— Pallidar! Mais alguma coisa aí embaixo?
— Não! Nenhum sinal de qualquer outro! É bem possível que ele fosse o único, e o soldado o visse se movendo! Mas verifique em todos os cômodos deste lado!
Marlowe acenou com a cabeça, murmurou uma imprecação.
— Que diabo pensa que estou fazendo?
Por trás dele, as cortinas se mexeram à brisa amena, descobrindo os pés de Ori nos tabi pretos, os sapatos-meias dos japoneses. A vela de Marlowe apagou; e quando ele trancou a janela e se virou, não percebeu os tabi nas sombras profundas ao lado da cama, nem notou qualquer outra coisa, pois só tinha olhos para Angelique, quase dormindo, delineada contra as luzes na porta. Podia ver cada parte de seu corpo, e o espetáculo deixou-o sem fôlego.
— Está tudo bem — declarou ele, ainda mais constrangido porque a contemplara daquele jeito, admirara-a quando ela se encontrava indefesa. Fingindo ser enérgico, ele foi até a porta e acrescentou: — Por favor, tranque a porta e... ahn... duma bem.
Sua vontade, porém, era ficar.
Ainda mais desorientada, Angelique murmurou alguma coisa e fechou a porta. Esperaram até ouvir a tranca se ajustar no lugar. Babcott comentou, hesitante:
— Duvido que ela sequer se lembre de que abriu a porta.
O fuzileiro limpou o suor do rosto, percebeu que Marlowe o observava e não Pôde resistir a um sorriso lúbrico.
— Por que parece tão feliz? — perguntou Marlowe, sabendo a resposta.
— Eu, senhor? Por nada, senhor.
O sorriso desapareceu no mesmo instante, trazendo um ar de inocência em sua esteira. Esses oficiais são todos iguais, pensou ele. O sacana do Marlowe ficou com tanto tesão quanto eu, seus olhos se esbugalharam, quase a devorando, se deliciando com tudo o que há por baixo, os peitos mais lindos que já vi. Os outros não vão acreditar que ela tem peitos assim!
— Claro, senhor, claro — murmurou ele, virtuoso, quando Marlowe lhe disse para não contar nada do que haviam visto.— Está certo, senhor. Nenhuma palavra vai sair dos meus lábios.
E todos os três foram para o aposento seguinte, pensando em Angelique.
Angelique encostou-se na porta, tentando compreender o que estava acontecendo era difícil pôr tudo em ordem, um homem no jardim, que jardim, mas Malcolm estava no jardim da Casa Grande, não, ele se encontra lá embaixo, ferido, e isso não é um sonho, e disse alguma coisa sobre viver na Casa Grande, casamento... Malcolm, foi ele o homem que me tocou? Não, ele me disse que morreria. Bobagem, o médico disse que ele estava bem, todos disseram bem, por que bem? Por que não ótimo? Ou excelente? Por quê?
Ela desistiu de pensar, o anseio por sono irresistível. A lua brilhava através das persianas, e ela cambaleou pelas listras de luz de volta à cama, arriou agradecida no colchão macio. Com um grande suspiro de contentamento, puxou o lençol pela metade do corpo, virou-se de lado. E caiu num sono profundo em poucos segundos.
Sem fazer qualquer barulho, Ori saiu de seu esconderijo, atônito por ainda estar vivo. Embora tivesse se comprimido, junto com suas espadas, contra a parede, uma busca mais meticulosa o teria descoberto. Viu que a tranca da porta se encontrava no lugar, a janela também trancada, a moça tinha uma respiração profunda, um braço sob o travesseiro, o outro por cima do lençol.
Ótimo. Ela pode esperar, pensou Ori. Primeiro, como sair desta armadilha? A janela ou a porta?
Não podendo ver através das persianas, ele puxou a tranca, entreabriu a janela, apenas uma fração. Os soldados ainda se concentravam lá embaixo. Faltavam três horas para o amanhecer. As nuvens se acumulavam, passavam sob a lua. O corpo de Shorin continuava no caminho, como um animal morto. Por um momento, ele se surpreendeu ao constatar que o haviam deixado com a cabeça, mas depois lembrou que não era costume dos gai-jin tirar cabeças para exibir ou contar.
Seria difícil escapar por ali sem ser visto. Se não reduzirem a vigilância, terei de abrir a porta e tentar fugir por dentro do prédio. O que implicaria deixar a porta aberta. Era melhor sair pela janela, se fosse possível.
Ele esticou a cabeça, cauteloso, divisou uma pequena platibanda sob a janela, que levava a outra janela, e depois contornava o prédio — aquele era um quarto de canto. Seu excitamento aumentou. Muito em breve as nuvens encobririam a lua. Escaparei nesse momento. Vou conseguir! Sonno-joi! Agora, a moça.
Em silêncio, ele ajeitou a tranca, deixando a janela entreaberta, por uma fração, antes de voltar à cama.
A espada comprida ainda estava embainhada, e ele a pôs no lençol branco de seda, todo amarrotado, ao alcance da mão. Branco, pensou Ori. Lençóis brancos, carne branca, tudo branco, a cor da morte. Apropriado. Perfeito para se escrever. O que deveria ser? Seu nome?
Sem pressa, ele puxou o lençol de cima da moça. A camisola era uma coisa além da sua compreensão, estranha, projetada para esconder tudo e nada. Braços e seios muito grandes, em comparação com as poucas mulheres que já levara para a cama, pernas compridas e retas, sem nenhuma das curvas elegantes a que se acostumara, das mulheres que passavam anos e anos ajoelhadas e sentadas. E, de novo, o perfume da moça. Enquanto os olhos a exploravam, Ori sentiu que começava a ferver.
Com as outras, fora muito diferente. Excitamento mínimo. Muitos sorrisos, hábil profissionalismo. Tudo consumado depressa, e quase sempre no torpor do saquê, para disfarçar a idade das mulheres. Agora, havia tempo ilimitado. Ela era jovem, fora do mundo de Ori. Sua ânsia aumentava cada vez mais. Todo o corpo parecia vibrar.
O vento fazia a janela ranger, mas não havia perigo ali, nem no interior da casa. Tudo se tornara quieto. Ela se encontrava estendida de lado. Um empurrão hábil e gentil, depois mais outro, e a moça, obediente, deitou de costas, a cabeça pendendo para um lado, os cabelos espalhados. Um suspiro profundo, no aconchego do colchão. Uma pequena cruz de ouro na garganta.
Ori inclinou-se, encostou a ponta da faca-espada, afiada como uma navalha, na renda delicada do pescoço, levantou um pouco, ajeitou a lâmina contra a pressão da camisola. O tecido foi cortado sem qualquer resistência.
Ele nunca vira uma mulher tão exposta. Ou tão apertada. A pulsação se intensificou, a um nível a que nunca chegara antes. A pequena cruz faiscava. Involuntariamente, a moça estendeu a mão, devagar, ajeitou-a entre as pernas, deixou ali, confortável. Ori removeu a mão, depois afastou um tornozelo do outro. Gentilmente.
6
Angelique despertou pouco antes do amanhecer. Mas não por completo. A droga ainda a impregnava, os sonhos ainda persistiam, sonhos estranhos e violentos, eróticos, opressivos, maravilhosos, doloridos, sensuais e horríveis, nunca antes experimentados, ou pelo menos não com tanta intensidade. Pelas persianas entreabertas, avistou o céu a leste, vermelho como sangue, com formações de nuvens estranhamente sugestivas, que pareciam igualar as imagens em sua mente. Ao mudar de posição para ver melhor, sentiu uma ligeira dor na virilha, mas não prestou atenção; em vez disso, deixou que os olhos se fixassem nas formas no céu, enquanto a mente retornava aos sonhos, que a atraíam de uma forma irresistível. No limiar do sono, percebeu que estava nua. Lânguida, puxou a camisola, cobriu-se com o lençol. E dormiu.