— É verdade, mas haverá as salvaguardas habituais, receitas de alfândega etc.
Os dois riram.
— Haverá mais do que o suficiente para nossos dois países — comentou Sir William, ainda não acreditando de todo. — Mas quero que me faça um favor, Henri: não provoque o almirante. Já temos problemas suficientes sem isso.
— Está bem, mas ele é tão... ora, não importa. O que me diz de Nakama? Espantoso! Acho que você teve sorte por ele não matá-lo numa noite qualquer, já que é o inimigo número um. O que deu em você para assumir tamanho risco?
— Ele não estava armado e ajudava Phillip a aprender japonês. — Até onde Sir William podia determinar, apenas os quatro, Tyrer, McFay, Babcott e ele próprio, sabiam que o homem falava inglês e não havia razão para partilhar esse segredo. — Além disso, era bem vigiado.
Sir William arrematou num tom de indiferença, embora sentisse uma pontada de angústia ao pensar no perigo que haviam corrido.
— O que fará com ele?
— O que eu disse a Yoshi.
Todos haviam ficado chocados com as revelações de Yoshi — Sir William quase tanto quanto Tyrer —, em particular ao saberem que Nakama era procurado pelo assassinato de Utani, um dos anciãos, entre outros crimes. No mesmo instante, ele dissera:
— Phillip, diga a lorde Yoshi que, tão logo retorne a Iocoama, iniciarei um inquérito formal, e se os fatos forem mesmo como ele diz, entregarei o homem imediatamente às autoridades. Phillip!
Mas Tyrer, mudo de incredulidade, olhava aturdido para Yoshi. André se recuperara depressa e traduzira para ele, tendo tido um sobressalto quando Yoshi lhe respondera em tom ríspido.
— Hum... lorde Yoshi diz: Duvida das minhas palavras?
— Diga que não, absolutamente não, lorde Yoshi. — Sir William mantivera a voz calma, pois percebera os olhos se estreitando. — Mas assim como vocês têm suas leis e costumes, e não podem, por exemplo, ordenar que esse daimio Sanjiro lhes obedeça, também tenho de respeitar nossas leis, que pelos termos do tratado são as leis dominantes em Iocoama.
— Ele diz, Sir William: Ah, sim, os tratados. Neste novo espírito de amizade, ele concorda em lhe conceder o dever de entregar... o assassino. Mandará homens para assumirem a custódia amanhã. Sobre o tratado, senhor, ele diz, disse exatamente, que algumas mudanças são necessárias, podemos discuti-las daqui a vinte dias.
Tyrer interveio, em voz baixa:
— Com licença, Sir William, sobre Nakama, posso sugerir...
— Não, Phillip, não pode. André, diga a ele, exatamente, o seguinte: Teremos o maior prazer em discutir as questões que afetem nossos interesses mútuos a qualquer momento.
Ele escolhera as palavras com o maior cuidado e deixara escapar um suspiro de alívio ao ouvir a resposta:
— Lorde Yoshi agradece, e diz: vamos nos encontrar em vinte dias, se não antes, e agora voltarei para Iedo com o Dr. Babcott.
Concluídos os gestos polidos e as reverências, depois que Yoshi deixara a sala Seratard dissera:
— William, acho que você se esquivou da armadilha com muita habilidade Ele é astuto demais. Meus parabéns.
— Sobre a marinha... — começara o almirante, veemente. Sir William não o deixara continuar:
— Primeiro, deixem-me testemunhar a partida de Babcott e Tyrer. Vamos Phillip!
Lá fora, ele sussurrara.
— Mas qual é o seu problema?
— Nenhum, senhor.
— Então por que faz uma coisa dessas? Por que esquece que seu trabalho é apenas interpretar, não fazer sugestões?
— Desculpe, senhor, mas sobre Nakama...
— Sei que é sobre ele, pelo amor de Deus! Você fez a maior cagada! Pensa que nosso astucioso hóspede não percebeu? Sua função é traduzir o que for dito, manter-se impassível, mais nada! Esta é a segunda vez que tenho de adverti-lo!
— Desculpe, senhor, mas Nakama é importante e...
— Está se referindo a Hiraga ou qualquer outro nome que ele use no momento? Ele é acusado de assassinato. Concordo que tem sido uma fonte de informações, mas um proscrito renegado? Temos sorte por ele não haver nos matado enquanto dormíamos, já que podia vaguear à vontade pela legação!
— O que pretende fazer, senhor?
— O que eu já disse: investigar e, se for verdade, como desconfio que é, somos obrigados pela honra a entregá-lo.
— Não poderia considerá-lo refugiado político?
— Ora, pelo amor de Deus! Você perdeu o juízo? Exigimos reparações e os assassinos pelo assassinato de nossos cidadãos, como podemos então nos recusar a lhes entregar um dos seus, acusado e provavelmente culpado de assassinar um dos seus governantes? Yoshi prometeu que ele teria um julgamento justo.
— Ele pode se considerar um homem morto, pois esse é todo o julgamento que terá.
— Se ele é culpado, isso é tudo o que merece.
Sir William contivera sua irritação, pois Tyrer fizera um bom trabalho hoje e constatara que a crescente amizade entre os dois o beneficiava.
— Phillip, sei que ele tem sido muito valioso, mas não podemos deixar de entregá-lo... depois que tivermos uma conversa. Adverti-o no início que teria de ir embora, se eles o pedissem. Agora, esqueça Nakama e concentre-se em descobrir tudo o que puder sobre o paciente de Babcott. Com um pouco de sorte, deve ser o tairo.
Ele seguira à frente para o pátio, onde Yoshi estava montando. Babcott esperava ao lado de um cavalo que Pallidar lhe emprestara e outro para Tyrer. A guarda de honra os cercava, alerta. Por ordem de Yoshi, os carregadores se afastaram das varas com os fardos. Depois, ele chamara Tyrer, que se adiantara, escutara, fizera uma reverência, e voltara.
— Ele disse que pode... hum... contar o dinheiro à vontade, Sir William, e lhe dar o recibo amanhã, por favor. Aquele homem... — Tyrer apontara para Abeh. — virá buscar Nakama amanhã.
— Agradeça a ele, e diga que tudo será feito como deseja.
Tyrer obedecera. Yoshi acenara para que Abeh partisse.
— Ikimasho!
Partiram a trote, com o palafreneiro e os carregadores em sua esteira.
— Tudo bem, George?
— Tudo, obrigado, Sir William.
— Boa viagem. Phillip, saiu-se muito bem hoje. Mais algumas reuniões assim, e recomendarei sua promoção a intérprete de primeira classe.
— Obrigado, senhor. Posso estar presente quando conversar com Nakama?
Sir William quase explodira.
— Como pode estar presente, se vai para Iedo com George? Use seu cérebro! George, dê-lhe um remético, pois o pobre rapaz ficou obtuso!
— Não preciso realmente de Phillip — disse Babcott. — Apenas achei que poderia ser importante que ele conhecesse essa “pessoa anônima”.