"Não estou a perceber essa pergunta..."
"Ibn Taymiyyah foi um xeque árabe que se ergueu contra a invasão mongol de Bagdade, na Idade Média. E um dos teóricos do jihadismo. Percebe o que lhe estou a dizer?"
"Não."
"Ibn Taymiyyah é um pseudónimo!", exclamou, peremptório. "Não existe ninguém com esse nome.
Podem vasculhar todos os registos aduaneiros que quiserem, nunca o vão encontrar porque ele não existe! E, se por acaso aparecer alguém que tenha tal nome no passaporte, pode estar certa de que se trata do homem errado. Entendeu agora?"
"Acha?"
"Tenho a certeza. Além do mais, o Zacarias disse-me que o Ibn Taymiyyah andava na minha faculdade. Já liguei para a secretaria em Lisboa e pedi que me verificassem nos computadores se houve algum aluno inscrito na universidade com esse nome nos últimos dez anos. Não apareceu ninguém.
Vocês já falaram com o SIS português?"
"Claro. Pedimos-lhes que identificassem Ibn Taymiyyah."
"E então? Qual foi a resposta?"
"Ainda não deram."
"Nem vão dar porque, como lhe expliquei, não existe ninguém com esse nome."
"Então como poderemos localizar o terrorista?"
"A luz do que me disse o Zacarias, a única certeza é que o nosso homem frequentava a Mesquita Central de Lisboa e a minha faculdade.
Provavelmente até foi meu aluno, pelo menos a acreditar no Zacarias. E pois pela faculdade que devemos começar."
Rebecca ficou a brincar por alguns momentos com o fio do telefone-satélite, a mente a desenvolver a linha do raciocínio que Tomás lhe havia exposto.
"Tom, a sua universidade tem registados os nomes de todos os alunos que se inscreveram lá nos últimos dez anos?"
"Claro."
"E existem fotografias de todos eles?"
"São obrigatórias no acto de matrícula."
"Muito bem, vamos fazer o seguinte", disse com resolução. "Vou pedir a mister Bellamy que contacte o governo português no sentido de dar ordens à sua universidade para mandar tudo isso para Washington o mais depressa possível. Acha que pode ajudar-nos a identificar os nomes e os rostos dos que foram seus alunos?"
"Claro."
"Então terá de vir a Washington comigo. Outro passo que temos de dar é perceber onde vai ocorrer o atentado. Estamos já a fiscalizar todos os portos e passagens alfandegárias do mundo ocidental. Além do mais..."
"Eu sei onde vai ser."
"Como? Sabe?"
^ m
"Se tivermos em conta que este atentado implica uma nova escalada no jihadismo e se conhecermos o tipo de raciocínio dos fundamentalistas islâmicos, não é difícil perceber qual será o alvo."
"Não me diga que vão ser os Estados Unidos..."
"Com toda a certeza."
"Porque pensa isso? Por sermos o Grande Satã?"
"Por serem os líderes do mundo ocidental", disse Tomás.
"Que disparate!", exclamou Rebecca. "Vão atacar-nos só por causa disso? Não faz sentido!"
O historiador suspirou e encheu-se de paciência.
"Oiça, você sabe de que vos acusam os fundamentalistas? Eles culpam a América por ter exterminado os índios, por ter escravizado os negros, por ter cometido crimes de guerra em Hiroxima e Nagasáqui, e ainda na Coreia, no Vietna-me, no Iraque, no Afeganistão e por aí fora, por apoiar Israel, por apoiar os tiranos árabes, por explorar o petróleo dos países árabes, por imoralidade, por prática de usura, por autorizar o consumo de álcool, por permitir a liberdade sexual, por garantir a liberdade de expressão, por defender a democracia, por deixar que as mulheres sirvam passageiros nos aviões, por..."
"Já entendi", atalhou Rebecca. "Somos culpados de tudo."
"Exactamente! Algumas destas acusações são muito estranhas, como decerto reparou. Por exemplo, esta acusação de a
América ter escravizado os negros. Vinda de quem vem, é hilariante! Não era Maomé que permitia a escravatura? Ele até tinha escravos! E a Arábia Saudita? Sabe quando foi que este país islâmico, o mais sagrado de todos, a pátria de Maomé, a terra onde se encontra Meca e Medina... sabe quando foi que a Arábia Saudita aboliu a escravatura? Em 1962!
Como é possível que os fundamentalistas islâmicos estejam tão indignados com práticas na América que eram aprovadas e exercidas pelo próprio Profeta?"
"Onde quer chegar?"
"A uma ideia muito simples: a interminável lista de queixas dos fundamentalistas islâmicos contra a América não passa de um conjunto de pretextos usados para disfarçar a verdadeira motivação.
Repare, quando o Ocidente vai de encontro a uma exigência islâmica e satisfaz uma reivindicação, o antagonismo nunca é verdadeiramente resolvido e logo outra queixa se levanta, e depois outra e outra ainda. Pior, quando os Americanos se põem ao lado de muçulmanos contra cristãos, como aconteceu na Bósnia e no Kosovo, isso é liminarmente ignorado. Os fundamentalistas e os conservadores islâmicos chegam ao cúmulo de esquecer o enorme contributo americano na guerra do Afeganistão contra a União Soviética, afirmando explicitamente que os mudjahedin venceram sozinhos os Soviéticos. Ora tudo isto mostra que existe um problema de fundo, não lhe parece?"
"Sim, mas qual é esse problema? O que têm eles especificamente contra a América? E isso que eu não percebo..."
"Quando o islão nasceu, o grande inimigo era a tribo que dominava Meca. No momento em que essa tribo foi vencida, os grandes inimigos passaram a ser todos os não muçulmanos que viviam na Arábia. Logo que eles foram convertidos, assimilados, mortos ou expulsos, o grande inimigo passou a ser a Pérsia.
Este império foi vencido e o grande inimigo seguinte tornou-se Constantinopla, que liderava o mundo cristão. Com a queda do Império Romano do Oriente, o grande inimigo transferiu-se para Viena, capital do Sacro Império Romano. Mas quando a liderança do mundo cristão se deslocou para a Grã-Bretanha e a França, estes >dois países passaram a ser o Grande Satã. E agora? Quem é o líder do mundo ocidental?"
"A América."
"Então é a América o grande inimigo", sentenciou Tomás. "A América é atacada, não necessariamente porque esteja a maltratar os muçulmanos, mas simplesmente porque é o líder do Ocidente, a principal potência mundial, e consequentemente o maior obstáculo à expansão do islão a todo o planeta.
O mais grave é que, pelo simples facto de se revelarem
económica,
cultural,
política
e
militarmente mais poderosos do que todos os países muçulmanos juntos, os Estados Unidos estão a humilhar o islão porque mostram que um país que funciona segundo leis dos homens é mais forte do que muitos países que se regem pelas leis de Deus.
Isso é insuportável para muitos muçulmanos em geral e para os fundamentalistas em particular. Daí que todos os pretextos sejam bons para demonizar o Ocidente e sobretudo o seu líder, a América. Eles constatam que os cristãos do Ocidente são a única força capaz de fazer frente ao islão e acreditam que, se fizerem cair o líder, o inimigo se desmoronará, abrindo as portas ao nascimento do grande califado que levará o islão a todo o planeta."
"Portanto, o verdadeiro crime da América é ser poderosa."
"Isso mesmo."
Rebecca revirou os olhos e abanou a
cabeça. "Jesus Christr
Tomás ajoelhou-se junto da americana e ajudou-a a desmontar o telefone-satélite, dobrando as peças até o conjunto se reduzir ao que parecia ser uma pasta de mão metálica.
"E é por isso, minha cara, que não tenho a mínima dúvida sobre qual o alvo do grande atentado que está a ser preparado."