"Isto vai acelerar consideravelmente as coisas", disse Don, visivelmente satisfeito. "Com um pouco de sorte, talvez amanhã já tenhamos a identificação biométrica completa."
Tomás levou os dedos à boca e pôs-se a mordiscar uma unha, os olhos perdidos no infinito.
"Ora bem, a mensagem foi enviada há dois meses...", murmurou, a mente perdida em cogitações.
Olhou de novo para Rebecca. "Diga-me uma coisa, quanto tempo leva a montar e transportar uma bomba nuclear para um alvo?"
"Depende do alvo."
"Imagine que tem o urânio enriquecido no Paquistão e precisa de o transformar numa bomba para a fazer explodir algures nos Estados Unidos."
"Estou a perceber o seu raciocínio", observou Rebecca. "Se eu tiver o urânio enriquecido em quantidade suficiente, a montagem da bomba é uma coisa simples. Pode, em último caso, fazer-se em apenas vinte e quatro horas num sítio qualquer. Até numa garagem ali em Bethesda. Em todo este processo, o que leva mais tempo é colocar o urânio enriquecido aqui na América. E, claro, há o problema do tempo que leva obter o visto."
"O nosso suspeito é cidadão português", lembrou Tomás. "Não precisa de visto."
"Pois, tem razão. Nesse caso eu diria que toda a operação se pode completar em um ou dois meses."
Fez-se silêncio na sala. Apenas se ouvia o sussurro leve dos computadores a processarem informação.
Os três viraram os olhos para a janela e contemplaram o exterior, como se esperassem ver, a todo o instante, a nuvem de cogumelo a formar--se no céu.
"Então o tempo esgotou-se."
LIV
O The Washington Post dessa manhã trazia as notícias do costume. A primeira página era dominada por um bombardeamento surpresa efectuado por Israel contra presumíveis alvos do Hamas na Faixa de Gaza e pela fotografia de uma criança palestiniana ensanguentada que havia sido resgatada dos escombros e exibida perante as câmaras como uma shahid. Um porta-voz do Hamas jurava vingança e citava as palavras do Profeta, mencionadas no final do artigo sétimo da constituição do seu movimento, prometendo que "o julgamento final não virá até que os muçulmanos lutem contra os judeus e os matem".
Numa caixa à parte vinha o anúncio pelo Irão de que o seu presidente ia levar o assunto à Assembleia Geral da ONU, que se iria reunir daí a dois dias, enquanto os países da União Europeia, ao mesmo tempo que renovavam promessas de falar a uma só voz sobre o assunto, emitiam as habituais opiniões díspares.
"Sempre a mesma merda!", murmurou Tomás, agastado com o carácter repetitivo das notícias.
Mudou de página.
O presidente americano fazia um qualquer apelo ao Congresso para que autorizasse um pacote de incentivos à indústria das energias alternativas.
Seguiu em frente, passando distraidamente os olhos pelos cabeçalhos, e depressa chegou à página desportiva. Procurou notícias sobre o futebol europeu, mas as atenções do jornal americano pareciam concentrar-se numa vitória espectacular dos LA Lakers sobre os Chicago Bulis. Podia ser uma notícia galvanizante para os Americanos, mas ele, um europeu, pousou uns olhos entediados naquelas linhas.
Trrr-trrr.
O toque do telemóvel despertou-o da sua letargia.
Meteu a mão no bolso e tirou-o. "Está lá?"
"Tom, por onde diabo anda você?"
"Estou aqui no business center do hotel a ler o jornal. Porquê?"
"Isso é mesmo aqui ao lado da recepção, não é?"
"Sim. Tem uma grande porta de vidro. Se vier pela porta principal, vire à direita e logo verá que..."
Quando ainda ia a meio da frase, Tomás viu a porta do business center abrir-se e o corpo ágil de Rebecca entrar apressadamente, o telemóvel colado à cabeça dourada.
"Até que enfim que o encontro!", exclamou ela, desligando o telemóvel e estendendo o braço na direcção do português. "Estou farta de lhe telefonar e você não atende."
"Desculpe, só liguei o telemóvel há instantes."
Rebecca pegou-lhe na mão e puxou-o, obrigando-o a levantar-se.
"Venha daí! Não há tempo a perder!"
Arrancado quase à força do seu lugar, Tomás ainda teve tempo de atirar o jornal para a mesa. "O que foi? O que aconteceu?"
Sem se voltar para trás, a americana empurrou a porta de vidro e arrastou o português para o lobby do hotel.
"O computador do Don já terminou a busca", anunciou.
"Temos a identificação biométrica completa." *
Ao contrário do que acontecera na véspera, nesse dia a sala de operações da CIA em Langley estava apinhada de gente. As pessoas conversavam animadamente, as mãos a segurar canecas de café com o logótipo da agência, mas não pareciam fazer grande coisa.
No instante em que Rebecca entrou na sala com Tomás, o burburinho morreu e a pequena multidão abriu alas para os deixar passar. O português ficou intimamente surpreendido por lhe ser dada tanta importância, mas fingiu que tudo aquilo era normal e, muito seguro de si, acompanhou a loira americana até junto de Frank Bellamy.
"Você está fucking atrasado!", rosnou o responsável da NEST, o olhar duro a chispar na direcção do historiador.
"Tinha o telemóvel desligado", retorquiu Tomás, como se isso explicasse tudo. "Então o que se passa?"
Bellamy voltou-se na direcção de Don Snyder, que permanecia sentado no mesmo lugar em que o historiador o vira na véspera, como se nunca dali tivesse saído.
"Passa-se que o computador terminou a busca", disse. "Mostra-lhe, Don."
O operador digitou o teclado e o ecrã encheu-se com o retrato de um homem.
"A identificação biométrica entre as fotografias seleccionadas pelo professor Noronha e a nossa base de dados com as imagens de todos os homens que entraram nos últimos dois meses nos Estados Unidos estabeleceu duas dezenas de ligações, a maior parte inverosímeis. Descobrimos que oito antigos alunos do professor Noronha vieram ao nosso país nos últimos dois meses e que sete já voltaram para Portugal."
"Então há um que ainda cá está."
Don apontou para o rosto no ecrã.
"É este indivíduo", disse. "Rafael Cardoso. O
suspeito chegou ao aeroporto de Miami há uma semana e está hospedado no Holiday Inn. Já pusemos alguns homens a vigiá-lo."
"O que acha, Tom?", perguntou Bellamy. "E este o nosso homem?"
Tomás observou o rosto imberbe do seu antigo aluno. A legenda por baixo da fotografia indicava que ele se chamava Rafael da Silva Cardoso. O professor lembrava-se vagamente dele, tinha frequentado as suas aulas de Línguas Antigas alguns anos antes.
"Não me parece", disse, abanando a cabeça com cepticismo. "Não têm mais ninguém?"
"Os outros sete já regressaram a Portugal."
"Mostre-mos."
O operador voltou a digitar o teclado e no ecrã passou uma sucessão de rostos, que Tomás perscrutou com atenção.
"Nenhum destes meus antigos alunos parece ter nada de extraordinário", concluiu no final, decepcionado. "Não há mais?"
"Receio que não."
Tomás respirou fundo e um burburinho de desalento percorreu a sala. Sentindo que todos os olhos e todas as esperanças estavam pousados em si, o historiador não se deu por vencido.
"Disse-me há pouco que a busca produziu dezenas de resultados..."
"Sim, mas os restantes são inverosímeis."
"Como assim, inverosímeis? O que quer dizer com isso?"
Don atacou o teclado mais uma vez.
"E normal a comparação dar resultados errados, uma vez que pode haver certas linhas do rosto semelhantes entre pessoas diferentes. Quando as semelhanças são muito grandes, isso confunde o computador." Duas fotografias apareceram no ecrã lado a lado. "Por exemplo, a imagem da esquerda é a do seu anjigo aluno Filipe Tavares. A da direita é de Dragan Radanovic, um serralheiro de Belgrado.