Yoshi fez uma pausa, e a voz saiu mais incisiva quando acrescentou:
— Mas concordo que em breve teremos de fazer um acerto de contas.
— Amanhã pedirei ao Conselho para emitir a ordem.
— Pelo bem do xogunato, seu e de todos os clãs de Toranaga, espero que os outros me escutem!
— Veremos o que acontece amanhã... a cabeça de Sanjiro deve ser espetada na ponta de um chuço e exibida como um exemplo para todos os traidores.
— Concordo que Sanjiro deve ter ordenado a morte na Tokaidô só para nos embaraçar — disse Yoshi.— Era inevitável que os gai-jin se enfurecessem. Nossa única solução é ganhar tempo, pois a missão à Europa deve voltar a qualquer dia agora e nossos problemas vão acabar.
Oito meses antes, em janeiro, o xogunato enviara a primeira delegação oficial do Japão, num navio a vapor, para a América e Europa, com ordens secretas para renegociar os tratados — o roju considerava-os “acordos experimentais não autorizados” — com os governos britânico, francês e americano, e cancelar ou adiar a abertura de novos portos.
— Suas ordens eram expressas — acrescentou Yoshi. — A esta altura, os tratados já devem ter sido revogados.
Anjo declarou, num tom sinistro:
— Ou seja, se não a guerra, você pelo menos concorda que chegou o momento de despachar Sanjiro.
O homem mais jovem era cauteloso demais para concordar abertamente, e se perguntou o que Anjo pensava em fazer ou já planejara. Ele ajeitou as espadas de uma maneira mais confortável e fingiu considerar a questão, descobrindo que muito lhe agradava a sua nova função. Mais uma vez, estou no centro do poder. É verdade que Sanjiro me ajudou a chegar aqui, mas apenas por causa de seus infames propósitos: queria me destruir, apontando-me publicamente como o responsável por todos os problemas que esses malditos gai-jin nos trouxeram, e assim me tornando um dos alvos principais dos miseráveis shishi... na tentativa de usurpar nossos direitos hereditários, nossa riqueza e o xogunato.
Mas nada importa. Estou a par do que ele e seu cão sarnento, Katsumata, planejam, quais são suas verdadeiras intenções contra nós, as de Tosa e Choshu. Ele não terá êxito, juro por meus ancestrais.
— Como pretende eliminar Sanjiro?
A expressão de Anjo se tornou sombria, ao recordar sua última e violenta discussão com o daimio de Satsuma, apenas uns poucos dias antes.
Anjo — dissera Sanjiro, autoritário — obedeça às ordens do imperador. — Convoque imediatamente uma reunião de todos os daimios, peça-lhes com toda vontade para formarem um conselho permanente, que vai aconselhar, reformar com o xogunato, revogue os infames e não autorizados acordos com os gai-jin, certifique-se que todos os portos sejam fechados aos Sai-jin, e se eles não quiserem ir embora, expulse-os sem a menor hesitação!
— Devo lembrá-lo de que é direito exclusivo do xogunato determinar a política externa, qualquer política, não do imperador, muito menos sua! — Ponderara Anjo, odiando Sanjiro por sua linhagem, suas legiões, suas riquezas, boa saúde abundante e óbvia. — Ambos sabemos que você o enganou. As sugestões são ridículas e inviáveis. Temos mantido a paz por dois séculos e meio...
— pelo engrandecimento de Toranaga. Se se recusa a obedecer a seu legítimo suserano, o imperador, então deve renunciar ou cometer seppuku. Você escolhe um menino para ser o xógum, aquele traidor Tairo Li assinou os “tratados”... é responsabilidade do Bakufu a presença dos gai-jin aqui, responsabilidade de Toranaga.
Anjo ficara vermelho, levado quase à loucura pela insídia escarninha e as provocações que persistiam há meses, e teria recorrido à espada se Sanjiro não estivesse protegido pelo mandato imperial.
— Se o Tairo Li não negociasse os tratados e depois os assinasse, os gai-jin teriam nos bombardeado e desembarcado à força, e agora estaríamos humilhados como a China.
— Mera suposição... e absurda!
— Já esqueceu que o palácio de verão em Pequim foi incendiado e Saquêado, Sanjiro-dono? Agora a China se encontra praticamente desmembrada, e o governo saiu do controle chinês. Esqueceu que a China cedeu aos britânicos, os principais inimigos, uma de suas ilhas, Hong Kong, há vinte anos, e agora o lugar é um bastião inexpugnável? E que Tientsin, Xangai e Swatow são agora portos de tratado, auto-suficientes, dominados e possuídos pelos gai-jin em caráter permanente? Vamos supor que eles se apossem de uma de nossas ilhas da mesma maneira.
— Nós os impediríamos... não somos chineses.
— Como? É lamentável, mas você está cego e surdo, tem a cabeça nas nuvens. Há um ano, no momento em que acabou a última guerra da China, se os Provocássemos, eles teriam enviado contra nós todas aquelas esquadras e exércitos. Foi somente a astúcia do Bakufu que evitou que isso acontecesse. Não Poderíamos resistir àquelas armadas... com seus canhões e armamentos modernos.
É responsabilidade do xogunato estarmos despreparados, responsabilidade de Toranaga. Há anos que deveríamos ter canhões e navios de guerra modernos, anos que sabíamos de sua existência. Os holandeses nos alertaram dezenas de vezes sobre as novas invenções, mas vocês enfiaram a cabeça nos baldes noturnos!
No máximo, poderiam ter concedido um porto, Deshima...
Por que dar ao demônio americano Townsend Harris também Iocoama, Hirodate, Basáqui e Kanagawa, além de permitir acesso a Iedo para suas impertinentes legações? Renunciem e deixem que outros mais qualificados salvem a terra dos deuses...
A lembrança da confrontação fez Anjo suar, assim como o conhecimento de que era certo muito do que Sanjiro dissera. Ele tirou um lenço de papel da manga volumosa, enxugou o suor da testa e da cabeça raspada, olhou para Yoshi invejando o seu porte e boa aparência, mas acima de tudo a sua juventude e virilidade legendárias.
Não muito tempo atrás era fácil ser satisfeito. Normal ser potente, pensou Anjo com uma súbita angústia, a dor sempre presente em sua virilha a lembrá-lo. Não muito tempo atrás, era fácil ficar ereto, sem qualquer esforço, e dispor de uma carga abundante... agora, não era mais possível, nem mesmo com a pessoa mais desejável, com todas as habilidades, com as mais raras pomadas e medicamentos.
— Sanjiro pode se considerar além do alcance, mas não está — disse ele, decidido. — Pense nisso também, Yoshi-dono, nosso jovem, mas tão sábio conselheiro, como removê-lo, ou sua cabeça pode acabar também na ponta de um chuço, e muito em breve.
Yoshi decidiu não assumir a ofensa e sorriu.