"Não percebo."
"Isto foi uma ideia dos casinos para detectar fraudes", explicou Don, um olho na ampulheta que continuava a girar, o outro em Rebecca. "A NORA pode descobrir, por exemplo, que a irmã de um dealer de blackjack foi há dois anos vizinha de um homem que ganhou duzentos mil dólares durante um jogo controlado por esse mesmo dealer. A relação entre o dealer e o vencedor é assim estabelecida e permite ao casino investigar se houve ou não batota."
"Ah, já entendi!"
"O sistema permite fazer também outro tipo de associações. Um nome árabe pode ser grafado Otmane Abderaqib em Africa ou Uthman Abd Al Ragib no Iraque. A NORA consegue emparelhar estes dois nomes, o que..."
Uma voz encheu de repente os altifalantes da sala de operações, interrompendo a conversa.
"Atenção a toda a gente! Atenção!"
Era a voz rouca de Frank Bellamy. Tomás olhou para o cubículo envidraçado e constatou que o responsável da NEST havia terminado o telefonema com o conselheiro presidencial e tinha um microfone colado à boca.
"Acabei de falar com a Casa Branca e, com base na informação que lhe fornecemos, o presidente acabou de decretar DEFCON^2. Estamos em DEFCON 2.
Estamos em DEFCON 2."
Um silêncio estarrecido impôs-se na sala de operações.
"Já vi isto nos filmes..." murmurou Tomás.
"DEFCON 2 é o segundo grau de emergência mais elevado dos Estados Unidos", explicou Rebecca também em voz baixa. "Isto significa que as nossas forças militares foram postas em estado de alerta máximo devido à possibilidade de um ataque iminente. Que eu saiba, a última vez que DEFCON 2
esteve em vigor foi durante a crise dos mísseis em Cuba."
"E no 11 de Setembro?"
"Estivemos em DEFCON 3."
"Portanto, isto agora é mais sério..."
Rebecca fitou-o fixamente.
"Tom, estamos a falar de uma bomba nuclear."
A ampulheta do computador parou de girar e o ecrã foi preenchido por uma avalancha de informações. Don aproximou os olhos e estudou as conclusões do gigantesco cruzamento de dados.
"Pessoal", chamou. "Venham ver isto."
As pessoas que estavam na sala convergiram para o lugar do operador e fixaram a atenção no ecrã, onde o programa NORA relacionava todos os dados e fornecia enfim o paradeiro de Alberto Almeida, aliás Ahmed ibn Barakah, aliás Ibn Taymiyyah.
"O motherfucker está em Nova Iorque."
LVI
O Chevrolet branco esperou pelo sinal verde para arrancar. Quando a luz se acendeu, pôs-se em marcha e virou imediatamente à direita, metendo pelo bairro de vivendas da classe média, uma área agradável cheia de árvores e zonas ajardinadas. O
sol escondia-se por entre as nuvens cinzentas, espalhando uma luminosidade melancólica, e o rio Hudson corria com lentidão lá ao fundo, as águas escuras a espelharem a floresta de arranha-céus que se estendia pela outra margem.
"Tem a certeza de que é por aqui?"
Rebecca sacudiu a cabeça para afastar os cabelos loiros que lhe descaíam da testa para os olhos e deu uma nova espreitadela ao mapa.
"É por aqui, é", confirmou. "Não conheço muito bem New Jersey, mas fique descansado que eu já descubro o local."
O olhar de Tomás prendeu-se na ponta sul de Manhattan, do outro lado do rio. Mesmo passados todos estes anos era
estranho não ver ali as duas torres gémeas do World Trade Center.
"Como é possível que a Al-Qaeda tenha metido aqui cinquenta quilos de urânio altamente enriquecido e ninguém tenha dado por nada?", perguntou, vagamente irritado. "Vocês montam um grande aparato de segurança nos aeroportos e no fim deixam passar uma coisa dessas?! Como é isso, possi/el?"
Rebecca mantinha os olhos presos à estrada, em busca da sinalização que a ajudaria a reencontrar o caminho certo.
"Traficar grandes quantidades de urânio enriquecido para os Estados Unidos não é nada de especial", observou. "E até a coisa mais fácil do mundo!"
"Desculpe?"
Mais uma olhadela para o mapa de ruas, para se certificar da sua posição.
"Olhe, há uns anos uma estação de televisão aqui de Nova Iorque, a ABC, despachou em Djakarta uma pasta com sete quilos de material radioactivo para um endereço em Los Angeles. Depois ficou à espera para ver o que iria suceder. Pois sabe o que aconteceu? Algum tempo mais tarde, a pasta foi entregue absolutamente intacta na morada prevista.
Ou seja, aquele material nuclear passou pela goddam alfândega do porto de Los Angeles sem que ninguém suspeitasse da mínima coisa!"
"Vocês não têm nas alfândegas equipamento para detectar material radioactivo?"
"Claro que temos."
"Então como foi possível que essa pasta não tivesse sido detectada?"
"Tom, você tem de perceber como as coisas funcionam nas alfândegas", disse Rebecca. "Antes de um navio chegar, os nossos fiscais aduaneiros consultam os manifestos de carga e os portos de origem para determinar o grau de risco que envolve cada cargueiro. Imagine que um navio partiu da Co-lômbia. Se considerarem que o risco de tráfico de droga é muito elevado nesse navio, podem decidir analisar a sua carga. Nesse caso submetem os contentores do cargueiro suspeito a uma análise de raios X e de outros sistemas que envolvem raios gama, de modo a obter uma imagem mais precisa do seu interior. Se detectarem alguma coisa estranha podem abrir o contentor e inspeccionar o seu conteúdo."
"Muito bem. Então porque não o fazem?"
"Porque todos os dias há cento e quarenta navios a entregar nos portos americanos cinquenta mil contentores com mais de meio milhão de produtos provenientes de todo o planeta! Eis porquê! Só o porto de Los Angeles, sabe quantos contentores recebe por dia? Onze mil! E sabe quanto tempo levam cinco funcionários a inspeccionar um único contentor? Três horas! E, já agora, tem a noção de quantos portos de águas profundas existem na América? Mais de trezentos! Isto significa que, se pegar em cinquenta quilos de urânio altamente enriquecido e os colocar numa caixa de produtos de ténis, e depois escrever no manifesto que o conteúdo da caixa são raquetes, pode ter a certeza de que a porra da caixa chegará ao seu destino sem grandes obstáculos! Foi isso o que aconteceu com a pasta da ABC. E se a ABC descobriu que é assim tão fácil traficar produtos radioactivos usando o sistema de correio normal, acha que a Al-Qaeda não descobriu também?"
"Pois, tem razão."
"As hipóteses de intercepção são diminutas e sabemos que a Al-Qaeda faz de facto uso frequente de cargueiros para transportar armas. E por isso que a aquisição de urânio altamente enriquecido é o único ponto verdadeiramente difícil numa operação para levar a cabo um atentado nuclear. Se eles conseguirem vencer esse obstáculo e tiverem acesso ao material nuclear em quantidade suficiente, transportá-lo depois para o alvo e construir a bomba não passa de uma brincadeira de crianças!"
Tomás manteve os olhos fixos nas vivendas pelas quais
passavam, a mente a considerar as opções. m
"Portanto, não tem dúvidas de que a bomba já está montada?"
"Nenhumas", disse ela, enfática. "Eles podem ter perdido algum tempo com o transporte do urânio enriquecido para os Estados Unidos. Um barco não é muito veloz, não é verdade? Mas se possuem de facto o material e se o nosso homem recebeu a ordem de passar à acção há dois meses, isso é tempo mais do que suficiente para completar a operação. A bomba atómica da Al-Qaeda já deve estar pronta."