Tac-tac-tac-tac-tac.
O fogo cerrado lançou o caos na sala de aula, com os recrutas a atirarem-se para baixo das mesas.
"O campo está a ser atacado!", gritou Abu Omar, agarrando de imediato na sua Kalashnikov e saltando lá para fora.
Após o primeiro momento de confusão, Ibn Taymiyyah e os companheiros seguiram o exemplo do instrutor e foram também buscar as suas armas.
Com as mãos já treinadas a lidar com a Kalashnikov, desligaram a cavilha de segurança e saíram do edifício em corrida, os corpos curvados, os dedos colados aos gatilhos, os olhos a dardejar na direcção dos tiros para localizar a ameaça e neutralizá-la.
Com os companheiros a assumirem posição de tiro ao seu lado, Ibn Taymiyyah viu três vultos a disparar, ajoelhou-se e apontou igualmente a arma para eles.
"Alto!", ordenou Abu Omar, antes que os recrutas abrissem fogo. "Não disparem! São os nossos irmãos!"
Foi nesse instante que Ibn Taymiyyah se apercebeu de que o inimigo era Abu Nasiri e outros dois
instrutores.
Os
três
disparavam
freneticamente para o ar, pareciam crianças, e o grupo que interrompera a aula ficou a observá-los sem saber o que pensar.
"O que se passa?", perguntou Abu Omar na direcção de Abu Nasiri, tentando sobrepor as suas palavras ao som das rajadas sucessivas. "Aconteceu alguma coisa?"
"Mash^allahr, gritavam os instrutores.
"Masha'allab!"
Mais tiros.
"O que se passa?"
Abu Nasiri parou momentaneamente de disparar.
„ "Liguem a rádio!", gritou, parecia histérico. "Oiçam o que os kafirun estão a noticiar!" "O quê?"
"Ajoelhámos a América! Ajoelhámos a América!
Ma-sba'allab!"
Os instrutores retomaram os disparos de celebração, numa euforia sem limites. Intrigados, Abu Omar e os recrutas abandonaram a praça e precipitaram-se para a cantina; havia no refeitório um receptor de ondas curtas que por vezes escuta-vam à noite.
Ibn Taymiyyah sabia de cor a frequência da BBC
em árabe, que desde pequeno se habituara a ver os pais sintonizarem, e procurou-a. O rádio emitiu os assobios habituais das ondas curtas e passou por várias estações até que se fixou na frequência pretendida.
Uma voz em árabe irrompeu então pela cantina.
"... não sabemos agora o que vai acontecer ao outro edifício", disse a voz, claramente a improvisar. "Foi danificado pelo primeiro avião e permanece em pé, enquanto a torre atingida pelo segundo aparelho já se desmoronou. Será que a primeira torre também vai cair?" Uma segunda voz, aparentemente ao telefone, respondeu à primeira. "Bom... nem quero pensar nisso! Isto é uma tragédia sem... sem precedentes. O facto é que está instalado o caos aqui no centro de Nova Iorque. Toda a gente se interroga sobre quem lançou este brutal ataque contra as torres gémeas do World Trade Center. O
presidente Bush, que recebeu a notícia quando se encontrava numa..."
"Masha'allah!", gritou Abu Nasiri lá fora, louco de alegria.
O grupo que se juntara na cantina em torno do rádio desatou a correr para a praça, aos tiros e aos pulos, esfusiante, gritando em coro a resposta que lhes enchia o coração.
"Allah u akbarr
"Masha'allah!"
"Allah u akbarr
As celebrações só acabaram noite dentro.
A moto saltitava na terra, levantando uma nuvem de poeira avermelhada, e Ibn Taymiyyah agarrou-se com força ao tronco do condutor para não cair.
Sentiu a moto abrandar e espreitou para a frente.
Lá estava a figura humana sentada a uma mesa, na esplanada, a tomar um café.
Ibn Taymiyyah ajeitou a Waltber PPK na mão direita e preparou-se para actuar no instante em que recebesse a ordem.
"Agora!", disse o condutor.
Ibn Taymiyyah saltou da moto em andamento, destravou a Waltber enquanto dava uns passos rápidos, viu-se diante da figura sentada à mesa da esplanada, apontou-lhe a pistola à testa e carregou três vezes sucessivas no gatilho.
Pah. Pah. Pab.
A figura tombou desamparada para trás e o assassino desatou a correr, saltou para a parte traseira da moto e o veículo arrancou com grande fragor, desaparecendo rapidamente do local do atentado.
"Muito bem!", aplaudiu Abu Nasiri, irrompendo na esplanada. "Estás um assassino perfeito, meu irmão!
Este teu exercício foi ainda melhor do que a simulação de sequestro."
A moto deu meia volta e regressou ao local. Ibn Taymiyyah apeou-se e foi verificar a precisão dos seus disparos na cabeça do boneco tombado no chão.
"Falhei um tiro", constatou.
"Não faz mal", consolou-o o instrutor. "Duas balas na cabeça chegam para arruinar o dia a qualquer hafir"
Ainda pouco convencido, Ibn Taymiyyah olhou para a moto, cujo motor continuava a ronronar.
"Posso tentar outra vez?"
"Claro. Mas desta feita destranca a pistola quando a moto começar a abrandar, não quando estiveres já a andar. E arriscado o que fizeste. Imagina que tinhas saltado mesmo em cima do alvo, o que fazias?
Precisavas ainda de destravar a pistola e o kafir dispunha de tempo suficiente para se aperceber da ameaça e reagir, percebeste?"
"Sim, meu irmão."
Sem perder tempo, Abu Nasiri foi recolher o boneco e posicioná-lo outra vez à mesa. "Então vamos lá repetir isto."
Ibn Taymiyyah permaneceu parado a olhar para o boneco. "E se em vez de lhe disparar para a cabeça eu o matar da forma estipulada por Alá?"
"O que queres dizer com isso?"
"Diz Alá na sura 47, versículo 4 do Alcorão:
«Quando encontrardes os que não crêem, golpeai-os no pescoço até os deixardes inertes»."
O instrutor cravou igualmente os olhos no boneco.
"Queres decapitá-lo?"
"Sim, é essa a ordem de Alá."
"E muito complicado, não tens tempo de o fazer em meio urbano", observou Abu Nasiri, abanando a cabeça. "Exercita o assassínio com a pistola. Os exercícios de decapitação ficam para outro dia."
O instruendo dirigiu-se de novo à moto, acomodou-se na traseira, travou a Walther e a moto arrancou para assumir a sua posição. Foi quando estava a postos para reiniciar o exercício de assassínio em meio urbano que Ibn Taymiyyah se apercebeu de um vulto a aproximar-se e a gesticular freneticamente na sua direcção.
"Quem é aquele?", perguntou ao condutor da moto.
"É o Omar", devolveu o companheiro. "Parece que nos está a chamar."
A moto arrancou e levou-os para junto do responsável pelo campo para ver o que ele queria.
"Ibn Taymiyyah, meu irmão", disse Abu Omar, pousando a mão no ombro do recruta. "Vai buscar as tuas coisas imediatamente."
"Quais coisas?"
"As que trouxeste para o campo."
"Porquê?"
"Tens de partir dentro de cinco minutos."
A informação deixou Ibn Taymiyyah embasbacado.
"Partir? Partir para onde?"
"O xeque quer falar contigo. Mandou que te levássemos ao seu refúgio o mais depressa possível."
"Mas porquê?"
Abu Omar esganiçou a voz e caricaturou Ibn Taymiyyah.
"Porquê, porquê... ai tanta pergunta!" Apontou na direcção dos barracões residenciais. "Por Alá, vai mas é buscar as tuas coisas e cala-te! Pareces uma alcoviteira, assim com tantas perguntas! Um bom mudjahedin não fala. Faz."
Ibn Taymiyyah mordeu o lábio, repreendendo-se pela sua falta de disciplina, e obedeceu.
"Sim, meu irmão."
Ao observar o recruta a afastar-se, Abu Omar fez um gesto rápido com a mão, como se o enxotasse.
"Yallah! Yallah! Despacha-te!"
Vendo o seu instruendo a ir-se embora, Abu Nasiri correu atrás dele para lhe dar os últimos conselhos.