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— Pequei por não conseguir persuadir meu marido a se tomar católico antes de nos casarmos.

— Isso também não é um pecado, senhora. O que mais?

Ele começara a parecer exasperado. Como Angelique esperava. É estranho que eu não tenha mais medo desse homem e seja capaz de perceber as nuances que ele tenta esconder. Será outra dádiva de Deus?

— Cometeu... cometeu pecados da carne?

Os olhos de Angelique se contraíram, o sorriso congelara, e o desprezara ainda mais, ao mesmo tempo em que o perdoava em parte, por sua magnanimidade em abençoar o outro caixão.

— Tenho sido uma esposa correta, de acordo com os ensinamentos da Igreja.

— Sei disso, mas coabitou com ele, não sendo devi...

— Era devidamente casada de acordo com as leis do meu marido e agi de acordo com os ensinamentos da verdadeira Igreja — insistira ela, para acrescentar num tom um pouco incisivo: — E agora, padre, gostaria que me concedesse à absolvição.

Isso era contrário à prática aceita, e ela esperara, prendendo a respiração pronta para se retirar, se ele tentasse esmiuçar mais fundo contra a prática aceita.

— Como... como vai partir hoje, senhora, é necessário ter certeza, para conceder a absolvição...

— Não vou viajar no navio de correspondência, padre. Não hoje.

— Não vai? — murmurara o padre Leo, deixando que Angelique sentisse a exultação e o alívio. — Neste caso, minha criança, poderemos conversar mais, para a glória de Deus. Ah, como são maravilhosos os caminhos de Deus!

Ele concedera a absolvição, com uma penitência mínima, e Angelique deixara o confessionário para se juntar à congregação.

Gostara muito de superar esse obstáculo. Sua mente vagueava, mas estava normal. Agora podia relaxar, satisfeita consigo mesma. Conseguira tudo o que queria: Malcolm sepultado aqui, como ela desejava, Gornt lançado, Hoag a caminho, Tess neutralizada... com a ajuda de Deus.

Deus está do meu lado, tenho certeza. Ele aprova, tenho certeza. Exceto por Malcolm, ah, Malcolm, Malcolm, meu amor...

— Posso acompanhá-la até em casa, Angelique? — perguntou Seratard, interrompendo seus devaneios.

— Obrigada, monsieur — disse ela, formal —, mas não sou muito boa companhia neste momento e prefiro voltar sozinha.

— Temos muito o que conversar antes de sua partida.

— Oh... pensei que já sabia que não vou mais viajar no navio de correspondência... o Dr. Hoag proibiu, o que muito me entristece.

O sorriso de Seratard se alargou.

— Magnífico! É a melhor notícia que recebi em muitos dias! Gostaria de jantar na legação esta noite, apenas duas ou três pessoas... discretamente?

— Obrigada, mas também não. Talvez no final da semana, se eu me sentir melhor.

— Na quinta ou sexta-feira, quando achar melhor.

Seratard beijou-lhe a mão e Angelique saiu da igreja. O vento voltara a soprar. Ela sentiu-se contente pelo véu que a camuflava, pois assim não havia necessidade de se esconder por trás da fachada do rosto. As pessoas por quem passava a cumprimentavam, com tristeza, inclusive Nettlesmith.

— Lamento profundamente a sua partida, madame.

— Obrigada, Sr. Nettlesmith, mas não vou embarcar no navio de correspondência, não hoje. — Outra vez ela viu um rosto se iluminar à notícia e acrescentou, divertida: — O Dr. Hoag proibiu-me de viajar, o que muito me entristece.

— Oh! Posso compreender. Não vai mais, hem? Ah... Pode me dar licença, madame?

Ele correu para o clube. Dentro de poucos minutos, a notícia se espalharia por toda a colônia e não haveria necessidade de anunciá-la a mais ninguém. Ela avistou André mais adiante, esperando-a.

— Olá, André.

— Fico contente porque não vai mais viajar.

— Ah, as notícias circulam depressa.

— Boas notícias. Preciso conversar com você em particular.

— Sobre dinheiro?

— Sobre dinheiro. Você mudou muito, Angelique.

— Para melhor, espero. Como tem passado, meu velho amigo?

— Velho.

André sentia-se desanimado, hoje, cansado. Estivera com Hinodeh, noite passada, e sombras surgiram entre os dois. E violência. Enquanto ela o massageava, André estendera a mão, a fim de puxá-la pela gola do quimono e beijar seu seio, amando-a até a loucura. Mas ela se desvencilhara, fechando o quimono.

— Você prometeu não... — balbuciara ela.

A fúria contra si mesmo por ter esquecido — qualquer violação assim a mergulhava num pesar patético e abjeto, que o enfurecia ainda mais — se transformara em fúria contra ela e ele berrara:

— Pare de se comportar assim! Baka!

Nunca havia lágrimas quando André estava lá, apenas o constante e abjeto murmúrio “gomennasai, Furansu-san, gomennasai, gomennasai, gomennasai”, interminável, até deixarem-no enlouquecido, e ele tornara a gritar:

— Cale-se, pelo amor de Deus!

Hinodeh se calara. E permanecera ajoelhada, olhando para o tatame, as mãos no colo, imóvel, exceto por um tremor ocasional, como um cachorro açoitado.

Ele quisera pedir desculpas, abraçá-la, seu amor incessante, mas isso não o ajudaria, apenas faria com que perdesse a dignidade ainda mais. Por isso, levantara-se, mal-humorado, vestira-se e saíra da casa sem dizer mais nada. Deixando a Yoshiwara, e depois de atravessar a ponte, descera para a praia, chutara o barco de pesca mais próximo, praguejando, até ficar esgotado. Depois, sentara sobre os seixos frios, sufocado de frustração, sabendo que ela estaria chorando naquele momento, também furiosa por não ter contido o erro dele com mais habilidade, sabendo que no dia seguinte recomeçariam como se nada tivesse acontecido, mas André tinha certeza de que, não muito abaixo do comportamento doce e gentil, havia um vasto reservatório de ódio. Por ele.

— E por que não? — murmurou ele.

— Por que não o que, André? — indagou Angelique.

— Oh... nada, estava apenas divagando.

— Vamos procurar um banco vazio. Poderemos sentar ali, e conversar.

O banco era de frente para o mar. O navio de correspondência atraiu a atenção de Angelique e ela especulou sobre o que poderia acontecer se decidisse partir. Só conseguiria entrar no covil da leoa mais cedo do que o necessário, refletiu ela. Não havia necessidade de se preocupar com isso, não havia necessidade de se preocupar com qualquer coisa... apenas assumir meu novo ser, verificar seus limites e esperar. A fumaça começou a subir da chaminé. O navio de correspondência se preparav para zarpar. Apenas uns poucos tênderes continuavam a seu lado.

— Não sou uma companhia muito boa, André, desculpe.

— Pode me arrumar algum dinheiro?