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homem apontou para diante.

"E mesmo ali, no Bazar Khyber", indicou. "Quando lá chegar, vire à esquerda e meta-se na Rua dos Ourives. A mesquita é a meio da rua."

Ahmed saltou do autocarro e atravessou o mar de viaturas e carroças até chegar ao passeio esquerdo e meter em direcção ao fundo da artéria congestionada. A via pública estava entregue aos homens, todos com vestes tradicionais, e não se viam mulheres em parte alguma.

A rua desaguou no bazar, em pleno coração da cidade velha, onde a confusão era ainda maior, como se tal fosse possível. Havia lojas de óculos, de malas, de panelas, de roupas, de tudo e de nada, e pelos passeios estendiam-se bancadas ambulantes com miswak, os limpa-dentes feitos a partir de nogueira, mas também guloseimas como os tooth e os frutos secos, sobretudo tâmaras.

Lembrando-se das instruções que recebera ainda em Lisboa, o visitante egípcio parou diante de uma loja de roupas e apontou para uma túnica tradicional branca pendurada num cabide.

"Como se chama isso?"

O vendedor olhou para a túnica.

"Shalwar kameez"

Ahmed sorriu, achando graça à inesperada semelhança entre a palavra paquistanesa kameez e a portuguesa camisa. Ou Vasco da Gama trouxera a palavra portuguesa para o sub-continente indiano, pensou, ou então levara a palavra urdu para Portugal.

"Dê-me essa."

O comerciante mediu-lhe a estatura com o olhar e tirou uma shalwar kameez embrulhada num plástico, entregando-a ao cliente. Ahmed apontou de seguida para os chapéus tradicionais afegãos pousados uns em cima dos outros numa prateleira.

"E isso? O que é?"

"São pakolr

"Dê-me também um."

Pagou, pediu direcções para a Rua dos Ourives e seguiu o seu caminho com as compras embrulhadas num saco de plástico e a mala pendurada na outra mão. Aqui e ali irrompia o aroma das especiarias, visíveis

em

montinhos

multicoloridos

que

espreitavam de sacos de serapilheira ou se erguiam em vasilhas de plástico. Por estas ruelas já não se viam carros, apenas motos e bicicletas e burros e carroças, e sobretudo muitos transeuntes, todos de shalwar kameez.

Do meio do bazar abriu-se uma rua estreita repleta de vitrinas com artigos de ouro e Ahmed percebeu que era aquela a Rua dos Ourives.

Tratava-se quase apenas de um corredor, é certo que movimentado e rico, mas uma mera passagem estreita entre lojas.

O visitante viu ali algumas mulheres. Eram as primeiras que identificava no espaço público de Peshawar, e verificou, com satisfação, que vinham totalmente tapadas por hurkas negras e os olhos e o nariz ocultos por uma rede. Por ali se via que estava numa terra de gente pia, pensou aprovadoramente; não era como a pouca-vergonha que se via em Portugal ou até, embora em muito menor escala, no Egipto!

Palmilhou a rua em passo rápido e depressa deu com o minarete que se erguia à esquerda.

Contemplou a estrutura e aproximou-se de um ourives que aguardava os cliçntes à» porta da loja.

"E esta a mesquita de Mehmet Khan?", perguntou.

O homem assentiu. "É ela mesmo."

Ahmed olhou em redor e, como se não descortinasse o que procurava, pousou a mala no chão e tirou um papel do bolso. "Onde é o mercado Shanwarie?" O

ourives apontou para um pátio à direita. "Aqui ao lado."

O pátio era um espaço fechado, totalmente cercado por varandas de apartamentos, algumas com roupas coloridas a secar em cordas. Ouviam-se pássaros a chilrear, provavelmente em gaiolas deixadas nas varandas, o pipilar alegre a ecoar melodioso pelo espaço fechado. Todo o rés-do-chão do pátio estava ocupado por pequenas lojas, com os comerciantes sentados no degrau da entrada a conversar num murmúrio. Não havia dúvidas, aquele era o mercado que Ahmed procurava, embora fosse bem mais discreto do que imaginara.

Sem perder tempo, consultou o papel que trazia no bolso e olhou em redor, para identificar a morada que buscava. Localizou-a, mergulhou numa entrada discreta e trepou a escadaria escura até ao segundo andar, imobilizando-se diante de uma porta de grades. Viu um botão ao lado da porta e carregou.

Dling-dlong.

Um homem calvo de shalwar kameez e longas barbas brancas abriu a porta e encarou-o.

"As salaam alekum", saudou o homem com um sotaque argelino. "Em que posso ajudá-lo?"

"Wa alekum salema", devolveu Ahmed. "Venho em nome da sura 9, versículo 5."

"«Matai os idólatras onde os encontrardes»", devolveu o homem, dando assim a contra-senha em árabe. "«Apanhai-os! Preparai-lhes todas as espécies de emboscadas!»" Terminada a recitação do versículo, o homem abriu os braços e abraçou-o.

"Bem-vindo irmão! Fui informado da tua chegada!"

O dono da casa acolheu Ahmed e levou-o para um quarto onde havia dois pares de camas, cada par com um beliche em cima do outro, como uma camarata. As duas camas do topo já estavam ocupadas, embora os ocupantes não se encontrassem presentes, e o anfitrião atribuiu ao visitante a cama de baixo do lado esquerdo.

"Vais dormir aqui", disse, ajeitando os lençóis.

"Amanhã de madrugada vem um irmão buscar-te e, com a graça de Deus, levar-te para os mukbayyam:''

Os olhos de Ahmed cintilaram ao ouvir a palavra mágica. Mukbayyam. Iam levá-lo para os mukbayyam!

Seria possível? Sentiu ganas de dar pulos de alegria.

Mukbayyam, todos o sabiam, era o nome que se dava aos campos de treino no Afeganistão. Estaria o seu sonho à beira de se concretizar? Por Alá, esperara tanto tempo por aquele momento!

"Amanhã?", perguntou o recém-chegado, incapaz de conter a excitação, quase com medo de ter entendido mal. "Vou... vou já amanhã para os mukbayaam'f

"lncb'Allab! Tens de estar pronto às seis da manhã."

Era verdade! Por Alá, era verdade! O seu rosto iluminou-se de alegria, mas fez um esforço para se conter.

"E... e qual o mukhayyam para onde vou?" Evitando divagar sobre o assunto, o anfitrião voltou-se para sair do quarto e deixar o convidado à vontade. "Se Deus quiser, a seu tempo saberás."

Ahmed repousava estirado na cama quando, uma hora depois, o dono da casa reapareceu. O homem queria saber se estava tudo bem e inspeccionou o seu convidado dos pés à cabeça, observando-lhe a jalabiyya egípcia com uma expressão reprovadora.

"Tens alguma sbalwar kameez?"

O recém-chegado foi buscar o saco e abriu-o, deixando o anfitrião espreitar o tecido imaculadamente branco das vestes tradicionais que acabara de adquirir no bazar.

"Está aqui." Exibiu com entusiasmo o chapéu tradicional afegão. "Comprei um pakol e tudo."

O homem abanou a cabeça com um esgar de censura e virou-se para um armário do quarto. Abriu uma gaveta e extraiu uma sbalwar kameez velha e esfarrapada.

"Amanhã vestes isto."

Ahmed pegou na túnica branco-suja, uma faísca de decepção a perpassar-lhe pelo olhar. "Isto, meu irmão?"

"Sim", confirmou ele, estendendo-lhe a mão. "Dá-me todos os teus documentos, incluindo o teu passaporte." "Porquê?"

"Eles ficam cá, juntamente com a tua mala.

Ser-te-ão devolvidos quando regressares."

O visitante tirou os documentos do bolso e entregou-os ao anfitrião. O homem meteu-os num envelope sem sequer olhar Para eles e pegou numa caneta para os identificar.

"Como te chamas?"

"Ahmed", retorquiu o recém-chegado, ainda desgostado com o aspecto esfarrapado da sbalwar kameez que lhe fora entregue; pelos vistos queriam que ele fosse para os mukhayyam com ar andrajoso, como um pedinte a implorar por zakat. "Ahmed ibn Barakah. Venho do..."