, mostram um mundo em que as mulheres podem escolher a sua vida, se apaixonam, casam com o homem que querem e não com quem o pai lhes manda, tomam decisões suas, podem..."

"Isso é lixo!", repetiu o marido num tom tão agressivo que a obrigou a calar-se. "Esses livros dos kafirun não passam de obras do Diabo! Querer estar bonita em público, desejar atrair homens, buscar o prazer, divertir-se... tudo isso são seduções de Satanás! Não te esqueças de que esta vida é um teste temporário! O Diabo tem inúmeros estratagemas para nos desviar do bom caminho e esses livros imorais dos kafirun são um desses estratagemas!" Apontou para cima. "Mas Alá Al-Hakam, o Juiz, tudo observa, e se Ele nos vir a ceder à tentação irá barrar-nos o caminho para os jardins eternos! É isso o que tu queres, ir para o grande fogo?"

Adara abanou negativamente a cabeça; vivia aterrorizada com a possibilidade de ir para o Inferno.

"Então tem juízo!", ordenou ele. "Uma boa muçulmana evita as sensações animalescas que estão contidas nesses livros. Islão é submissão. As mulheres devem obediência aos seus maridos e a Deus, não a Satanás e à animalidade do corpo."

Adara voltou a fitá-lo.

"Mas, justamente, quando estamos os dois juntos, quando tu queres intimidade... é animalidade o que acontece. Não há romantismo, não há... sei lá, não há nada. E horrível!"

Ahmed respirou fundo.

"Só falas assim porque andaste a ler esses livros dos kafirun, com as suas descrições licenciosas e não islâmicas da intimidade entre marido e mulher. Mas fica sabendo que nenhuma boa muçulmana deve copiar o comportamento das ímpias. Uma boa crente evita vestir-se como elas, comportar-se como elas, ter intimidade como elas!"

"Ao menos as kafirun são livres."

"São ímpias!", exclamou ele em tom de quem não admite discussão. "Esses livros nojentos que andaste a ler afastam as boas muçulmanas do caminho de Alá."

"Eu gosto dos meus romances!"

Ahmed aproximou o rosto da mulher e falou entre dentes, numa voz baixa e tensa, carregada de ameaças: "Estás proibida de voltar a ler essas imundices."

As coisas não iam nada bem em casa. A conversa permitiu enfim a Ahmed perceber o problema e a sua origem, mas não o resolveu. Adara andava permanentemente infeliz e o marido

começou a intuir que o sogro é que tinha razão; no fundo ela era uma rebelde. Ahmed sabia que teria de ter o pulso firme para a domar e passou a vigiá-la com mais atenção, tendo especial cuidado com o que a mulher lia ou via na televisão.

Com o casamento em banho-maria, investiu fortemente nos estudos. Concluiu Engenharia em 1994, aos 25 anos, e, graças a uma recomendação dos seus contactos na,Al-Ja*na'a, começou a trabalhar em projectos de uma empresa saudita que abrira um escritório em Lisboa. Mas a curiosidade e um certo enfado pelo trabalho e pelos silêncios pesados em casa impeliram-no a procurar coisas diferentes.

Logo que arranjou emprego mudou para uma casa mais bem situada. O casal deixou o Monte de Caparica e transferiu-se para um apartamento à Praça de Espanha, perto dos escritórios da empresa e da Mesquita Central. Logo que completou a mudança pôs-se a espreitar os diversos cursos oferecidos na universidade na qual se havia licenciado e descobriu que a Nova tinha uma outra faculdade a uns meros dois passos do seu novo apartamento.

Visitou a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas à primeira oportunidade. O que mais lhe chamou a atenção foi o curso de História, uma paixão desde os tempos em que o professor Ayman lhe ensinara a história do islão na madrassa de Al-Azhar. Decidiu por isso preencher os tempos livres a frequentar algumas cadeiras desse curso. Inspeccionou o currículo e a que mais lhe interessou foi Línguas Antigas. Quis saber quem a ministrava e fixou a atenção no nome do professor.