Hiraga sentia-se paralisado, todo o resto esquecido. Pegou um tubo. Em sua mão, a bomba parecia pulsar com vida. Havia na extremidade uma pequena abertura para o estopim e, em sua imaginação, ele viu o estopim aceso, seu braço lançando a bomba por uma vigia de bombordo, depois outra... e em seguida se abaixando para o barco, oculto em grande parte pela neblina marinha, afastando-se em silêncio, para depois assistir, são e salvo, à tremenda explosão, as bombas acionando outras cargas, depois o enorme navio afundando.
E, com isso, todos os seus planos.
— É uma idéia incrível, Katsumata — murmurou ele, angustiado. — Precisaríamos escolher o momento da lua oportuno, assim como o mar certo, planejar tudo com o maior cuidado. As melhores épocas seriam a primavera ou início do verão. Depois disso, eu não poderia mais permanecer aqui e... Há muito o que lhe contar sobre o que descobri.
Hiraga quase revelou que sabia agora falar inglês muito bem, mas se conteve a tempo, e acrescentou:
— Só mais umas poucas semanas, e terei concluído tudo aqui. Depois, a igreja e o navio.
— Incendiaremos a igreja e afundaremos o navio amanhã de noite.
— Impossível!
Katsumata divertiu-se com seu choque, e refletiu que era uma pena que Ori estivesse morto e Hiraga vivo... pois Ori era muito superior. Mas também era Satsuma, não de Choshu.
— Quantas vezes devo dizer que a surpresa é a melhor arma dos shishi? Isso e a rapidez decidida. Onde está Akimoto?
— Na aldeia. Achei melhor não trazê-lo.
A mente de Hiraga era um turbilhão. Desde que voltara de Hodogaya, não partilhara seus pensamentos mais íntimos com o primo, apenas que Katsumata lhe dissera que Sumomo morrera, traída por Koiko a Yoshi, não que ele acreditasse que as duas haviam sido lançadas à perdição pelo acaso. Como seremos lançados inutilmente nesse plano delirante, e todo o meu trabalho terá sido em vão.
— Amanhã é cedo demais. Sugiro...
— A igreja será fácil para um homem só. Akimoto. Precisaremos de um barco. Pode arrumá-lo?
— Talvez. — A resposta de Hiraga foi automática, embaçada por incontáveis indagações e temores. — Talvez eu possa roubar um. Sensei, eu...
— Não está pensando com clareza. Um pescador sempre remove os remos quando não está usando seu barco. Não há necessidade disso. Compre um.
Katsumata tirou da manga uma pequena bolsa de seda e a largou na mesa, negligente.
— Hiraga, concentre-se! — exclamou ele, endurecendo a voz. — A vida com os gai-jin o contagiou até que ponto, com todos os demônios, que esqueceu o juramento a sonno-joi? Concentre-se! O plano é bom, o momento é perfeito. Pode comprar um barco?
— Posso... mas, sensei, para onde batemos em retirada?
— A retirada é simples. Três de nós, você, Takeda e eu, afundamos o navio de guerra. Depois, seguimos no barco até um ponto na praia o mais próximo possível de Iedo, e sumimos na cidade.
— E o outro homem, o que incendiará a igreja?
— Ele escapará a pé.
— Precisamos do apoio de mais shishi, pois se trata de grande missão, toda esta área se tornará letal.
— O que torna a fuga mais fácil. Quatro homens serão mais do que suficientes. Vou liderar o ataque ao navio e, se estiver ventando amanhã, o incêndio na igreja poderá destruir toda locoama, uma dádiva adicional. Volte esta noite, trazendo Akimoto, e definirei os planos finais.
— Mas... onde está Takeda?
— Deixei-o em Hodogaya. Chegará aqui esta tarde. Até de noite, Hiraga.
Bruscamente, Katsumata fez uma reverência, dispensando-o. Atordoado, Hiraga retribuiu, por muitos anos fora um discípulo reverente do sensei, mestre espadachim e tático, não podia agora deixar de aceitar a dispensa. Saiu, atravessou a ponte de volta à colônia, passou pela rua da aldeia, alcançou o passeio, foi andando por ali, sem ver nada, a cabeça um tumulto de pensamentos sinistros e impossibilidades, seu futuro liquidado, tudo porque o forasteiro Satsuma se mostrava determinado a forçar o destino.
Mas o sensei tem razão, remoeu ele. Esses dois atos deixariam os gai-jin desvairados, a esquadra investiria contra Iedo, Iedo arderia, Iocoama seria arrasada em retaliação. Dentro de poucos meses, as esquadras voltariam, desta vez com exércitos. Até lá, os shishi não controlariam os portões, mas todo o Nipão estaria em armas. E isso não faria a menor diferença para os gai-jin.
De um jeito ou de outro, teremos de nos abrir para o mundo deles. Os gai-jin já decidiram. Portanto, terão uma base em Iocoama, e também em outros lugares porque possuem o poder de dizimar nossas costas, de fechar nossos portos, para sempre, se assim desejarem, e nenhum Vento Divino nos ajudará.
— Olá, companheiro. Para onde vai?
— Ah... — Hiraga se descobriu diante da legação. — Bom dia, senhor sentinela. Eu ir a Taira-sama.
— Ele não está aqui, companheiro — informou o soldado, bocejando. — Mister Tyrer e o chefe foram a Kanagawa.
— É? — Hiraga olhou através da baía. A paisagem marinha era invernal. Mal dava para avistar Kanagawa. Uma fragata, que ele reconheceu como a Pearl, navegava lentamente ao largo, contra o vento, firme e mortífera. No estreito, a nave capitânia, com seus quarenta canhões de sessenta libras, se encontrava ancorada, a favor do vento. — Eu voltar mais tarde.
Desconsolado, ele se encaminhou para a aldeia, a fim de comprar um escaler. Por mais que desaprovasse, era um shishi acima de tudo.
No início daquela tarde, na sala dos oficiais da Pearl, Seratard bateu seu copo no de Sir William, ambos se congratulando pela reunião.
— Um passo à frente maravilhoso, Henri, meu velho — disse Sir William, jovial. Ele pegou a garrafa, tornou a verificar o rótulo. — Nada mal para um 48. E excelente repasto também.
Na mesa, havia sobras do almoço providenciado pelo chefde Seratard: tortas de pombo frias, quiche, migalhas de pão francês e umas poucas fatias de um Brie devorado, trazido pelo último navio mercante que chegara de Xangai.
— Ainda não posso acreditar que Yoshi tenha oferecido tudo o que ofereceu, Henri.
— Concordo. E maravilhoso é a palavra certa. Nós treinaremos a marinha, vocês cuidam do exército, nós nos encarregamos do sistema bancário e alfândega.
— Sonhador! — interrompeu-o Sir William, com uma risada. — Mas não vamos discutir sobre a divisão. Londres e Paris cuidarão disso. — Ele arrotou, contente, antes de acrescentar: — Tudo se reduzirá ao “quanto”, no final das contas, pois é óbvio que teremos de emprestar os recursos para que comprem nossos navios, fábricas, ou qualquer outra coisa... por mais que eles digam que pagarão.