"Procure a Nalbandyan", pediu Rebecca, olhando em todas as direcções.
Tomás apontou para a direita.
"E aquela, está a ver? Vai paralela à Abovyan."
Meteram pela Rua Nalbandyan e desceram em direcção à Praça da República. Apesar de continuarem em pleno centro de Ierevan, esta artéria era consideravelmente mais tranquila que a Abovyan, onde estavam hospedados e haviam jantado.
"E aqui", disse a americana.
Tomás olhou para a direita e viu quatro enormes letras vermelhas a assinalarem o local. CCCP.
Junto do acrónimo russo da antiga União Soviética via-se uma foice e um martelo gigantes e, ao lado, umas escadas cavadas na rua afundavam-se para o que parecia ser uma cave. Tomás e Rebecca desceram as escadas e deram com uma porta a ostentar a efígie de Lenine. Havia um botão à direita e o historiador carregou nele.
Ding-dong.
Acto contínuo, a porta abriu-se, revelando um homem corpulento, obviamente um segurança.
Rebecca meteu a mão no bolso e tirou um cartão da NEST que mostrou ao homem.
"Viemos falar com o coronel Oleg Alekseev."
O segurança inspeccionou o cartão e, com cara de poucos amigos, fez-lhes sinal com a cabeça de que passassem. Entraram num pequeno hall, dominado por um mapa gigantesco da antiga União Soviética que preenchia a parede à direita, e sentiram uma batida forte de música na sala ao lado.
"Venham comigo."
O homem assumiu a dianteira e entrou numa sala cheia de luzes avermelhadas em movimento rotativo.
A música estava tão alta que quase fazia vibrar as paredes, mas o que de imediato atraiu a atenção de Tomás não foi a música estridente nem as luzes psicadélicas, mas o que se passava no meio da sala.
Uma mulher nua dançava de costas para a entrada, exibindo os seios gordos a vários homens sentados em cadeiras de bar com copos nas mãos. A luz vermelha dos holofotes bailava sobre o corpo transpirado e bamboleante da mulher, emprestando à cena um toque surreal. Alguns homens lambiam lascivamente os lábios e esfregavam o ventre enquanto observavam a stripper, claramente estimulados pelos peitos saltitantes, mas outros pareciam indiferentes, talvez a aguardar a atracção seguinte.
"Isto é típico do coronel", observou Rebecca aos berros, tentando fazer a sua voz ouvir-se acima da música.
"O quê?", perguntou Tomás, também aos gritos.
"Marcar um encontro num strip club. Só ele!"
O segurança fez-lhes sinal de que aguardassem p desapareceu por uma porta no canto, deixando os dois parados no meio da sala. Tomás levou a americana para um lugar encostado à parede e, como a música enchia o ar e não dava para conversarem, ficaram ambos a olhar para a stripper. Era uma mulher grande e morena, com cabelos negros encaracolados e um ar ordinário de rua. Balouçava as ancas largas ao ritmo das batidas da música e começava já a desfazer o laço que ainda mantinha as calcinhas presas ao corpo.
"Privei, Rebecca!"
Tomás voltou-se e viu um homem grande, já na casa dos sessenta, com cabelo branco, sobrancelhas negras e enormes arcadas supracilares; dava ares do actor americano Anthony Quinn.
Rebecca levantou-se e cumprimentou o homem com três beijos na face. Fez sinal a Tomás e apresentou-o ao russo. O coronel Alekseev apertou-lhe a mão com excessivo vigor e entusiasmo e convidou-os a passarem à sala ao lado.
"Venham", disse. "Aqui está demasiado barulho!"
A nova sala era pequena, mas tinha a enorme vantagem de estar protegida da cacofonia vibrante que animava o centro do strip club. Havia nas paredes uns posters com mulheres nuas, quatro sofás em torno de uma pequena mesa de vidro, um divã longo vermelho berrante e um pequeno bar ao canto, para onde o coronel se dirigiu.
"O que querem tomar?", quis saber, pegando nos copos. "Whisky, gin, vodka?"
Rebecca ficou-se por uma água com gás, mas Tomás hesitou, os olhos a dançarem por entre as várias garrafas.
"O que me aconselha?"
"Está na Arménia, beba a bebida nacional da Arménia!" O russo pegou numa garrafa com um líquido brilhante cor de caramelo. "Brandy! O Ararat é o mais famoso!"
"Vamos a isso!"
O coronel serviu as bebidas e acomodaram-se os três no sofá. O russo despachou de uma assentada um copo de vodka e suspirou longamente quando acabou.
"Aaah! Isto é o sabor da Santa Rússia!" Com os olhos subitamente congestionados, sem dúvida por causa do ardor do álcool, virou-se para Tomás. "E
então, esse brandy?"
O português viu-se forçado a provar a bebida.
Tinha um sabor ardente e adocicado.
"Não é mau."
O russo soltou uma gargalhada.
"Não é mau!? Não é mau!?" Nova gargalhada. "O
brandy arménio é do melhor que há!" Inclinou-se na direcção de Tomás e piscou-lhe o olho. "E a devushka? Hã? E a devushkaV
"Quem?"
"A miúda, blin! A miúda que está lá fora! Homem, você não a viu? E maricas ou quê?" "Ah, sim! A... a dançarina." Nova gargalhada sonora.
"Dançarina! Dançarina!" Mais uma gargalhada e voltou--se para Rebecca. "Onde foi você desencantar este melro?", perguntou, referindo-se ostensivamente ao português. Sem esperar pela resposta, voltou-se de novo para Tomás. "E a primeira vez que oiço chamar dançarina a uma puta!"
Voltou a baixar a voz, como se assumisse a postura de um confidente. "A Galina é boa, mas a melhor é a Natalya, que vem a seguir. Quer prová-la?"
A pergunta deixou Tomás embasbacado, sem saber o que responder.
"Eu?"
"Sim, você! Quer provar a Natalya ou não?"
Estreitou os olhos, numa expressão desconfiada. "Ou querem lá ver que é mesmo maricôncio?"
"Coronel!", cortou Rebecca, indo em socorro do historiador. "O professor Noronha não veio cá para conviver com... com prostitutas. Foi ele que descobriu a fotografia que lhe enviámos. O
professor Noronha tem um papel muito importante nesta operação. Ele é um perito de criptanálise e, além disso..."
"Eu sei muito bem quem ele é", atalhou o coronel russo com uma sobriedade que parecia impossível ainda cinco segundos antes. "Estive a ler a documentação do FSB."
O acrónimo deixou Tomás intrigado.
"FSB?", admirou-se. "O que é isso?"
"Federalnaya Sluzhba Bezopasnosti", disse o coronel, como se as suas palavras esclarecessem tudo.
O historiador manteve no rosto uma expressão interrogativa. "Sim, mas o que é isso?"
"O FSB é o sucessor do KGB", explicou Rebecca.
"O coronel Alekseev é o nosso contacto informal no FSB." Voltou-se para o russo. "Oiça, presumo que vocês tenham analisado em pormenor a fotografia que vos enviámos do Paquistão. Será que já tem resposta para nos dar?"
O coronel pousou o seu copo vazio na mesa de vidro, agarrou na garrafa de vodka e despejou mais um pouco de aguardente russa no copo.
"Eu tenho tudo o que vocês precisam de saber", prometeu. "Mas primeiro têm de me fazer um favor." "O que quiser."
"Quero que vejam uma das maravilhas da natureza."
"Ai sim?", espantou-se Rebecca. "O quê?" O coronel deu um berro. A porta da salinha abriu-se e a cabeça do segurança espreitou para saber o que era.
"Sasha", disse Alekseev. "Vai-me buscar a Natalya."
XLIV
"Biçmillab Irrahman Irrahim!", recitou uma voz longínqua.
Ao ouvir as primeiras palavras do Alcorão, Ibn Taymiyyah deu um salto no saco-cama. Estava escuro e estranhou o sítio onde acordara. Num primeiro reflexo interrogou-se sobre que lugar seria aquele, para logo responder num murmúrio entusiasmado: