— Apenas dei uma olhada nela... e mon Dieu, não compreende o que é o amor, como...
As palavras definharam. Ele serviu-se de outro copo, a garrafa quase vazia agora.
— Não pode imaginar como ela se mostrou totalmente desejável desde o Primeiro momento. — Ele tomou um gole do champanhe. — Desculpe, mas preciso de dinheiro.
— Claro. Mas só me restou um pouco.
— Tem o papel, com o sinete dele.
— Como?
O sorriso de André se tornou ainda mais insidioso, se é que isso era possível.
— Por sorte, os cambistas falam com os cambistas, os escriturários com os escriturários. Preencha outro amanhã. Por favor. Quinhentos mexicanos.
— É demais.
— Nem a metade do que preciso, chérie — murmurou ele, a voz quase inaudível.
André levantou-se, foi fechar as cortinas para o resto de claridade do dia depois acendeu o lampião a óleo, que estava na mesa, estendeu a mão para garrafa. A borra caiu em seu copo, e ele bateu com a garrafa de volta no balde d gelo.
— Acha que gosto de fazer isso com você? Pensa que não sei que é chantagem? Não se preocupe, sou razoável, só quero o que você pode me dar no momento. Cem mexicanos, ou os guinéus equivalentes, esta noite, duzentos amanhã, cem no dia seguinte.
— Não é possível.
— Tudo é possível.
André tirou um envelope do bolso. Continha uma única folha de papel, que ele desdobrou com todo cuidado. Dezenas de fragmentos de um papel verde estavam colados ali, de forma meticulosa, formando um perfeito quebra-cabeças. Pôs na mesa, fora do alcance de Angelique. No mesmo instante, ela reconheceu a letra de seu pai. A segunda página da carta que vira André rasgar, há tanto tempo.
— Pode ler daí? — indagou ele.
— Não.
— Seu afetuoso pai escreveu, assinou e datou... “e espero, como conversamos, que você arrume um noivado e casamento rápido, por quaisquer meios que puder. É importante para o nosso futuro. A Struan resolverá em caráter permanente os problemas de Richaud Frères. Não importa...”
— Não importa, André — murmurou Angelique, sem saber como disfarçar o veneno. — As palavras estão indelevelmente gravadas em meu cérebro. Indelevelmente. Estou comprando isso ou será uma ameaça permanente?
— É um seguro — respondeu ele, dobrando o papel e tornando a guardá-lo no envelope. —Voltará agora para um lugar bem guardado, com detalhes do affair Angelique, caso alguma coisa desagradável me aconteça.
Abruptamente, ela soltou uma risada, deixando-o desequilibrado.
— Oh, André, acha mesmo que eu tentaria assassiná-lo? Eu?
— Acabaria com qualquer acordo financeiro que Tess possa oferecer ou possa ser forçada a oferecer e a levaria ao banco dos réus.
— Ah, como você é tolo!
Angelique pegou seu copo e tomou um gole do champanhe. Ele notou, inquieto, que ela tinha a mão firme. Ela o observava, plácida, pensando que André era mesmo um tolo, por deixá-la saber que fizera aquilo, que era um trapaceiro. Ainda mais tolo ao se irritar com Hinodeh por preferir o escuro — talvez ele seja horrível nu — e mais ainda por protestar pelo preço que pagara, porque as duas coisas são insignificantes, se a moça é de fato tudo o que ele diz.
— Eu gostaria de conhecer essa Hinodeh. Por favor, combine um encontro.
— Hem?
Divertida com a expressão de André, ela acrescentou:
— O que há de tão estranho nisso? Tenho interesse por ela, já que a estou financiando, o amor de sua vida. Não concorda?
Trêmulo, ele se levantou, foi até o aparador, serviu-se de conhaque.
— Quer também?
— Não, obrigada.
Apenas os olhos de Angelique se mexiam. Ele voltou a sentar à sua frente. Uma aragem agitou a chama e fez os olhos dela faiscarem.
— Cem. Por favor.
— Quando eu paro de pagar, André? — indagou ela, jovial.
O conhaque caiu melhor do que o champanhe. Ele enfrentou a pergunta.
— Quando ela pagar, antes de você ir embora.
— Antes de eu ir embora? Quer dizer que não poderei partir até lá?
— Quando ela pagar, antes de você ir embora.
Angelique franziu o rosto, foi até a mesa, abriu uma gaveta lateral. A bolsinha continha o equivalente a cerca de duzentos mexicanos, em obans de ouro.
— E se não houver dinheiro?
— Virá de Tess, não há outro jeito. Ela pagará... de alguma forma, nós faremos com que isso aconteça.
— “Nós”?
— Eu prometo — murmurou André, os olhos injetados. — Seu futuro é o meu futuro. Pelo menos nesse ponto ambos concordamos.
Angelique abriu a bolsa, contou a metade. Depois, sem saber por que, guardou tudo de novo na bolsinha e entregou-a a André.
— Há cerca de duzentos mexicanos aí — disse ela, com um estranho sorriso. — Por conta.
— Eu gostaria de poder compreendê-la. E antigamente compreendia.
— Naquele tempo, eu era uma jovem tola. Não sou mais.
Ele balançou a cabeça, lentamente. Tornou a tirar o envelope do bolso, estendeu-o para a chama. Angelique soltou uma exclamação de espanto quando pegou fogo. André largou-o num cinzeiro e observaram juntos as chamas se espalharem, o papel se enroscar, até queimar por completo. Ele esmagou as cinzas com o fundo do copo.
— Por que, André?
— Porque você compreende sobre Hinodeh. E quer goste ou não, somos sócios. Se Tess não pagar a você, estou perdido. — André estendeu a mão. — Paz?
Ela apertou a mão estendida, sorriu.
— Paz. Obrigada. André levantou-se.
— É melhor eu ir dar uma olhada no Prancing Cloud. Se Tess estiver a bordo, tado sairá mais depressa.
Depois que ele saiu, Angelique examinou as cinzas, mas não dava para reconhecer uma única palavra. Seria fácil para André forjar uma cópia, rasgá-la, apresentá-la como o original e queimá-la... e ainda ter o original restaurado escondido, para uso posterior. É o tipo de estratagema que ele adoraria. E por que queimar a falsificação? Para me fazer confiar nele ainda mais, perdoar a chantagem.
Paz? A única paz de um chantagista é quando a denúncia terrível com que ele a ameaça não precisa mais ser escondida. No meu caso, será quando ELA pagar e o dinheiro estiver em meu poder. E depois que André conseguir o que quer... Hinodeh, talvez. O que ela deseja? Esconde-se de André no escuro. Por quê? Poi causa da cor dele? Para se excitar? Por vingança? Porque ele não é japonês?