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Tomás Noronha.

XXXVII

"Temos de voltar para trás!" "O

quê?"

"Temos de voltar para trás!", repetiu Tomás.

"Imediatamente!"

O historiador estava de tronco nu no assento da carrinha e Rebecca limpava-lhe a ferida no peito com um pedaço de algodão embebido em álcool. Mas Tomás tinha a cabeça voltada para trás e os olhos presos às muralhas vermelho-atijoladas do forte que se afastava na traseira da viatura.

"O que se passa?", perguntou Jarogniew, agarrado ao volante.

"Ele quer voltar para trás", explicou Rebecca enquanto preparava o penso. "Porquê?"

Os olhares caíram sobre o historiador, que mantinha a atenção colada ao forte, lá ao fundo.

"O Zacarias disse-me que deixou uma coisa muito importante escondida no forte. Temos de ir lá buscá-la."

"Você está louco?", insistiu Jarogniew. "A esta hora a polícia já anda à volta do corpo do seu amigo.

Se você voltar pode ser identificado por alguma testemunha."

"Mas temos mesmo de ir procurar o que o Zacarias lá

deixou."

*■ 0

"Que raio de coisa é assim tão importante?"

"Pelo que percebi trata-se de uma prova relacionada com o grande atentado que está em preparação."

"Você sabe onde se encontra isso?"

"No forte."

"Sim, mas em que sítio?" "O

Zacarias não me disse."

"Então como tenciona descobrir essa prova? O

forte é muito grande..."

Tomás voltou a cabeça e cravou os olhos em Sam.

"Use me."

O americano fez a expressão vazia de quem não entende alguma coisa. "Hã?"

"A mensagem que o Zacarias deixou escrita no chão", explicou o historiador. "E uma pista para chegar ao que ele escondeu."

Fez-se um curto silêncio dentro da carrinha, com os americanos a considerarem as consequências do que acabavam de escutar. Como tinha sido o único a ver a derradeira mensagem de Zacarias, Sam foi o primeiro a perceber onde Tomás queria chegar.

Vencendo as últimas hesitações, inclinou-se no seu lugar, abriu um saco e extraiu um tecido branco do interior.

"Vista esta shalwar kameez e este pakoV, disse, estendendo a Tomás os trajes paquistaneses. "Assim ninguém o reconhecerá."

Sentado ao volante, Jarogniew encarou o seu companheiro com um esgar inquisitivo. "O que estás a fazer?"

Sam indicou o forte que desaparecia lá atrás. "Vamos voltar."

Dessa vez Tomás cruzou mesmo o Portão Alamgiri e entrou no complexo do forte de Lahore. Ao seu lado ia Sam, igualmente disfarçado com uma shalwar kameez, a pistola oculta dentro das vestes, os olhos a saltitarem atentos a qualquer ameaça.

"Por onde quer começar?", perguntou o americano.

O Portão Alamgiri ficara para trás e ao lado deles estava a Porta de Musamman Burj, já dentro do complexo. Diante dos dois ocidentais de shalwar kameez

estendia-se

um

vasto

espaço

harmoniosamente preenchido por edifícios e jardins.

"Pelo centro."

Atravessaram o grande jardim em passo rápido.

Uma placidez beatífica pairava naquele local. Os corvos crucitavam e os pardais chilreavam sem cessar, o pipilar melodioso a sobrepor-se ao rumor distante, mas sempre presente, da cidade. O forte era defendido por canhões antigos que ornavam os cantos das muralhas; para além delas estendia-se o casario degradado da cidade velha, já quase uma lixeira de edifícios decadentes e ruelas imundas.

No entanto, ali, no meio do jardim do forte, reinava a harmonia. Aspersores gigantes espalhavam água pela verdura e os jactos da rega atingiam o tronco das árvores papiyal e o caminho dos visitantes, obrigando Tomás e Sam a especiais cuidados para não se molharem.

Contornaram o jardim e aproximaram-se do primeiro edifício, uma construção em pedra de portas baixas. Tomás tirou do bolso um folheto com a planta do complexo.

"Isto é o Diwan-i-Aam", identificou. "Era aqui que o im-perador mogul recebia as visitas." *

Os dois homens curvaram-se e passaram a porta de entrada.

"Esses moguls deviam ser uns anões", observou Sam ao constatar que todas as portas no interior do edifício eram igualmente baixas.

O Diwan-i-Aam parecia uma relíquia mal conservada no tempo. O mármore antigo que decorava o interior tinha um ar muito gasto, embora os arabescos cravados na sua superfície fossem claramente visíveis. As paredes pareciam de gesso e estavam rachadas, apresentando inscrições a giz feitas por visitantes desrespeitosos, provavelmente adolescentes apaixonados, enquanto o chão se quebrava em rachas. O interior era escuro e estranhamente fresco, num agradável contraste com a fornalha que ardia lá fora. As salas eram apertadas, pareciam extraídas de um Punjabe dos Pequeninos, e os dois homens percorreram-nas metodicamente sem encontrar nada.

"Não é aqui", concluiu Tomás.

Saíram para a varanda e contemplaram o pátio em frente, ornamentado por um pequeno jardim com um lago artificial seco que expunha os tubos das canalizações. Logo a seguir viam-se ainda mais edifícios e, para além das muralhas, de novo a cidade a espraiar-se no meio do smog.

Sam apontou para os restantes edifícios do complexo.

"Vamos procurar daquele lado."

Antes de se fazer à escada para descer para o jardim, Tomás lançou uma derradeira olhadela à varanda do Diwan--i-Aam. Foi nesse instante que reparou na mancha azul quase escondida por baixo da arcada, à esquerda. Era uma caixa cilíndrica de plástico azul, com uma abertura no topo e as letras pintadas a branco.

Um caixote de lixo.

Tomás ficou imóvel a olhar para as letras brancas no caixote azul; parecia hipnotizado. "O que foi?", perguntou Sam.

O historiador apontou maquinalmente para o caixote de lixo. Ficaram ambos um longo instante a contemplá-lo, quase como se receassem ver o que se escondia no interior. O primeiro a reagir foi o americano. Pôs a mão debaixo da shalwar kameez para agarrar a arma e, embora mantivesse a pistola escondida, assumiu uma postura vigilante, como se assim garantisse a segurança do perímetro.

"Veja o que está lá dentro."

Tomás aproximou-se devagar e inclinou a cabeça sobre a abertura, espreitando o conteúdo do caixote de lixo. Viu uma lata verde de refrigerante e um saco branco de batatas fritas. Estendeu a mão e afastou o saco, tentando vislumbrar o que se encontrava por baixo. Detectou uma superfície amarelo--torrada, pareceu-lhe cartão.

"Está ali qualquer coisa."

"Tire-a."

Movendo-se com mil cuidados, o historiador mergulhou o braço no caixote de lixo e tocou na superfície amarelada. Era realmente um cartão ou um papel grosso. Pegou nele e retirou-o, trazendo-o para a luz.

Um envelope.

Inspeccionou-o de frente e verso, mas não havia nada escrito. Indeciso, trocou um olhar com Sam. O

americano im. um sinal com a cabeça, encorajando-o a abrir o sobrescrito. Tomás procurou a abertura e descobriu-a selada por uma pequena corda áspera.

Desfez o nó e a abertura ficou exposta. Meteu a mão dentro do sobrescrito e sentiu uma superfície lisa e fresca no interior.