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"Estou a falar a sério", insistiu Bellamy. "Todos os dias há uma ameaça de ataque nuclear contra nós."

"Não pode ser."

"Não acredita? Olhe, o Paquistão construiu armas nucleares devido à tecnologia que o seu chefe de projecto, um homem chamado Abdul Qadeer Khan, roubou ao Ocidente. E esse senhor pôs-se depois a vender a tecnologia para a construção de armas nucleares a outros países, como o Irão, a Líbia e a Coreia do Norte, pelo menos."

"Ah, lá vêm vocês com a mesma conversa", troçou Tomás. "Já com o Iraque disseram o mesmo e foi o que foi."

"O Iraque foi um disparate pegado do Bush filho e a história das armas de destruição em massa não passou de um pretexto para viabilizar a guerra pelo petróleo e estender o domínio americano ao Médio Oriente. No entanto, no caso das exportações da rede Khan receio que estejamos a falar de uma coisa muito séria."

"Vocês têm provas?"

"Claro."

"Não me estou a referir às provas do estilo daquelas que o vosso secretário de Estado foi à ONU apresentar contra o Iraque..."

"Não tenha dúvidas de que temos provas. Olhe, em 2003 recebemos uma denúncia relativa a um navio alemão com destino à Líbia chamado BBC China. O

navio foi interceptado no Mediterrâneo e, quando fomos inspeccioná-lo, descobrimos que ele transportava milhares de componentes para centrifugadoras. Apanhada em flagrante, a Líbia confessou que o remetente era o senhor Khan e revelou que ele havia prometido equipar o país com armas nucleares a troco de uns míseros cem milhões de dólares. Isto foi a Líbia que disse, não fui eu. O

mesmo senhor Khan efectuou pelo menos treze viagens à Coreia do Norte. O que acha você que ele foi lá fazer? Ver se as coreanas tinham tetas grandes? Há também registos de viagens deste cavalheiro ao Irão e suspeitas de negócios com um quarto país, mas não temos a certeza de qual. Será a Síria ou a Arábia Saudita. Quer mais provas?"

"Se as tiver..."

"Então aqui vão", prontificou-se Bellamy, embalado.

"Na mesma altura da intercepção do BBC China, os laboratórios do senhor Khan distribuíram numa feira internacional de armamento uma brochura a disponibilizar diferentes tipos de tecnologia nuclear a quem a quisesse comprar. Pressionámos o Paquistão por causa das actividades ilícitas do chefe do seu projecto nuclear. O senhor Khan foi preso e em 2004 apareceu na televisão paquistanesa a confessar tudo."

"Ele confessou?"

"Em directo na televisão. Disse que actuou sozinho." "Ah! Ele fez tudo sozinho..."

Impaciente com a ingenuidade implícita nesta observação de Tomás, Bellamy rolou os olhos.

"Oiça lá, as baratas peidam-se em francês? Não, pois não? Pois a probabilidade de o senhor Khan ter actuado sem o conhecimento dos militares paquistaneses é igual à probabilidade de uma barata se peidar em francês." Formou um O com o polegar e o indicador. "Ou seja, um grandessíssimo zero!"

Bebeu um gole de tinto. "Então o tipo despacha centrifugadoras para a Líbia, distribui brochuras a oferecer equipamento nuclear numa feira de armamento e faz viagens sucessivas ao Irão e à Coreia do Norte e os militares paquistaneses não topam nada? Mas há alguém que acredite nisso?

Claro que o senhor Khan é apenas a face visível do problema! Claro que os militares paquistaneses estão enterrados até ao pescoço nesta porcaria! Então não haviam de estar? Eles são os mentores da proliferação nuclear em todo o mundo! O chefe dos serviços secretos paquistaneses, o ISI, era o general Hamid Gul. Pois sabe o que ele disse? O

homem afirmou em público que era dever do Paquistão desenvolver a infra-estrutura nuclear islâmica e, quase no mesmo fôlego, acrescentou que os Estados Unidos não têm maneira de travar atentados suicidas muçulmanos. Isto é, relacionou em público a questão nuclear com a questão dos suicídios. E se disse isso em público imagine o que não fará em privado! Basta ver que o ISI tem fortes ligações aos grupos terroristas islâmicos, como por exemplo o Lashkar-e-Taiba, que levou a cabo os grandes atentados em Mumbai e tem filiação à Al-Qaeda. Não lhe parece que esta ligação de um estado islâmico a terroristas é um barril de pólvora à beira de rebentar?"

"Claro que sim. Mas eu julgava que o Paquistão era vosso aliado. Se as coisas são assim, por que razão vocês não fazem nada?"

Bellamy abanou a cabeça, frustrado.

"Por causa do fucking Afeganistão", desabafou.

"Depois do 11 de Setembro tornou-se essencial obter a cooperação do Paquistão na luta contra os talibãs e a Al-Qaeda, pelo que se decidiu fechar os olhos ao que os militares andavam a fazer com as armas nucleares. Mas claro que é tudo uma grande fantochada. O Paquistão diz em público que está contra os fundamentalistas islâmicos, mas em privado ajuda-os, arma--os e protege-os. Sabe qual é o problema? E que há muitos poderes dentro do Paquistão e o maior deles é o do ISI e dos militares.

O poder dessa gente é tal que a falecida antiga primeira-ministra paquistanesa, Benazir Bhutto, revelou que a primeira vez que viu a bomba atómica do seu país foi uma maqueta que o meu antigo director da CIA lhe apresentou. Quer dizer, os seus próprios militares recusaram-se a mostrar--lhe a bomba do país que ela supostamente governava, veja só! E, quando a senhora Bhutto foi afastada do poder, ela própria disse que tinha sido vitimada por um golpe nuclear montado pelos militares para a impedirem de assumir o controlo dessas armas. Ora é com esta gente que nós temos de lidar. Com os militares a constituírem um estado dentro do estado no Paquistão e com as suas ligações aos fundamentalistas islâmicos, tudo é possível. Daqui até as armas nucleares paquistanesas chegarem às mãos dos terroristas, meu caro, basta um pequeno e terrível passo. Está claro?" "Claríssimo."

"É por isso que, e em resposta à sua pergunta, só lhe posso dizer que todos os dias paira a ameaça de um atentado nuclear contra nós. Em boa verdade, o que está em questão agora já não é saber se ele vai acontecer, porque vai. A questão é saber quando."

Suspirou e deixou a palavra ecoar. "Quando."

Tomás remexeu-se no lugar, pouco à vontade. Para tentar descontrair-se, deslizou o olhar para o vasto jardim que se estendia para lá do restaurante, passeando a atenção pela flora exuberante, e em especial pelos hibiscos e pelas hidrân-geas que enchiam o parque. Tudo ali era pacato e lento, em contraste com as palavras tensas com que o seu interlocutor o brindava à mesa.

"Oiça, mister Bellamy", disse. "O que deseja o senhor de mim?"

O americano recostou-se na cadeira e mirou-o com o desafio a cintilar-lhe nos olhos azuis gelados. "Que se junte a nós." "A nós, quem?" "À NEST."

Tomás franziu o sobrolho, admirado com a sugestão. "Eu? A que propósito?"

"Oiça, a NEST tem equipas especiais na Europa, na região do golfo Pérsico e na base aérea de Diego Garcia, no Indico. Precisamos de si para a nossa equipa europeia."

"Mas porquê eu? Não sou militar nem engenheiro nem físico nuclear. Não vejo como vos possa ser útil numa unidade dessas."

"Não se faça modesto. Você tem outros talentos."

"Quais?"

"É um criptanalista de primeira categoria, por exemplo." "E depois? De certeza de que vocês têm outros por aí, provavelmente bem mais talentosos do que eu." "Não. Você é único." "Não vejo em quê..."

Frank Bellamy brincou com a colher de sobremesa.

"Diga-me uma coisa, onde passou você o seu último ano?" A pergunta deixou Tomás desconcertado.