Dadas certas semelhanças fisionómicas entre ambos, o computador emparelhou as fotografias e pensou que se tratava da mesma pessoa. É um erro, como é óbvio."
O português balançou afirmativamente a cabeça, percebendo o problema, mas ainda não estava disposto a atirar a toalha ao chão.
"Quantos erros destes ocorreram?"
Don carregou numa tecla e obteve as estatísticas.
"Trinta e um."
"Mostre-mos todos."
O operador olhou para Frank Bellamy, como quem diz que tudo aquilo era já perda de tempo. Porém, o superior hierárquico fez com a cabeça sinal de que obedecesse e Don foi buscar todas as comparações falhadas.
As parelhas de rostos começaram a suceder-se. O
primeiro caso comparava um antigo aluno de Tomás com um visitante italiano, o segundo era o de outro aluno com um brasileiro e assim sucessivamente, sempre um antigo aluno emparelhado com um visitante de outra nacionalidade qualquer.
À décima sétima parelha, porém, Don quebrou o silêncio.
"Este caso é curioso", disse, indicando o ecrã. "Em vez de ser um ex-aluno seu português emparelhado com um visitante estrangeiro, é um ex-aluno seu árabe que o computador emparelhou com um visitante português." Soltou uma gargalhada.
"Cómico, não é?"
A observação fez Tomás fixar os olhos com mais atenção nas duas fotografias.
"Como se chama este aluno?" Don procurou a tecla da legenda.
"Ahmed ibn Barakah. E egípcio. O computador emparelhou-o com o engenheiro Alberto Almeida, de Palmela."
O historiador manteve os olhos colados ao rosto do seu antigo aluno. Tinha uma vaga ideia dele.
Tratava-se de um rapaz calado e, tanto quanto se lembrava, aparecera a poucas aulas alguns anos antes. A medida que Tomás olhava para a fotografia e fazia um esforço de memória, as lembranças iam fluindo. Teve a impressão de ter falado uma vez com aquele estudante e, logo que se recordou disso, sentiu uma reminiscência desconfortável dessa conversa. O rapaz dissera algo que lhe chamara a atenção. Que teria sido?
Cerrou os olhos e fez um novo esforço de memória.
Fixava o rosto e procurava associar-lhe conversas; esforçou--se tanto que o pormenor desagradável acabou por se tornar presente. O seu antigo aluno fizera um comentário agreste contra os judeus e dissera-lhe qualquer coisa sobre o facto de a história não estar acabada... Como fora que ele pusera a questão? Ah, tinha dito que um dia seriam os historiadores muçulmanos a analisar o passado cristão da Península Ibérica e que...
Num gesto quase reflexo, esticou o braço e apontou para o ecrã.
"É ele!"
Os americanos em redor olharam para o português sem entenderem. "Como?"
"É ele o homem da Al-Qaeda!"
LV
Os rostos estavam presos ao ecrã como se estivessem a reavaliar a imagem para a qual Tomás apontava o dedo acusador. A face imóvel do visitante suspeito fitava o vazio, eternizada pela câmara aduaneira ao lado da imagem fornecida pela Universidade Nova de Lisboa. A indicação por baixo de cada fotografia identificava o rosto do visitante como pertencendo ao engenheiro Alberto Almeida e o rosto do estudante como de Ahmed ibn Barakah.
Dois nomes diferentes, mas a face era a mesma.
Após um primeiro instante de silêncio entorpecido, uma algazarra de ordens explodiu na sala de operações da CIA e toda a gente se pôs em movimento.
"Don!", berrou Bellamy, os olhos presos na face exibida pelo ecrã. "Onde diabo está alojado este motherfucker?"
Nem tinha sido preciso emitir a ordem, uma vez que Don digitava já furiosamente no teclado. As fotografias desapareceram do ecrã e, em sua substituição, apareceram sequências
de palavras com toda a informação relativa ao visitante suspeito.
"Alberto Almeida deu entrada nos Estados Unidos pelo aeroporto de Orlando há exactamente... trinta e três dias. Proveniente de Madrid. Indicou como morada o Marriott de Orlando."
"Liga-me ao Marriott", ordenou Bellamy para Don.
Depois olhou para o homem que estava ao seu lado
"Passa-me a Casa Branca. Quero falar com o David Shapiro."
Don fez de imediato a ligação para a Florida pelo computador. O tom de chamada encheu por duas vezes os altifalantes até que se ouviu o clique de atendimento.
"Hotel Marriott, bom dia. Em que posso ajudá-lo?"
"Passe-me o gerente, por favor", ordenou Don. "E
urgente."
"Com certeza. Espere um momento, por favor." O
tom suave de uma música de salão encheu a linha por uns instantes, seguida do toque de chamada. "Daqui Hughs."
"O senhor é o gerente do Marriott de Orlando?"
"Sim. Em que posso ajudá-lo?"
"O meu nome é Don Snyder e estou a ligar-lhe de Langley. Sou da CIA e preciso de obter com muita urgência uma informação sobre uma pessoa que se hospedou aí."
Fez-se um breve silêncio na linha.
"Isto é alguma brincadeira?"
"Infelizmente, não. Poderemos enviar alguém com as credenciais necessárias, mas o caso é de tal modo urgente que agradecia que confiasse em mim e me desse de imediato a informação. O meu número está decerto registado na vossa central telefónica e vocês podem confirmar que estou mesmo a ligar de Langley."
A voz do outro lado hesitou, como se estivesse a tomar uma decisão.
"Muito bem", suspirou o gerente do Marriott.
"Como se chama esse hóspede?"
"Alberto Almeida. Quer que soletre?"
"Sim, por favor."
Don soletrou o nome e fez-se silêncio na linha, enquanto o gerente verificava a informação no computador do hotel.
"Tivemos de facto um Alberto Almeida hospedado aqui no hotel. Era um indivíduo com nacionalidade do Paraguai... perdão, de Portugal. Dormiu cá uma noite e fez check-out logo na manhã seguinte. Pagou em cash."
"Não há indicações relativas ao sítio para onde ele foi?"
"Não. Como deve calcular, nunca perguntamos isso aos nossos clientes."
Quando Don pôs termo à ligação com o Marriott, já Frank Bellamy estava em linha com a Casa Branca a comunicar as novidades. O responsável da NEST
afastou-se e saiu da sala de operações, fechando-se num cubículo envidraçado para não ser escutado.
"E agora?", perguntou Tomás.
"Já lançámos um alerta nacional para localizarem esse tipo", respondeu Rebecca com ar grave. "Mas se ele chegou há um mês aqui aos Estados Unidos... não sei, não. Com o urânio enriquecido em quantidade suficiente, a construção da bomba completa-se num instante."
Don voltou ao teclado.
"Vou proceder a uma busca com a NORA."
"O que é isso?"
"Non Obvious Relationship Analysis", disse, descodificando o acrónimo. "Acreditem ou não, é um sistema de cruzamento de dados que foi desenvolvido pelos casinos de Las Vegas. Muito eficiente." Pôs a língua no canto da boca, como uma criança, e começou a soletrar à medida que ia digitando. "A-l-b-e-r-t-o-A-l-m-e-i-d-a."
Acrescentou todos os dados que constavam da ficha aduaneira do aeroporto de Orlando e depois, por cautela, inseriu também o nome Ahmed ibn Barakah. A ampulheta do computador começou a girar enquanto processava a informação.
"Explica-me o que estás a fazer", pediu Rebecca, aproveitando a pausa dada pelo computador.
"A NORA combina a informação sobre a identidade de uma pessoa com as bases de dados das companhias de crédito, os registos públicos e a informação que consta dos computadores dos hotéis e de mais uma série de sítios. O sistema funciona através da construção de hipóteses baseadas em informação real."