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Rebbeca respirou de alívio.

"Ufa!", exclamou, o corpo esvaziando-se como um saco. "Cheguei a ficar preocupada."

O coronel agarrou no copo que havia deixado sobre a mesa e engoliu os últimos vestígios de vodka.

"Vocês têm de perceber uma coisa", disse o oficial russo, logo que recuperou do ardor do álcool. "Com a inflação a dois mil por cento, a palavra de ordem na Rússia passou a ser está tudo à venda! Naquele tempo vendia-se tudo! Kalashnikov, minas, tanques, aviões.... tudo! Houve até um almirante que vendeu sessenta e quatro navios, incluindo dois porta-aviões, da Esquadra do Pacífico!" Soltou uma gargalhada.

"Já viu ao ponto a que as coisas chegaram? O homem vendeu uma esquadra russa!"

"Fale-me do urânio enriquecido."

O russo recostou-se no sofá e bufou, como se tivesse relutância em entrar nesse tema.

"Ah, pois. O urânio enriquecido!" Voltou a inclinar-se para a frente e encheu mais uma vez o copo com vodka. "Sabe qual a quantidade de urânio enriquecido que a Rússia tem? Novecentas toneladas."

"E bastam cinquenta quilos para fazer uma bomba atómica", observou Rebecca.

"Pois é", suspirou Alekseev. "O pior é que a maior parte desse urânio enriquecido está guardada em locais pouco seguros. Fizemos um levantamento e foram identificados mais de duzentos armazéns com graves problemas de segurança, incluindo vedações rebentadas e janelas de vidrov facilmente acessíveis a ladrões."

"Eu sei", disse a americana. "O nosso governo gastou milhões de dólares a ajudar-vos a recuperar essas instalações. Mal o nosso dinheiro deixou de fluir, a deterioração da segurança recomeçou.

Roubar um complexo nuclear russo é, pelos vistos, mais fácil do que assaltar um banco."

"Isto é muito complicado", reconheceu o coronel, limpando as gotas de suor que lhe rolavam pela testa.

"O problema é agravado pelo facto de o urânio enriquecido a oitenta por cento ou mais não ser apenas usado em instalações militares, mas igualmente noutros locais. Nós recorremos a urânio enriquecido em quarenta reactores de pesquisa científica, em reactores de navios e submarinos e em instalações de fabrico de combustíveis. Muito desse material físsil é guardado em simples depósitos, facilmente acessíveis."

"Acessíveis a que ponto? De que está a falar?"

"Olhe, vou dar-lhe um exemplo. Em Novembro de 1993, um capitão da nossa Marinha entrou nos estaleiros de Sevmorput, perto de Murmansk, por uma porta sem guarda e penetrou no edifício onde era guardado o combustível dos submarinos nucleares. Uma vez lá dentro, pegou em três peças do núcleo de um reactor com cinco quilos de urânio enriquecido, pôs esse material físsil num saco e saiu dos estaleiros da mesma maneira que tinha entrado.

Ninguém soube de nada. Só viemos a tomar conhecimento do caso muitos

meses mais tarde, quando o capitão foi apanhado a vender o urânio enriquecido."

"Isso é muito preocupante!", observou Rebecca.

O oficial russo encolheu os ombros.

"Acha?", perguntou. "O que é realmente preocupante é que esta história não tem nada de extraordinário, ela é semelhante a muitas outras. O

que sucedeu em Sevmorput também já aconteceu na base naval de Andreeva Guba ou na base de submarinos de Vilyuchinsk-3, para citar só alguns exemplos. E os casos com civis também são frequentes, como ocorreu em Luch, em Sarov ou em Glazov. Um homem que foi apanhado com urânio altamente enriquecido roubado de Podolsk foi apenas condenado a três anos com pena suspensa porque o juiz teve pena dele. O ladrão só queria arranjar dinheiro para comprar um novo fogão e um novo frigorífico."

"Quantos incidentes desse género já ocorreram na Rússia?"

"Alguns, como vê."

"Quantos?"

Alekseev suspirou, agastado por estar a ser assim pressionado.

"Só a Agência Internacional de Energia Atómica identificou dezoito incidentes na Rússia entre 1993

e 2002."

"Isso é o que diz a agência. Qual é o verdadeiro número?" "E superior."

Rebecca inclinou-se na direcção do seu interlocutor, os olhos cravados nele com muita firmeza, como uma fera que não larga a presa.

"Qual é o número?"

O russo pegou na garrafa de vodka e voltou a encher o copo.

"Não lhe posso dizer", murmurou. "Essa informação é confidencial. Mas posso revelar-lhe que, só na transição da

União Soviética para a Rússia, perdemos material nuclear em quantidade suficiente para construir vinte bombas atómicas."

A americana arregalou os olhos, incrédula.

"Quantas?"

"Vinte bombas."

"Jesus!"

XLVI

Os instruendos de Khaldan estavam nessa manhã a estudar a técnica e os princípios por detrás dos itisbadi, os atentados suicidas. Abu Omar, que dava a aula, começou por se centrar nos princípios teológicos que legitimavam as acções levadas a cabo pelos shabid, os mártires, uma vez que o suicídio era absolutamente proibido pelo Alcorão.

"A excepção são justamente os itisbadi", sublinhou o instrutor, referindo-se aos suicidas em acções de combate. "O martírio em jibad é até a única forma de garantir o acesso ao Paraíso. Alguém sabe qual o versículo do Alcorão onde isso é esclarecido?"

Ao lado de Ibn Taymiyyah encontrava-se um palestiniano de Gaza, decerto ligado ao Hamas. O

rapaz levantou a mão.

"E na sura 3, versículo 169", exclamou de pronto.

"«Não tenhais por mortos aqueles que morreram pela causa de Deus. Não! Estão vivos juntos do seu Senhor, estão alimentados»."

"Muito bem", aprovou Abu Omar. "Esse versículo torna claro que a morte em jihad nos leva para junto de Alá, nos jardins eternos onde há muita água e comida. Existe até um hadith que esclarece que o shahid tem à sua espera setenta e duas virgens. Isso é..."

Um burburinho alegre percorreu a aula.

"O que é?", perguntou o instrutor com um sorriso,

"Já estão a pensar nas setenta e duas virgens?"

O burburinho transformou-se em risada geral.

"Lá em Gaza muitos irmãos só pensam em tornar-se shahid por causa das virgens", observou o palestiniano com um sorriso traquina.

Nova gargalhada geral.

"Realmente, como não desejar morrer se o shahid é o único dos crentes que tem assegurado um lugar no Paraíso?", perguntou Omar logo que o clamor acalmou. "Com a paz do Senhor e as virgens à nossa espera, qual é a dúvida? O que são as agruras desta vida quando comparadas com as recompensas que nos esperam? Há outros versículos do Alcorão e outros ahadith que falam sobre o Paraíso à espera dos shahid. Por exemplo, vejam o que Alá diz no..."

Roendo-se de curiosidade com a experiência do seu vizinho de carteira, Ibn Taymiyyah inclinou-se para o lado.

"Conheceste muitos shahid?", sussurrou.

"Sim", confirmou o palestiniano. "Eu próprio quero ser shahid."

"A sério?"

"Não vês o que nos espera, meu irmão? O Paraíso! O

rio com jardins! O vinho sem álcool! A graça de Deus!" "E as virgens..." O palestiniano sorriu de novo.

"Sabes o que fazem muitos irmãos no momento de se tornarem shahid? Como não conseguem deixar de pensar nas virgens, protegem o ventre com cartão para garantir que, depois de se fazerem explodir, os órgãos genitais chegam intactos ao Paraíso!"

Ibn Taymiyyah riu-se.

"Não acredito!"

"Juro por Alá! Antes de partirem em missão, muitos shahid protegem os genitais. Diz-se que é muito eficaz para..." De repente, irrompeu um brutal tiroteio lá fora. Tac-tac-tac-tac-tac. "O que é isto?"