— Deus Todo-Poderoso! — exclamou ele.
O caixão se encontrava a boreste, ainda flutuando, na superfície, subindo e descendo com o cúter, as duas bandeiras ainda presas. Da cabine, Jamie também viu e compreendeu, igualmente chocado, que se uma onda grande alterasse o curso poderia jogar o caixão de volta a bordo, ou pior ainda, usá-lo como um aríete contra a frágil superestrutura, ou talvez, o pior de tudo, abrir um buraco no casco desprotegido.
Quanto mais o contramestre procurava se desviar, mais o caixão se aproximava. Chegou a bater no lado, depois se afastou, girando como uma piorra, mas permanecendo paralelo. Jamie praguejou por não ter se lembrado de aumentar o peso com uma corrente de âncora; o ar ou a flutuabilidade da madeira mantinha-o à tona.
Era difícil para Jamie observar, ao mesmo tempo em que amparava Angelique. Mas sentiu-se contente por ela estar com a cabeça comprimida contra o ombro de sua sobrecasaca. Ele tornou a virar o pescoço e avistou o caixão de novo, agora um pouco além da popa, boiando na água, dando a impressão de ser a embarcação macabra de uma mente doentia. O vento ou uma correnteza virou-o e agora, paralelo às ondas, começou a rolar, mas logo se endireitou, permaneceu estável por três ou quatro ondas, até que outra o virou e afundou-o, para alegria de Jamie. Ele voltou a respirar, concluindo que desaparecera para sempre, mas logo o caixão aflorou à superfície, a onda espumante seguinte envolveu-o, levantou-o, arremessou-o direto para cima do cúter. Numa reação involuntária, Jamie se abaixou. O caixão não caiu a bordo, apenas bateu de lado contra o casco, soando como se tivessem atingido um recife.
Por um momento, Hoag levantou a cabeça. O cérebro girava em seu crânio, pior do que o barco, e por isso ele nada viu, caiu de volta, gemendo, no miasma do enjoo. Angelique também olhou, mas Jamie a manteve apertada, afagando seus cabelos, para dissipar o medo.
— Apenas fragmentos flutuando, não há com que se preocupar...
Seus olhos continuavam fixados no caixão, a uns poucos metros de distância, paralelo ao cúter, as linhas definidas e letais, como um torpedo, as duas bandeiras ainda intactas. Ele se encolheu quando uma onda enorme se aproximou, e passou por cima do caixão. Depois que a onda se foi, o caixão desaparecera.
Ofegante, Jamie esperou, esquadrinhando o mar. Nada. Mais espera. Ainda nada. A tempestade amainou um pouco, o vento não mais uivava em torno da cabine. As ondas ainda eram altas e violentas, mas o contramestre fazia um trabalho magistral, recorrendo a toda à sua habilidade de marujo para atenuar a ameaça, o motor gritando estridente, enquanto o hélice saía da água de vez em quando.
— Vamos — murmurou Jamie —, continue assim, fácil e tranqüilo.
E depois seus olhos focalizaram. O caixão se encontrava a cinqüenta metros de distância, um pouco à popa, a frente pontuda apontada para o cúter. Acompanhava-os, subindo e descendo, como se ligado por algum cabo de reboque invisível. Horrendo e mortífero. Ele contou seis ondas, sem qualquer variação. E depois apareceu a sétima onda.
Era maior do que as outras. Pegou o caixão, transformou-o num míssil e arremessou-o para o cúter. Jamie percebeu que o ponto de impacto seria o meio do cúter, no lado de boreste, e que a inclinação exporia o casco ao dano máximo. E parou de respirar.
O contramestre devia ter chegado à mesma conclusão, pois no último momento o cúter desviou-se frenético, virando ligeiramente para boreste, a água passando agora por cima da amurada, e o violento caixão-míssil subiu na onda, projetou-se por cima da proa e foi se emaranhar nos cabos do gurupés, pendendo ali, meio dentro, meio fora da água, puxando a embarcação contra o leme.
O contramestre puxava o timão com toda a sua força, mas as ondas e o vento usavam o caixão para manter a embarcação instável. Em minutos, o contramestre compreendeu que iam afundar. Não havia mais nada que pudesse fazer para evitar. O tubo de comunicação soou, estridente. Com dificuldade, ele respondeu:
— O que é, Percy?
Mas sua voz foi abafada pelas imprecações do foguista, indagando que diabo ele estava fazendo lá em cima. O contramestre bateu com o tubo no suporte e redobrou seu esforço no timão, enquanto a proa era inexoravelmente forçada ao desastre.
Foi nesse instante que ele viu a porta da cabine se abrir. Jamie saiu para o convés aberto. Segurando-se onde podia, por sua vida, ele avançou pouco a pouco. O contramestre esticou a cabeça pela janela mais próxima, gritando e apontando:
— O machado de incêndio, o machado de incêndio...
Como se estivesse num sonho, Jamie ouviu-o, avistou o machado no suporte vermelho, no teto da cabine. O convés se inclinava e estremecia, a alma do barco sabendo que se encontrava num espasmo mortal. Um pé escorregou, mas ele colidiu com a amurada, descobriu que tinha o machado numa das mãos e estava seguro por enquanto. A água passou por cima da proa e engolfou-o. Outra vez ele sobreviveu, mas a onda deixou em sua esteira uma nauseante premonição. Numa reação involuntária, o estômago teve um espasmo e o vômito saiu por sua boca. Ele ficou estendido ali, no embornal, gelado e apavorado, segurando um espeque, e logo mais água o engolfou. Quando conseguiu respirar, tossiu, cuspiu a água salgada da boca e narinas, e isso o ajudou a passar do choque para a ação.
À frente, o bico do caixão estava preso pelo emaranhado de cabos, o resto jogado de um lado para outro, empurrado ou sugado pelas ondas. Ele contraiu os olhos para fitar o contramestre, contra o vento e a chuva, viu-o fazer o gesto de cortar.
— ...pelo amor de Deus, tome cuidado...
Nenhum machado poderá fazer com que esse desgraçado nos largue, pensou Jamie, desesperado, abraçando um pontalete no momento em que uma onda violenta avançou sobre a amurada em sua direção, jogando-o contra o caixão e depois puxando-o de volta para o embornal, sufocado, meio afogado. Depois que a onda passou, ele ficou atônito ao descobrir que ainda continuava a bordo. Não perca tempo, o cérebro lhe bradou de novo, a próxima ou a seguinte pode arrastá-lo e afogá-lo.
Por isso, ele deixou seu lugar seguro, adiantou-se, até ficar por cima do caixão odiando-o, detestando estar ali, ter se permitido participar daquela estupidez, arriscando a vida de Angelique e dos outros por nada, mas acima de tudo odiando o seu próprio medo. A onda seguinte puxou-o com força, mas ele sobreviveu, baixou o machado com toda força, escorregou, agarrou-se no lado do telhado da cabine, enquanto outra onda o alcançava, arremessava-o contra o lado do caixão. Ofegante, Jamie fez um tremendo esforço para se levantar, golpeou outra vez, acertando agora o próprio caixão, odiando a coisa maligna em que se transformara.
A lâmina cortou um dos cabos, mas não teve qualquer efeito nos aramados, uma massa emaranhada, e foi se cravar na tampa coberta pelas bandeiras ou no fundo — ele não sabia qual dos dois, nem se importava — abrindo uma rachadura. Mas, ainda assim, o caixão continuou pendurado. Nem mesmo usando toda a sua força ele conseguiu deslocar o caixão, empurrou-o, chutou-o, praguejando, a maior parte pendendo para fora, entrando na água, puxando-os.