Yoshi retribuiu à saudação com o chicote de montaria, ocultando sua ansiedade por ver tantos soldados inimigos, com tantos fuzis impecáveis. Nunca, em toda a sua vida, estivera tão desprotegido. Só Abeh e dois guardas, também montados, o acompanhavam. Mais atrás vinha um palafreneiro a pé e uma dúzia de carregadores suados e nervosos, com pesados fardos pendurados em varas. Os outros guardas esperavam na barricada.
Ele vestia-se todo de preto: armadura de bambu, elmo leve, túnica de ombros largos, duas espadas... até mesmo seu pônei era preto. Mas os arreios, rédeas e manta eram deliberadamente vermelhos, realçando o preto. Ao passar por Pallidar, cruzando os portões, Yoshi notou que os frios olhos azuis pareciam de peixe morto.
Nos degraus por cima do pátio de terra batida ele avistou Sir William, flanqueado por Seratard e André Poncin num lado, o almirante, o Dr. Babcott e Tyrer no outro... assim como ele pedira. Todos se vestiam com os melhores trajes, de cartola, casacos de lã contra a manhã úmida, o céu nublado. Yoshi correu os olhos por todos, detendo-se por um momento em Babcott, impressionado com sua enorme altura, depois parou o cavalo, fez uma saudação com o chicote. Todos fizeram uma reverência, também casual, menos o almirante, que bateu continência.
No mesmo instante, Sir William, com Tyrer logo atrás, desceu os degraus para cumprimentá-lo, sorrindo... ambos disfarçando sua surpresa pela guarda mínima. O palafreneiro se adiantou para segurar a cabeça do pônei. Yoshi desmontou pelo lado direito, como era costumeiro na China, e, portanto, ali também.
— Seja bem-vindo, lorde Yoshi, em nome de sua majestade britânica —disse Sir William.
Tyrer traduziu no mesmo instante.
— Obrigado. Espero não estar lhes causando qualquer problema — respondeu Yoshi, iniciando sua parte do ritual.
— Não, Sire, a honra é nossa. Sua presença é uma grande satisfação para nós. Yoshi notou a melhoria no sotaque e no vocabulário de Tyrer e se sentiu ainda mais determinado a neutralizar o traidor Hiraga, que usava ali o pseudônimo de Nakama, como Inejin descobrira.
— Por favor, lorde Yoshi, aceita um chá? — acrescentou Tyrer.
Os dois já haviam fechado os ouvidos às frases sem importância, concentrando-se um no outro, procurando indicações que pudessem ajudá-los.
— Ah, Serata-dono, é um prazer tornar a vê-lo tão cedo — disse Yoshi, jovial, embora se sentisse irritado por estar de pé, tendo de erguer os olhos para fitá-los, já que eram em geral uma cabeça mais altos, e isso o deixava com uma sensação de ser inferior, embora olhasse de cima para a maioria dos japoneses. — Obrigado.
Ele acenou com a cabeça para André, depois para Seratard, que respondeu com uma reverência formal, Tyrer traduzindo.
— Meu superior Seratard o cumprimenta, Sire, em nome de seu amigo, imperador dos furansu, rei Napoleão III. Uma honra estar a seu serviço, Sire.
No momento em que deixara o tairo Anjo, Yoshi despachara Misamoto com uma carta para Seratard, pedindo-lhe que providenciasse reunião urgente e particular, embora formal, com Seratard, Sir William, o comandante-em-chefe da esquadra, o médico de Kanagawa e os intérpretes André e Tyrer... mais ninguém. Chegaria informalmente, com uma escolta mínima, e solicitava que as cerimônias fossem mínimas.
— O que acha disso, Henri? — indagara Sir William, quando Seratard o procurara, assim que André traduzira a carta.
— Não sei. Ele é um homem impressivo. Esteve a bordo de nosso navio durante quatro horas e, assim, tivemos a oportunidade de estudá-lo com a maior atenção... talvez você queira uma cópia do meu relatório.
— Obrigado. — Sir William sabia que o relatório seria recomposto, com a eliminação de todas as informações importantes... como ele próprio faria. Tinha ligeiro resfriado e espirrara. — Desculpe.
— Como guardião do herdeiro, um dos anciãos, de uma antiga família real Japonesa... até mesmo ligado ao micado, o imperador, cuja função, o que talvez não saiba, é religiosa... esse homem é muito bem relacionado e importante no xogunato. Por que não o recebemos?
— É o que farei — respondera Sir William, secamente, muito à frente das informações de Seratard, pois passara muitas horas pressionando Nakama por detalhes dos mais destacados soberanos e suas famílias, de Toranaga Yoshi em particular. — Atenderemos ao seu pedido. Parece interessante que ele queira a presença de Ketterer, hem? Isso cheira mal. Iremos de barco e levaremos algumas tropas de elite, como se fossem uma guarda de honra, além de mandarmos a Pearl se postar ao largo.
— Mon Dieu! Suspeita de uma armadilha?
— Pode ser uma manobra astuciosa, arriscando um cavalo para destruir a nossa estrutura de comando. Seria fácil infiltrar samurais... Pallidar diz que eles estão entrincheirados nos dois lados da Tokaidô, daqui até Hodoyama, e além. Não farejo uma armadilha, mas não custa nada nos precavermos. Nada de tropas francesas, meu velho. Sinto muito, Henri, mas não insista. Por que ele quer falar também com Babcott?
— Em nome da França, propus que instalássemos um hospital para eles, a fim de consolidar os vínculos. Ele ficou muito satisfeito... ora, William, isso não importa, você não pode pensar em tudo. Falamos sobre Babcott, que tem alguma reputação. Talvez Yoshi queira consultá-lo.
Seratard não vira motivo para divulgar a informação, que André descobrira, sobre os problemas de saúde do tairo.
O chá japonês foi servido na grande sala de audiência. Sentaram como o protocolo determinava e prepararam-se para a interminável polidez, que se prolongaria por uma hora. Um gole de chá e todos ficaram espantados ao ouvirem Yoshi declarar:
— O motivo para eu pedir esta reunião particular, com a ajuda de Serata-dono... naturalmente em nome do tairo e do Conselho de Anciãos... é porque chegou o momento de fazer algum progresso em nossas boas relações.
Ele parou e disse bruscamente para Tyrer:
— Por favor, traduza isso primeiro, depois continuarei.
Tyrer obedeceu.
— Primeiro, o doutor-sama, pois o resto de nossa reunião não o envolve. De propósito, Yoshi esperara três dias para procurar o médico. Não havia necessidade de se apressar, pensara ele, cínico: Anjo proclamou que não necessitava de mim para conseguir esse encontro, pois que se aflija agora!
Abruptamente, ele sentiu um frio no estômago ao pensar nos riscos desnecessários que assumira, pondo-se à mercê de Anjo, que a cada dia se tornava mais perigoso. Fora uma estupidez concordar em comandar o ataque e planejá-lo — essa parte feita com a maior facilidade — pois agora teria de levá-lo a cabo, a menos que tivesse astúcia, hoje, para levar os bárbaros a fazer o que queria.
— O doutor poderia fazer o favor de me acompanhar até Iedo, a fím de examinar um importante paciente, cujo nome não pode ser enunciado? Garanto o salvo-conduto.
Sir William disse:
— Uma pessoa tão importante como o doutor-sama não pode ir sem uma escolta.
— Compreendo isso, mas neste caso, sinto muito, não é possível. — Sentado agora no mesmo nível dos outros homens, a exceção de Babcott, Yoshi sentia-se mais à vontade. — Garanto o salvo-conduto.