Inejin sacudira a cabeça.
— Talvez não uma traidora, Sire, nem parte de uma conspiração, apenas uma mulher. Quanto à shishi, Sumomo, ela apenas serviu para demonstrar a sua capacidade de luta, Sire, que foi perfeita... para a qual foi treinado.
A força extraordinária daquele velho servidor despachara a raiva de Yoshi para a China.
— Não tão perfeita — murmurara ele, pesaroso —, já que a gata me arranhou. Mas o ferimento sarou.
— Devo arrastar Meikin, a mama-san, até aqui, Sire?
— Ah, o pivô. Não a esqueci. Em breve, mas ainda não. Continua a vigiá-la?
— Como se fosse a sua segunda pele. O que deseja de mim, Sire?
— Quero que encontre Katsumata, vivo, de preferência. Removeu o traidor ronin que trabalhava para os gai-jin, como eu ordenei? Qual era mesmo o seu nome? Ori Ryoma, um Satsuma, é isso.
— Esse homem está morto, Sire, mas tudo indica que não era o traidor. Os gai-jin mataram Ori há algumas semanas. Atiraram nele quando tentava arrombar uma de suas casas. Mas o homem que lhes fornecia informações... e continua a fazê-lo... é um ronin de Choshu chamado Hiraga.
Yoshi ficara surpreso.
— Aquele do cartaz? O shishi que comandava os homens que assassinaram Utani?
— Isso mesmo, Sire. No momento, não posso eliminá-lo, pois ele se encontra sob a proteção do chefe inglês, e não se afasta muito do prédio deles. Tenho um espião na aldeia, e poderei lhe dizer mais coisas dentro de uns poucos dias.
— Ótimo. O que mais? Toda essa conversa de guerra?
— Espero ter mais informações em poucos dias.
— Pois trate de se apressar — dissera Yoshi, dispensando-o. — Quanto tiver notícias mais sérias, volte a me procurar.
Inejin não vai me falar, pensara ele, e lamento ter sido tão rude. Os espiões, devem ser cortejados como nenhum outro... porque deles depende sua capacidade de se movimentar... Ah, Sun-tzu, que gênio você foi... mas nem mesmo o conhecimento mais profundo de seus preceitos me diz o que fazer em relação aos gai-jin, em relação àquele garoto idiota e minha arqui-inimiga, a princesa Yazu... os dois ainda se empanturrando com o mingau com mel servido pelos sicofantas da corte, obedecendo às ordens daquele cão, o lorde camarista. O que você faria para destruir os inimigos que me cercam? Anjo, os anciãos, a corte, Ogama, Sanjiro, a lista é interminável. E impossível. E por cima de todos, os gai-jin.
E fora então que ele se lembrara do convite para ir a bordo do navio de guerra furansu — francês. O empreendimento de venda de carvão que sua esposa, Hosaki, organizara em conjunto com a Gyokoyama e o garimpeiro gai-jin lhe permitira enviar Misamoto, seu falso samurai, o pescador-intérprete, para acertar os detalhes. Isso ocorrera no dia anterior.
Ele saíra de Iedo numa galé a remo, para um encontro no mar, sem fanfarras, logo além da vista de terra... com Abeh, vinte guardas e Misamoto. A experiência fora apavorante. O tamanho e a potência dos motores do navio, os canhões, a quantidade de pólvora, balas e carvão que podia transportar, e as histórias que haviam contado, mentiras ou verdades, ele ainda não era capaz de determinar a extensão do império furansu, sua riqueza e poder, as léguas de viagem que um navio assim podia cobrir, a quantidade de navios de guerra e canhões e o tamanho de seus exércitos, que eram inacreditáveis, pelo que diziam. Misamoto interpretara, junto com o intérprete que se intitulara Andreh Furansu-san. Embora eles tivessem sua própria língua, o encontro fora conduzido na maior parte em inglês.
Yoshi não entendera muito do que ele dissera. As palavras usadas eram estranhas e se consumira muito tempo explicando quilômetros e metros, pólvora, breu e êmbolos, vapores de roda contra vapores de hélice, blocos de culatra e fecharia de pederneira, fábricas e potência de fogo.
Mas tudo fora esclarecedor e certas informações da maior importância: a necessidade vital de suprimento de carvão e portos seguros — sem o que os navios de guerra a vapor não passavam de cascos inúteis — incapazes de transportar todo o carvão necessário para a viagem de ida, as operações navais e a viagem de volta. E, segundo, como ele já testemunhara na reunião do Conselho com os gai-jin, no castelo em Iedo, e achara difícil acreditar na verdadeira extensão, qualquer menção aos gai-jin ingleses, os ing’erish, provocara olhares desdenhosos nos gai-jin furansu, que não hesitavam em demonstrar a profundidade de seu ódio.
Isso o deixara satisfeito, porque confirmara o que Misamoto dissera antes, que os ing’erish eram odiados por quase todas as outras nações do mundo, porque possuíam o maior império, eram a nação mais forte e mais rica, com as maiores e mais modernas esquadras, os exércitos mais poderosos, disciplinados e bem equipados, além de terem ganhos com a produção de mais da metade das mercadorias do mundo. E ainda contando, o melhor de tudo, com uma ilha que era um reduto inexpugnável para guardar tudo.
Claro que eles são odiados. Como nós, os Toranagas, também somos odiados. Portanto, pensara ele, com uma ânsia nas entranhas por seu erro passado, são esses gai-jin ing’erish que devem ser adulados, cuja amizade devemos conquistar e tratá-los com o maior cuidado. As melhores esquadras? E as melhores armas. Como eu poderia tentá-los a me construírem uma esquadra? Ou me fornecerem uma? O carvão pagaria por isso?
— Misamoto, diga a eles que eu gostaria de aprender mais sobre esses maravilhosos artefatos furansu — ordenara ele, em tom afável. — Diga também que eu gostaria de ter amigos entre os gai-jin. Não me oponho ao comércio... talvez até possa transferir minha concessão de carvão para os furansu, tirando dos ing’erish.
Isso despertara o interesse imediato deles. Nessa ocasião, estavam lá embaixo na maior cabine na popa, que ele achara apertada e malcheirosa, com os odores de óleo, fumaça de carvão e refugos humanos, com uma camada de pó de carvão por toda parte. Sentavam ao redor de uma mesa comprida, meia dúzia de oficiais em uniformes com alamares dourados, e seu líder, Seratard — Serata, a pronúncia correta — no centro. Abeh e metade de seus guardas postavam-se por trás de Yoshi, os outros haviam ficado lá em cima.
No momento em que vira Seratard e ouvira seu nome, Yoshi gostara dele — era totalmente diferente do líder maior dos ing’erish, alto e de cara azeda, com um nome impronunciável. Serata, como o Furansu-san Andreh, era fácil de pronunciar. Na verdade, aqueles nomes eram japoneses. Serata era um presságio milagroso.
Afinal, Serata era o nome da aldeia ancestral de sua família, em que seu antepassado, Yoshi-shigeh Serata-noh Minowara, se instalara no século XII. No século XIII, o daimio guerreiro Yoshi-sada Serata levantara um exército contra seus suseranos, os Hojo, derrotando-os e capturando sua capital, Kamakura. Desde então, seus descendentes diretos, os Yoshi noh Toranaga noh Serata, ainda reinavam em Kamakura — o xógum Yoshi Toranaga fora sepultado ali, em seu grande mausoléu.