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Depois da fuga, mas ainda não bastante longe da Tokaidô, o pônei de Struan refugou, cedendo ao corte no flanco, e Struan caiu. A queda deixou-o bastante machucado.

Com a maior dificuldade, ainda fraco de medo, Tyrer ajudou Struan a montar em seu próprio pônei, porém mal conseguia sustentar o homem mais alto na sela. Durante todo esse tempo, sua atenção focalizava o cortejo que já desaparecia, esperando a qualquer momento a aproximação de samurais montados.

— Pode se agüentar?

— Acho que sim. — A voz de Struan era fraca, a dor intensa. — Angelique... ela conseguiu escapar?

— Conseguiu. Os demônios mataram Canterbury.

— Vi quando aconteceu. Você... está ferido?

— Nada demais. Apenas um talho no braço.

Tyrer tirou o casaco, soltando uma imprecação pela dor súbita. O ferimento era um corte reto na parte mais carnuda do antebraço. Ele limpou um pouco do sangue com um lenço, e depois usou-o como uma atadura.

— Não há veias ou artérias cortadas... Mas por que eles nos atacaram? Por quê? Não estávamos fazendo nada demais.

— Eu... não consigo me virar. O desgraçado me acertou no lado... como... como está?

Com o maior cuidado, Tyrer abriu o pano rasgado. A extensão e profundidade do corte, agravado pela queda, chocaram-no. O sangue saía aos borbotões do ferimento, assustando-o ainda mais.

— Não me parece nada bom. Precisamos procurar um médico o mais depressa possível.

— É melhor darmos a volta para chegarmos a Iocoama.

— Acho que tem razão.

O jovem segurava Struan e tentava pensar com clareza. As pessoas na Tokaidô apontavam para eles. Sua ansiedade aumentava cada vez mais. Kanagawa era mais perto, e ele podia divisar diversos templos.

— Um deles deve ser nosso — murmurou Tyrer, sentindo um gosto amargo na boca. Foi então que ele percebeu que tinha as mãos cobertas de sangue, e seu coração tornou a disparar em pavor, para depois experimentar um intenso alívio ao constatar que a maior parte era de Struan. — Vamos seguir em frente.

— O que... você disse?

— Iremos para Kanagawa... fica mais perto, e o caminho está livre. Dá para avistar vários templos, e um deles deve ser nosso. Haverá uma bandeira hasteada.

Pelo costume japonês, as legações eram alojadas em seções de templos budistas. Só os templos ou mosteiros dispunham de cômodos extras ou prédios anexos de tamanho e em quantidade suficientes, por isso o Bakufu reservara alguns para os estrangeiros, até que as residências individuais fossem construídas.

— Pode agüentar, Sr. Struan? Eu levarei o pônei.

— Posso. — Struan olhou para seu próprio pônei, que relinchava desesperado, tentou se levantar e andar, mas não conseguiu, as pernas incapazes de sustentá-lo. O sangue escorria do ferimento, o animal tremia todo. — Acabe com o sofrimento do meu pônei, e depois vamos embora.

Tyrer nunca atirara num cavalo antes. Enxugou o suor das mãos. A pistola tinha dois canos, era carregada pela culatra, com dois dos novos cartuchos de bronze, que continham bala, carga e detonador. O pônei ainda se debateu, mas não podia ir longe. Ele afagou sua cabeça por um instante, acalmando-o, encostou a pistola na orelha e puxou o gatilho. A morte imediata o surpreendeu. E o estampido da arma também. Guardou-a no bolso. Tornou a enxugar as mãos, como se estivesse num transe.

— É melhor sairmos da estrada, Sr. Struan. Mais seguro.

Levaram muito mais tempo do que previam, com valas e córregos para atravessar. Por duas vezes, Struan quase perdeu os sentidos, e Tyrer teve de fazer o maior esforço para evitar que ele caísse. Os camponeses nos arrozais fingiam não vê-los, ou lançavam olhares furiosos, e depois voltavam a se concentrar em seu trabalho. Tyrer se limitava a soltar imprecações e seguia em frente.

O primeiro templo estava vazio, a não ser por uns poucos monges budistas assustados, as cabeças raspadas, usando túnicas laranjas, que correram para os cômodos interiores assim que os viram. Havia uma pequena fonte no pátio. Agradecido, Tyrer bebeu um pouco da água fresca, depois encheu de novo a caneca, e levou-a para Struan, que bebeu, embora mal conseguisse ver qualquer coisa, por causa da dor.

— Obrigado. Quanto... falta?

— Muito pouco — respondeu Tyrer, sem saber para que lado seguir, tentando se mostrar bravo. — Chegaremos a qualquer momento.

O caminho se bifurcava, um lado seguindo para a costa e outro templo, que se elevava acima das casas da aldeia, o segundo se embrenhando pelas casas, na direção de mais um templo. Sem qualquer motivo definido, Tyrer optou pelo desvio para a costa.

Era um caminho sinuoso, voltava várias vezes, antes de continuar para leste, não havia pessoas no labirinto de vielas, mas podia-se sentir olhos por toda parte. E, de repente, ele viu o portão principal do templo, a bandeira inglesa e o soldado de uniforme vermelho. Quase chorou, de alívio e orgulho, pois foram avistados no mesmo instante, o soldado correu para ajudar, outro foi chamar o sargento da guarda, e não demorou muito para que o Dr. Babcott aparecesse.

— Deus Todo-Poderoso! O que aconteceu?

Foi fácil contar... pois havia muito pouco a relatar.

Já ajudou numa operação antes?

— Não, doutor.

Babcott sorriu, o rosto e o comportamento afáveis, as mãos empenhadas em movimentos rápidos, despindo Malcolm Struan, semi-inconsciente, com extrema facilidade, como se fosse uma criança.

Pois terá de fazê-lo daqui a pouco. Será uma boa experiência para você. Preciso de ajuda, e sou o único aqui hoje. Mas voltará a Iocoama até a hora do jantar.

— Eu... tentarei.

— Provavelmente vai se sentir nauseado... por causa do cheiro, acima de tudo, mas não se preocupe. Se quiser vomitar, faça-o na bacia, não em cima do paciente.

Babcott tornou a fitá-lo, avaliando-o, especulando até que ponto poderia confiar naquele jovem, percebendo seu terror contido, e depois voltou ao trabalho.

— Aplicaremos o éter em seguida, e depois começaremos. Disse que esteve em Pequim?

— Isso mesmo. Passei quatro meses lá. Vim para cá através de Xangai, e cheguei há poucos dias. — Tyrer ficou contente pela oportunidade de falar, o que ajudaria a afastar sua mente dos horrores. — O Ministério do Exterior achou que uma curta estada em Pequim, aprendendo os caracteres chineses, poderia nos ajudar com os japoneses.