"Leva um casaco", recomendou quando o alcançou.
"Faz frio lá nas montanhas. E que Alá te acompanhe, porque vais precisar da Sua ajuda, meu irmão."
Esta observação fez Ibn Taymiyyah parar para encartar o seu instrutor.
"O que queres dizer com isso?"
"Quero dizer que te espera uma missão muito importante." "Que missão?"
Abu Nasiri abanou a cabeça e olhou em redor, como se receasse já ter falado de mais.
"Não te posso revelar. Só o xeque."
"Ah, o xeque, a figura mistério aqui do campo!", exclamou. "Mas afinal quem é ele?"
O instrutor arregalou os olhos, admirado com a pergunta.
"Não há mistério nenhum, ele é o emir do nosso campo", disse. "Por Alá, não sabes quem é o xeque?"
"Não."
"Olha lá, tu não tens lido os jornais que chegam aqui ao mukhayyam?"
"Claro que sim. Porquê?"
"O xeque é o herói da umma, meu irmão. O xeque é o homem que vergou a América!"
Ibn Taymiyyah não estava a perceber nada. De quem estaria o seu instrutor a falar?
"O quê?"
Abu Nasiri cravou os olhos no seu instruendo. "O
xeque é Bin Laden."
XLVII
Um homem minúsculo de cabelo loiro, escasso e fino, entrou obsequioso na salinha de estar do strip club. O coronel Alekseev rodou a cabeça e, ao vê-lo, ergueu-se de um salto e abriu os braços para um acolhimento efusivo.
"Vlad!"
Os dois homens abraçaram-se e o coronel levou o recém--chegado para o sofá, apresentando-o a Rebecca e Tomás.
"Este é Vladimir Tarasov, um camarada meu do FSB", anunciou. "Bom rapaz!"
"Muito prazer", respondeu Rebecca, apertando-lhe a mão.
"Como está?", disse Tomás quando chegou a sua vez de cumprimentar o recém-chegado. "Já vi que vocês os dois se conhecem há muito tempo..."
Alekseev olhou para Vladimir e soltou uma gargalhada cúmplice.
"Oh, desde os tempos da guerra no Afeganistão!"
Agarrou em Vladimir pelo ombro e puxou-o para si.
"Aqui o
Vlad
trabalhava
comigo
na
unidade
de
contra-informação do KGB em Cabul." Uma gargalhada sonora. "Grandes tempos, hem?"
"Se foram!...", concordou Vladimir com um sorriso acabrunhado. "Connosco aquela canalhada não brincava!"
Acomodaram-se no sofá, trocando palavras de ocasião. O coronel encheu mais um copo de vodka enquanto o r«cém--chegado se queixava do atraso no voo da Aeroflot que o havia impedido de chegar a horas a Ierevan.
Cumpridas as formalidades de cortesia, Rebecca voltou a pegar na fotografia de Zacarias e mostrou-a a Vladimir.
"Presumo que já tenha visto isto."
O russo assentiu.
"O FSB distribuiu essa foto por todos os escritórios espalhados pelo país", confirmou.
"Recebi-a em Ozersk e passei os dois últimos dias a investigar esse assunto."
"E... descobriu alguma coisa?"
Vladimir aproximou a imagem dos olhos e analisou-a com cuidado.
"Dizem vocês que este material está na posse da Al-Qaeda?" "Sim."
Vladimir manteve a atenção fixada na fotografia por alguns instantes, como se quisesse confirmar uma vez mais o que já sabia, e depois devolveu-a à americana.
"Tenho uma má notícia para lhe dar."
"Diga lá."
"Este material é genuíno."
Fez-se um súbito silêncio na sala. Apenas se ouviam as batidas surdas da música no salão do strip club, do outro lado da porta.
"De certeza?"
"Sem sombra de dúvida."
Rebecca ficou com a fotografía nas mãos; parecia alimentar ainda a esperança de que ela fosse capaz de revelar mais algum segredo.
"E onde foram eles adquirir isto?"
"Supomos que tenha sido no complexo de Mayak."
"Mayak? O sitio do grande desastre nuclear de 1957?"
"Esse mesmo."
"Como é que a Al-Qaeda arranjou isto em Mayak?
Houve aí algum incidente que vocês não nos tenham comunicado?" Vladimir riu-se nervosamente.
"Não temos tido outra coisa que não sejam incidentes naquele maldito complexo", exclamou.
"Mayak está adstrita a Ozersk, pelo que infelizmente se encontra sob a minha jurisdição.
Posso garantir-lhe que me tem dado enormes dores de cabeça. Em 1997 descobrimos por mero acaso que um grupo de trabalhadores da Fábrica de Radioisótopos Número 45, em Mayak, andava há dois anos a vender irídio radioactivo com documentos falsificados. O próprio director da fábrica estava envolvido no tráfico. No ano seguinte, o FSB
desmantelou um plano arquitectado por funcionários de outra das unidades de Mayak, chamada Chelyabinsk-70, para roubar mais de dezoito quilos de urânio altamente enriquecido."
"Gee!", admirou-se Rebecca. "Isso é quase metade da quantidade necessária para fabricar uma bomba atómica."
"Pois é. Mais um ano volvido foi encontrada uma tonelada de aço radioactivo abandonada nos arredores de Ozersk. Uma investigação revelou que o material havia sido roubado de Mayak. Se o aço radioactivo não tivesse sido encontrado, ou se algumas pequenas coisas acidentais não tivessem permitido identificar os roubos de irídio e urânio altamente enriquecido, nada saberíamos. E se com amadores, que cometem erros parvos, foi difícil detectar estes roubos, imagine a quantidade de material nuclear que pode ter sido roubada de Mayak por profissionais sem que nós saibamos."
"Eu julgava que a segurança em Mayak havia sido reforçada", argumentou a americana. "Nós metemos lá muito dinheiro."
"Sim, agora está melhor. Mas não há dúvidas de que temos ali problemas. Basta dizer que até já detectámps redes de tráfico de droga envolvendo os soldados destacados para Mayak. Isso diz tudo sobre as debilidades do sistema de segurança ali instalado."
Rebecca voltou a exibir a fotografia.
"O que vos leva a pensar que esta caixa de urânio enriquecido veio mesmo de Mayak?"
"Os números de série que se encontram registados na caixa. Batem certo com o inventário de Mayak."
"E quando foi isto roubado?"
"Não temos a certeza", disse Vladimir. "Mas em 1997 apareceram num descampado de Ozersk os corpos de uns soldados e de vários funcionários que supostamente estariam na noite anterior de serviço no complexo de Mayak. Num outro local da cidade foram encontrados os cadáveres de familiares dos funcionários. Fizemos umas averiguações que não deram em nada e o caso foi encerrado. Mas agora, ao ver essa fotografia, comecei a interrogar-me sobre o que realmente se teria passado e decidi reabrir o caso."
"Descobriu alguma coisa nova?"
"Ainda estamos a fazer o inventário do material dentro do cofre de Mayak." Hesitou. "Mas já tropeçámos em duas coisas que nos chamaram a atenção."
"O quê?"
"Tentámos ver as gravações referentes aos vídeos internos nos locais e na noite em que os guardas e os funcionários mortos supostamente se encontravam de serviço. Por estranha coincidência, pelos vistos ocorreu uma avaria no sistema de videosegurança no edifício onde deveriam estar dois funcionários.
Também fomos verificar as passagens assinaladas nos postos fronteiriços russos naquele período, para ver se foi registada alguma anomalia na altura em que os corpos foram descobertos." "E então?"
"A fronteira mais próxima de Mayak é a do Cazaquistão, situada a apenas quatro horas de distância para quem for a conduzir. Acontece que o nosso posto fronteiriço localizado na estrada entre Ozersk e o Cazaquistão registou a passagem de um grupo de homens umas horas antes de os corpos dos guardas, dos funcionários e dos seus familiares terem sido encontrados."