— Concordo — declarou Hoag, para logo acrescentar uma afirmação que não estava longe da verdade:— E ele também me disse que se eu tivesse problemas com qualquer pessoa do reino médio... quer fosse alta ou baixa... ou que não prestasse de imediato os serviços que um amigo seu deveria esperar, que lhe mencionasse o nome do vil fornicador de mãe ao voltar.
— Oh ko, Doutor em Medicina Sábio Iluminado, é de fato uma honra tê-lo em nossa humilde casa.
O Dr. Hoag sentiu que alcançara a grandeza, abençoando seus mestres, em particular os pacientes agradecidos, que haviam lhe ensinado as palavras realmente importantes, e como lidar com certas pessoas e situações no reino médio. O dia era quente e agradável, a aparência da pequena cidade atraente, com templos que podia divisar acima dos telhados, pescadores em atividade nas águas próximas da terra, camponeses por toda parte nos arrozais, pessoas circulando de um lado para outro e o inevitável movimento intenso na Tokaidô, mais além. Ao chegarem à legação, com o apoio exageradamente atencioso de Lim, Hoag já tinha uma boa noção da situação em Kanagawa, o número de pacientes de Babcott hoje, e o que podia esperar.
George Babcott estava na sala de cirurgia, ajudado na operação por um acólito japonês, um aprendiz designado pelo Bakufu para estudar a medicina ocidental, a ante-sala apinhada de aldeões, homens, mulheres e crianças. A operação era complicada, uma amputação de pé.
— O pobre coitado é um pescador, ficou com a perna presa entre o barco e o cais, o que nunca deveria ter acontecido, acho que tomou saquê demais. Assim que eu acabar aqui, poderemos conversar sobre Malcolm. Já o viu?
— Já, sim. Não tem pressa. É um prazer tornar a vê-lo, George. Posso ajudar em alguma coisa?
— Eu agradeceria. Está tudo bem aqui, mas não poderia peneirar a multidão lá fora? Os que são casos urgentes, os que podem esperar. Trate de qualquer um que quiser. Há outra “sala de cirurgia” ao lado, embora seja pouco mais que uma enfermaria. Mura, passe o serrote.
Ele fez o pedido ao assistente, num inglês lento e incisivo, recebeu o serrote e começou a usá-lo.
— Sempre que tenho uma cirurgia aqui, o movimento parece aumentar. Ali naquele armário vai encontrar os placebos comuns, iodo, etc, os medicamentos usuais, analgésicos, xaropes amargos para as doces velhinhas e xaropes doces para as tosses violentas.
Hoag deixou-o e foi examinar os homens, mulheres e crianças à espera, impressionado com sua disciplina e paciência, as mesuras e a ausência de barulho. Logo constatou que nenhum tinha varíola, lepra, catapora, tifo, cólera ou qualquer das outras doenças infecciosas e contagiosas que eram endêmicas na maior parte da Ásia. Mais do que um pouco aliviado, ele começou a interrogá-los individualmente e deparou com a mais profunda desconfiança. Por sorte, havia ali um ido escritor de cartas e adivinho itinerante que era cantonês, Cheng-sin, e que também falava um pouco de japonês. Com a ajuda dele — e depois de ser apresentado como o Mestre do Gigante Curandeiro, e com a promessa de um medicamento novo e muito bom para aliviar sua tosse seca — o Dr. Hoag começou a receber os pacientes na segunda sala de cirurgia.
Alguns tinham apenas problemas menores. Uns poucos eram casos mais sérios. Febres, disenteria e assim por diante. Ele conseguiu diagnosticar alguma doenças, outras não foi possível. Membros fraturados, ferimentos de espadas e facas, úlceras. Uma jovem em adiantado estado de gravidez sentia dores intensas.
A experiência do Dr. Hoag indicou que o parto, o quarto da mulher, seria difícil, e que a maior parte do problema derivava de ter casado muito cedo, trabalhar nos campos por tempo demais e carregar um excesso de peso. Ele deu à moça um vidro de extrato de ópio.
— Diga a ela que se a dor for muito forte, quando chegar o momento, para tomar uma colher.
— Uma colher? De que tamanho, Honorável Sábio Iluminado?
— Uma colher do tamanho normal, Cheng-sin. A mulher fez uma reverência.
— Domo arigato gozaimashita — murmurou ela, ao se retirar, patética em seus agradecimentos, as duas mãos tentando sustentar o peso da barriga.
Crianças com febre, resfriado e lombrigas, ferimentos diversos, mas nada tão grave quanto ele imaginara. Nenhum caso de malária. Os dentes bons e fortes, de um modo geral, olhos claros, nada de piolhos... todos os pacientes surpreendentemente limpos e saudáveis, em comparação com aldeões similares na China. Nenhum viciado em ópio. Depois de uma hora, Hoag se absorvera por completo no trabalho, bastante satisfeito. Acabara de pôr no lugar um braço quebrado quando a porta foi aberta, e uma moça atraente e bem vestida entrou, hesitante, fez uma reverência. Seu quimono de seda era estampado em azul, a obi verde, o cabelo preso por travessas. Sombrinha azul.
Hoag notou que os olhos de Cheng-sin se estreitavam. Ela respondeu às perguntas do chinês, falando de uma forma ainda mais persuasiva, a voz suave, embora fosse evidente que estava bastante nervosa.
— Doutor em Medicina Sábio Iluminado. — disse Cheng-sin, a fala pontuada pela tosse seca permanente que Hoag já diagnosticara como tuberculose terminal —, esta dama diz que seu irmão precisa de ajuda importante, quase morte. Suplica que a acompanhe... sua casa fica perto.
— Diga a ela para trazê-lo até aqui.
— Infelizmente, tem medo de movê-lo.
— O que há com ele?
Depois de mais perguntas e respostas, que para Hoag pareciam mais uma barganha do que qualquer outra coisa, Cheng-sin disse:
— A casa fica uma ou duas ruas lá fora. Seu irmão está... — Ele tossiu, enquanto procurava pela palavra. — Dorme como morto, mas vivo, com delírio e febre.
Cheng-sin fez uma pausa, e sua voz se tornou ainda mais insinuante quando acrescentou:
— Ela tem medo de mexer no irmão, Honorável Doutor em Medicina Sábio Iluminado. Seu irmão samurai, ela diz que pessoas muito importantes muito felizes se ajudasse seu irmão. Acho que ela fala verdade.
Pelos jornais de Hong Kong, Hoag tinha conhecimento dos samurais como a classe dominante absoluta no Japão e sabia que qualquer coisa que conquistasse a confiança deles, e com isso sua cooperação, ajudaria a influência britânica. Ele estudou a moça, que no mesmo instante baixou os olhos. Seu nervosismo aumentou. Parecia ter quinze ou dezesseis anos, e suas feições a tornavam bem diferente dos aldeões, a pele adorável. Se o irmão é samurai, então ela também é, pensou Hoag, intrigado.
— Como ela se chama?
— Uki Ichikawa. Por favor, tenha pressa.
— Seu irmão é um samurai importante?
— É, sim — garantiu Cheng-sin. — Eu vou junto, não tenha medo.
Hoag riu.
— Medo? Eu? De jeito nenhum! Espere aqui.
Ele foi para a outra sala de cirurgia, abriu a porta sem fazer barulho. Babcott se concentrava em extrair um dente com abscesso, o joelho no peito do rapaz, a mãe transtornada retorcendo as mãos, falando sem parar. Hoag decidiu não incomodá-lo.