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Depois dos exercícios com armas, os instruendos recolhiam ao campo para o salat do crepúsculo e juntavam-se na cantina para o jantar, o inevitável prato de arroz cozinhado por dois afegãos. Ao fim de algum tempo, Ibn Taymiyyah cansou-se daquele prato repetitivo e decidiu ir à cozinha protestar junto dos cozinheiros, sobretudo porque já tinha visto galinhas a correrem à solta pelo campo.

Ao ver o recruta interpelar os homens da cozinha, Abu Nasiri foi buscá-lo e puxou-o para o refeitório deserto. "Não podes falar com eles", disse. "Qual é o problema?"

"São afegãos. Uma das regras dos mukhayyam é que os mudjahedin não podem falar com os afegãos." Ibn Taymiyyah continuou sem entender. "Mas porquê?"

Abu Nasiri baixou a voz.

"Ninguém pode confiar neles, são traiçoeiros", sussurrou sem mexer os lábios. "Acredita em mim, é melhor não falares com os afegãos."

A seguir ao jantar vinha a instrução religiosa, que os instrutores consideravam a parte mais importante da formação de um mudjahedin. Juntavam-se na cantina à luz dos archotes, uma vez que não havia electricidade no campo, e umas vezes recitavam o Alcorão enquanto outras discutiam diferentes aspectos do islão.

Nessas situações revelou-se interessante ver as hierarquias no campo tornarem-se difusas. Depressa se tornou claro que a autoridade de Abu Omar e dos outros instrutores só era válida para questões de ordem prática; em tudo o resto sentiam-se todos irmãos. Podiam exprimir as suas diferentes opiniões e desafiar as palavras dos instrutores, sem quaisquer sentimentos de sujeição. A maior parte da matéria teológica já era aliás conhecida por Ibn Taymiyyah, que a aprendera com Ayman quando jovem, mas aqui e ali apareciam coisas novas.

"O que distingue um mudjahedin de um guerreiro kafir é a sua preparação moral e a sua pureza diante de Deus", explicou Omar. "Um mudjahedin é um soldado de Alá, pelo que, uma vez em combate, as regras que tem de respeitar são muito rigorosas.

Deve evitar as matanças indiscriminadas, em particular de mulheres e crianças, e também a destruição de santuários religiosos, como igrejas ou sinagogas."

"E se as mulheres e crianças estiverem envolvidas no esforço de guerra dos kafirun?", perguntou um checheno, claramente a pensar numa situação que havia

vivido.

"Como

se

procede

nessas

circunstâncias?"

O instrutor tinha a resposta na ponta da língua.

"Nesse caso devem ser mortas", sentenciou. "As leis da jihad são muito claras nisso. Um hadith conta que uma vez perguntaram ao Profeta se era errado matar as mulheres e crianças dos kafirun. Ele respondeu: «Considero-os como se fossem os seus pais.» Ou seja, se os pais forem kafirun, em certas circunstâncias é permitido matar-lhes os filhos. Por exemplo, quem de alguma forma apoiar o inimigo, mesmo fornecendo apenas água ou até somente apoio moral, é também um inimigo e pode ser morto."

O grupo assentiu com um movimento sincronizado das cabeças.

"Imagina, meu irmão, que uma mulher kafir reza para que o marido mate um crente", insistiu o checheno. "Ou imagina que uma criança kafir reza para que o pai mate um mudjabedin.'"

"Devem ambos ser mortos", sentenciou Abu Omar sem hesitações. "Basta um kafir desejar a morte de um crente para poder ser morto, mesmo que se trate de uma criança. De qualquer modo, é importante sublinhar que o recurso à força deve ser evitado enquanto possível. No entanto, no momento em que a jihad for necessária, ninguém deve fugir às suas responsabilidades. Disse o Profeta: «Aquele que se encontrar com Alá sem alguma vez se ter envolvido em jihad encontrará Alá com um defeito»."

Ergueu o dedo para sublinhar um ponto crucial. "A jihad ocupa muitas páginas do Santo Alcorão. São mais de cento e cinquenta versículos nos quais Alá Al-Hakam, o Juiz, enuncia as regras da guerra, tornando claro que a verdade tem de ter uma força física que a proteja e a propague. A maior parte das guerras decretadas por Maomé foram ofensivas, como toda a gente sabe. Ora como Alá nos manda no Alcorão seguir o exemplo do Seu mensageiro, também nós temos de lançar guerras ofensivas. Há até um ffadith que cita assim o Profeta: «Fui educado com a espada nas mãos da Hora até que apenas Alá seja venerado. Ele ofereceu--nos sustento por baixo da sombra das lâminas e decretou a humilhação de todos os que se me opõem.» Por aqui se vê que o apóstolo de Deus valorizava a espada e a necessidade de a usar até que todos os seres humanos se submetam a Alá. Num outro hadith, o Profeta é assim citado: «Eu ordeno por Alá que se faça guerra a toda a gente até que todos digam que Alá é o único Deus e que eu sou o Seu Profeta». Ou seja, o objectivo do islão é governar todo o mundo e submeter toda a humanidade ao islão. Há pessoas que se dizem muçulmanas mas que preferem fingir que estas palavras do Profeta não foram proferidas.

Mas, meus irmãos, as ordens de Maomé são claras: enquanto houver kafirun há jihad para os converter ou para os obrigar a pagar jizyah."

"Mas quem decreta a jihad ofensiva, meu irmão?", perguntou

um

instruendo

proveniente

da

Grã-Bretanha. "Há quem diga que só o califa o pode fazer..."

"Esse é um ponto em discussão", admitiu Omar.

"Muitos dos nossos irmãos entendem que a jihad ofensiva está já decretada no Alcorão e na sunnah do Profeta, que a paz esteja com ele. Para perceber isso basta ver os ahadith que acabei de citar ou ler a ordem de Alá na sura 2, versículo 216 do Alcorão:

«Prescreve-se-vos o combate, ainda que vos seja odioso»." Ergueu o dedo e repetiu as palavras que considerava cruciais: "Ainda que vos seja odioso!

Mas há outros irmãos que entendem que a jihad ofensiva, sendo de facto uma obrigação dos crentes, só pode ser decretada pelo califa. Existe, como sabem, tradição nesse sentido. O califa tem o dever de reunir um exército e atacar os kafirun uma ou duas vezes por ano, como fizeram no passado Abu Bakr e Omar ibn Al-Khattab e tantos outros. O

califa que não o fizer estará a violar a vontade de Alá, expressa no Alcorão ou na sunnab. A jihad é obrigatória para os crentes e deve existir até que todos os seres humanos sejam crentes ou paguem a jizyab."

"Mas o último califado já foi abolido", observou o mesmo instruendo. "Como se faz agora que não há califa?"

"Na minha opinião aplicam-se as ordens de Alá dadas no Alcorão ou através do exemplo do Profeta", respondeu o instrutor. "Mas parece haver acordo no sentido de que, aconteça o que acontecer, é preciso reinstalar o califado para pôr fim a esse ponto de discórdia e, por consenso, podermos lançar guerras anuais contra os kafirun. Disse o Profeta num badith: «Se receberes a ordem de marchar contra o inimigo, então marcha.» Foi justamente porque negligenciámos a ordem divina de atacar os kafirun que Alá nos abandonou. Ignorámos as Suas regras e Ele ignorou-nos a nós. Foi porque deixámos de fazer a jihad ofensiva, conforme ordenado por Alá no Alcorão ou através da sunnah do Profeta, que nos vemos agora na contingência de fazer a jihad defensiva. Urge, consequentemente, reinstalar o califado e pôr fim à humilhação da umma, espalhando o islão por todo o planeta."

"E como se faz isso? Como se pode reinstalar o califado?" Abu Omar pegou na Kalashnikov que o acompanhava sempre e ergueu-a com veemência no ar. "Com a guerra!"